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Inexigibilidade de licitação na contratação de advogado pelo Poder Público

A lei de licitações, que veio fazer uma normatização completa sobre a licitação, deu nova redação à matéria, porém foi infeliz, porque o que era inexigível, uma vez que havia inviabilidade de competição, ela estabeleceu, preferentemente, a modalidade de concurso, para tal contratação, quando esta modalidade é totalmente incompatível, como será evidenciado adiante.

quinta-feira, 19 de dezembro de 2019

Atualizado às 10:30

1. Introdução

A Constituição Federal em seu art. 37, XXI, dispõe sobre a exigência de processo de licitação pública para obras, serviços, compras e alienações nas contratações realizadas pela Administração Pública. Este dispositivo foi regulamentado pela lei nacional 8.666, de 1993, mais conhecida como Lei de Licitações e Contratos da Administração Pública - LLIC.

Esta lei de licitações e contratos contém expressa dispensa ou inexigibilidade da licitação, quando se trata de serviços técnicos, de notória especialização do contrato e da singularidade do objeto da contratação, como estabelece o art. 25, II, e § 1º do texto legal.

No entanto, para fins desta lei, os serviços técnicos profissionais especializados são, dentre outros, o patrocínio ou defesa de causas judiciais ou administrativas e, ressalvados os casos de inexigibilidade de licitação, deverão preferencialmente ser realizados mediante concurso público (art. 13, V, § 1º).

A interpretação destes dispositivos legais provoca diversos debates e críticas em âmbito jurídico, com colisões de sentenças judiciais, em todas as instâncias e os mais variados entendimentos, exigindo uma análise profunda para se obter a segurança jurídica.

2. Hermenêutica histórica em relação aos serviços profissionais de advogado

A hermenêutica histórica demonstra que a contratação de advogado pela Administração Pública para a prestação de serviço se trata de inexigibilidade, devido à inviabilidade de competição, embora possa a lei mencionar a dispensa. 

Muitas vezes, a lei fala em dispensa quando se trata de inexigibilidade, e desta quando se trata daquela.

Mesmo a doutrina pondera:

[...] Inexigibilidade é o mesmo que dispensa: é ordem para não exigir; é proibição de exigir.Assim, não pode a autoridade ordenar abertura de licitação, publicando editais, quando, por exemplo, há inviabilidade de competição, como, por exemplo, para a aquisição de obra de arte, pintura ou escultura, de determinado artista. Ou para a restauração de objeto (histórico ou artístico) de autenticidade comprovada.1

Relembre-se, que o decreto-lei 200, de 25 de fevereiro de 1967, expressamente dispensava a licitação "na contratação de serviços com profissionais ou firmas de notória especialização" (art. 126, § 2º).

O decreto 73.140, de 9 de novembro de 1973, que também previa a mesma sistemática para a "contratação de serviços com profissionais", quer dizer, para patrocínio de causas judiciais ou administrativas havia disposição expressa no sentido de reconhecer a dispensa.

Posteriormente, a lei de licitações, que veio fazer uma normatização completa sobre a licitação, deu nova redação à matéria, porém foi infeliz, porque o que era inexigível, uma vez que havia inviabilidade de competição, ela estabeleceu, preferentemente, a modalidade de concurso, para tal contratação, quando esta modalidade é totalmente incompatível, como será evidenciado adiante.

2.1 Diferenças fáticas entre serviços comuns, serviços técnicos profissionais generalizados, especializados e intelectualizados

Antes de analisar o texto da lei de licitações é importante determinar a utilização da terminologia correta, para saber do que se está falando, porque muitas vezes se diz de uma forma, quando se deseja outra, ou a palavra se irradia de maneira limitada quando a extensão do pensamento é mais ampla.

Hely Lopes Meirelles esclarece que:

Para fins de licitação, é necessário distinguir os serviços comuns, os serviços técnicos profissionais generalizados e os serviços técnicos profissionais especializados. Os dois primeiros exigem licitação; os últimos a dispensam quando contratados com profissional ou firma de notória especialização.2

E ele distingue os três tipos de serviços:

Serviços comuns são todos aqueles que não exigem habilitação especial para sua execução. Podem ser realizados por qualquer pessoa ou empresa, pois não são privativos de nenhuma profissão ou categoria profissional. [...]

Serviços técnicos profissionais são todos aqueles que exigem habilitação legal para sua execução. Essa habilitação varia desde o simples registro do profissional ou firma na repartição administrativa competente até o diploma de curso superior oficialmente reconhecido. [...] 

Os serviços técnicos profissionais podem ser generalizados ou especializados [...]. 

Serviços técnicos profissionais generalizados - São os que não demandam maiores conhecimentos, teóricos ou práticos, além dos ministrados nos cursos normais de formação profissional. Estes serviços, [...] exigem licitação, por haver sempre a possibilidade de competição entre os interessados, nivelados pelo mesmo título de habilitação. [...].

Serviços técnicos profissionais especializados - São aqueles que, além da habilitação técnica e profissional normal, são realizados por quem se aprofundou nos estudos, no exercício da profissão, na pesquisa científica, ou através de cursos de pós-graduação ou de estágio de aperfeiçoamento. São serviços de alta especialização e de conhecimentos pouco difundidos entre os demais técnicos da mesma profissão. [...].

A lei 8.666/93, na esteira dessa orientação, especificou os serviços técnicos profissionais especializados, para os quais a licitação é inexigível, em face da manifesta inviabilidade de competição entre profissionais ou empresas de notória especialização (art. 13 e 25, II, e § 1º).3

Entretanto, faltou complementar os serviços profissionais intelectualizados. O serviço profissional intelectualizado emana do cabedal do profissional, embasando-se nos seguintes pressupostos: ter conhecimento, usar o raciocínio e a criatividade, numa união de técnica, conhecimento, arte e ciência. Há uma razão óbvia para a inexistência de licitação: impossível um critério objetivo de julgamento quanto a conhecimento, confiança, eficiência. Não há parâmetro de igualdade entre estes profissionais. E se não há igualdade de condição e de situação é impossível a licitação, que prima pela isonomia e impessoalidade.

A lei de licitações o mencionou de maneira específica no art. 46 e única vez quanto aos serviços intelectuais: 

Os tipos de licitação "melhor técnica" ou "técnica e preço" serão utilizados exclusivamente para serviços de natureza predominantemente intelectual, em especial na elaboração de projetos, cálculos, fiscalização, supervisão e gerenciamento e de engenharia consultiva em geral e, em particular, para a elaboração de estudos técnicos preliminares e projetos básicos e executivos, ressalvado o disposto no § 4o do artigo anterior.4

Este parágrafo trata da contratação de bens e serviços de informática. Observa-se, do mencionado artigo, que houve normativa ao regramento dos serviços predominantemente intelectual tão somente para:

[...] elaboração de projetos, cálculos, fiscalização, supervisão e gerenciamento e de engenharia consultiva em geral e, em particular, para elaboração de estudos técnicos preliminares e projetos básicos e executivos, ressalvado o disposto no § 4º do artigo anterior.5

Para conferir o artigo na íntegra, clique aqui.

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1 CRETELLA JÚNIOR, José. Das licitações públicas. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1995, p. 240.

2 MEIRELLES, Hely Lopes. Licitação e Contrato Administrativo. Atualizado por Eurico de Andrade Azevedo; Célia Marisa Prendes. 11. ed. Cit., p. 49.

3 MEIRELLES, Hely Lopes. Licitação e Contrato Administrativo. Atualizado por Eurico de Andrade Azevedo; Célia Marisa Prendes. 11. ed. Cit., p. 49-51.

4 BRASIL. Art. 46 da Lei 8.666/1993. 

5 BRASIL. Art. 46 da Lei 8.666/1993.

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*Dirceu Galdino Cardin é advogado.

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