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A incidência do ISS sobre a importação de serviço

Luciana Nini Manente e José Eduardo Burti Jardim

Tribunal de Justiça perde a oportunidade de reconhecer a inconstitucionalidade da tributação

quinta-feira, 19 de dezembro de 2019

Atualizado às 14:46

O artigo 1º, §1º da LC 116/03 passou a prever a incidência do ISS sobre: i) o serviço proveniente do exterior (serviço prestado totalmente fora do território nacional) e ii) o serviço cuja prestação se tenha iniciado no exterior (o serviço complexo, realizado em etapas, nem todas realizadas fora do território nacional). Em ambas as situações o serviço é prestado em benefício do tomador estabelecido no Brasil.

Ante a impossibilidade de cobrar o prestador de serviço estrangeiro justamente porque ele não está sujeito às leis brasileiras, o artigo 6º, §2º, I da lei complementar 116/03 deslocou a responsabilidade pelo recolhimento do ISS ao tomador ou intermediário de serviço proveniente do exterior, o qual não pratica o fato gerador (não presta o serviço), sendo o município no qual estiver estabelecido o competente para exigir o imposto.

Contudo, a incidência do ISS sobre serviço importado não encontra amparo no artigo 156, III, da Constituição Federal e, caso fosse a intenção do legislador constituinte autorizá-la, teria assim previsto como o fez quanto a incidência do ICMS sobre a prestação de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação que tenham se iniciado no exterior, conforme o artigo 155, II da Constituição Federal.

A Constituição Federal atribui aos municípios a competência para tributar o serviço prestado dentro dos limites de seu território. Caso contrário, estão fora do campo de incidência determinado constitucionalmente. Portanto, o princípio da territorialidade delimita a área de abrangência territorial na qual as normas jurídicas terão validade e produzirão seus efeitos e o Estado exercerá sua soberania por meio do ente tributante. 

Por isso, a lei complementar 116/03, ao atribuir eficácia extraterritorial às leis municipais autorizando que sejam tributadas as prestações de serviços realizadas em território estrangeiro, incorreu em manifesta extrapolação dos limites de competência tributária dos municípios, outorgada constitucionalmente, o que foi reconhecido pelas 14ª e 15ª Câmaras do TJ/SP,1 originando o incidente de arguição de inconstitucionalidade.2

Porém, o órgão especial do TJ/SP, em julgamento ocorrido em 23 de outubro de 2019, por maioria de votos, não declarou a inconstitucionalidade do artigo 1º, §1º e inciso I e 3º da lei complementar 116/03, pautando-se em precedentes do STJ que mantiveram a cobrança do ISS sobre a cessão de uso de programa personalizado em território estrangeiro, os quais, contudo, não adentraram ao mérito da violação ao princípio da territorialidade em decorrência da aplicação das súmulas 7 e 283 daquela Corte Superior, não revelando, assim, o seu posicionamento sobre a controvertida matéria. 

Consta, ainda, do comentado acórdão, que a matéria teria repercussão geral reconhecida pelo STF (tema  590) e ainda pendente de julgamento, sendo, por isso, prudente a preservação da norma legal.

Equivocou-se o acórdão, pois o tema 590 não se refere ao ISS sobre serviço importado, mas, sim, se a cessão de uso é obrigação de dar sujeita ao ICMS ou obrigação de fazer, sujeita ao ISS, conforme se depreende da decisão do ministro Luiz Fux ao reconhecer a repercussão geral3.

Como se não bastassem tais fundamentos impróprios, não há que se falar que tributar o tomador do serviço sediado no Brasil, protegeria o comércio nacional pois evitaria que o prestador estrangeiro do serviço fosse beneficiado por isenção, já que o estrangeiro não é alcançado pela tributação brasileira de forma alguma. 

Daí a conclusão equivocada do acórdão de que o princípio da territorialidade não tem o condão de suplantar os princípios da isonomia e da livre concorrência, porquanto tentar coibir a importação de serviços na "intenção" de prestigiar o mercado nacional é despropositado, na medida em que, na maioria das vezes, são serviços tecnológicos ou de consultoria específica da legislação de determinado país que não são prestados no mercado interno.

Seja como for, trata-se de fundamento político-financeiro que não é aceitável juridicamente e, pelo contrário, termina por apenar s, isso sim, o tomador do serviço brasileiro, onerando-o ainda mais, considerando que já suporta as elevadas despesas de câmbio da moeda estrangeira. 

Portanto, no nosso entendimento, o acórdão prolatado pelo órgão especial do TJ/SP se eximiu de declarar a inconstitucionalidade da incidência do ISS sobre o serviço importado à luz do artigo 156, III, da Constituição Federal e do princípio da territorialidade, frustrando, assim, a expectativa de ver a polêmica matéria devidamente apreciada.

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1 Apelação nº 0155480-98.2005, Rel. Des. Gonçalves Rostey, 14ª Câmara, j. 14.07.2011; Apelação nº 0101584-09.2006, Rel. Des. Gonçalves Rostey, 14ª Câmara, j. 30.06.2011; Apelação nº 0188668-14.2007 (642.845-5/6-00), Rel. Des. Flávio Cunha da Silva, 15ª Câmara, j. 20.10.2008 Apelação nº 9221533-34.2007.8.26.0000, julgada em 28 de fevereiro de 2019.

2 Processo 0022463-72.2019.8.26.0000.

3 RE 688.223 RG/PR Dje de 04.10.12.

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*Luciana Nini Manente é advogada tributarista.

*Eduardo José Eduardo Burti Jardim é advogado tributarista.

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