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Cem anos dos sangrentos protestos de Chicago

Não custa recordar que as tensões sociais ocorridas, não só em Chicago como no meio-oeste e também ao norte de cidades, simultaneamente, devido ao agravamento da economia e problemas trabalhistas, pela dispensa em massa de operários, logo após o término da Primeira Guerra Mundial.

segunda-feira, 16 de dezembro de 2019

Atualizado em 17 de dezembro de 2019 10:19

"Um protesto é, fundamentalmente, a linguagem do desconhecido"
(Martin Luther King)1

No Illinois Bar Journal2, a advogada Khara Coleman, aqui homenageada, publicou excelente artigo, muito bem pesquisado, fazendo memória do trágico evento ocorrido no verão de 1919, cuja morte de Eugenie Williams (adolescente afro-americano apedrejado e afogado por um homem branco apenas por flutuar, com sua jangada de brinquedo, por cima de uma linha invisível - servida para demarcar o lado branco da praira - em South Side em 1919) provocou a semana mais violenta da história de Chicago, incendiando a cidade, deixando 38 mortos, dos quais 23 homens e crianças afrodescendentes e 537 feridos.

É necessário lembrar que o Estado de Illinois tem uma dimensão geográfica nada comparável com seus vizinhos ou mesmo com outros Estados (com 149.997 km² de área total). Comumente, Chicago é conhecida como a capital desse Estado, entretanto, a pequena cidade ao lado, Springfield, abriga a Administração, o Legislativo e as Cortes de Apelação, sendo sua capital.

Historicamente, o Estado de Illinois foi marcado por diversos eventos relacionados com crimes, protestos, homicídios e problemas interraciais até movimento anarquistas, a partir de 1876, culminando no famoso caso envolvendo Al Capone em 1926.

Não custa recordar que as tensões sociais ocorridas, não só em Chicago como no meio-oeste e também ao norte de cidades, simultaneamente, devido ao agravamento da economia e problemas trabalhistas, pela dispensa em massa de operários, logo após o término da Primeira Guerra Mundial.

Alguns comentam que houve grande migração interna de afrodescendentes do sul para o norte e para o meio-oeste, esvaziando as cidades meridionais e criando bolsões importantes dessas comunidades. Assim, não resolvendo os problemas raciais a contento, pode-se imaginar a tensão permanente de conflitos abertos, movimentos sociais e confrontos no norte, pois, sobretudo em Chicago, houve a criação de novos ativistas nas vizinhanças, todos eles também de afrodescendentes.

Fazendo um breve comentário acerca da ocorrência desse verão sangrento, permito-me reproduzir trecho do Síntese dos Protestos Raciais de Chicago de 1919:

Os protestos foram terríveis; assim como suas consequências históricas. Os líderes cívicos careciam dos fundos ou da vontade de processar a maioria dos manifestantes. Apenas um punhado foi julgado ou levado para qualquer prisão - a maioria negra. Muitos dos criminosos mais cruéis do tumulto eram brancos protegidos pela polícia e por políticos locais. Os cidadãos brancos "respeitáveis" de Chicago denominaram os distúrbios como obra das classes baixas da cidade, brancos e negros, que careciam de educação e moralidade. Eles argumentavam que era do melhor interesse para pessoas decentes separar brancos e negros para evitar problemas futuros.

O governador de Illinois pediu uma investigação das condições raciais na cidade de Chicago. O resultado fora a criação da Comissão de Relações Raciais de Chicago, composta por brancos e negros, conjugados em um proeminente esforço extraordinário em colaboração, pesquisa e resolução interraciais. O sociólogo afro-americano Charles S. Johnson realizou a maior parte da pesquisa. O relatório de mais de seiscentas páginas continua sendo um marco da sociologia e suas descobertas sobre racismo sistêmico são volumosas, mas as recomendações da Comissão são fracas.

Os distúrbios raciais de Chicago em 1919 nos lembram que não há nada natural ou indelével na segregação: ela foi inventada e mantida através de uma poderosa mistura de violência, intimidação e leis. No entanto, devemos lembrar que a resolução de conflitos também está em nossa história: temos o potencial de nos unirmos em reconhecimento e reconciliação. Cem anos depois, lembrando ou não dos tumultos, ainda vivemos dentro desse legado.3

Como lembra a advogada Khara Coleman, esse sangrento evento deveria ser de interesse particular para os advogados e pontualiza que em "cem anos mais tarde, os advogados de Illinois são convocados a considerar o que a justiça parece (e não parece). Como membros de uma profissão devotada à equidade e à administração da justiça, não devemos lembrar das injustiças do passado como uma maneira de prover justiça para todos no futuro?"4

Tendo participado do Illinois Bar Association (membro # 12462) por muitos anos, cumpro o dever cívico de lembrar este fato, mostrando que a profissão de ser advogado na contemporaneidade tem um amplo espetro social e político e, com muito prazer e honra, atendo o que a advogada Coleman sugere, ou seja, interpelando os colegas para cumprir o dever de que seja feita justiça em nome de todos agora e no futuro.

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1 - No original: "A riot is at bottom the language of the unheard". in.: Where Do We Go From Here? (1967) ch. 4. Oxford University Press, 2009, p. 463.

2 - Vol. 107, nº 11, nov. 2019.

3 - Disponível em: Summary of the 1919 Chicago Race Riots:. Disponível em: clique aqui. Acesso em 06 de dezembro de 2019.

4 - Disponível em: Remembering the Chicago Race Riots: 100 years later. in.: Illinois Bar Journal, vol. 107, nº 11, nov. 2019, p. 51.

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*Jayme Vita Roso é advogado e fundador do site Auditoria Jurídica.

Jayme Vita Roso

 

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