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Súmula 121 do STF e anatocismo na Tabela Price

Equivocadamente, centenas de milhares de brasileiros estão convictos de que a Tabela Price não gera financiamentos sob regime de juros capitalizados, entretanto, apenas um único motivo é o responsável para a existência dessa ilusão, que está no modo distorcido de calcular as suas variáveis.

terça-feira, 7 de janeiro de 2020

Atualizado em 2 de fevereiro de 2023 13:37

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A utilização da Tabela Price é permitida, entretanto a súmula 121 do STF diz: "É vedada a capitalização de juros, ainda que expressamente convencionada". Para analisarmos de forma adequada a situação, devemos observar os pontos de vista que rodeiam o tema. 

O artigo 354 do Código Civil (Lei 10.406/02) foi redigido da seguinte forma: "Havendo capital e juros, o pagamento imputar-se-á primeiro nos juros vencidos, e depois no capital, salvo estipulação em contrário, ou se o credor passar a quitação por conta do capital". Em relação a esse assunto, descreverei a seguir a conclusão de minha imparcial e criteriosa análise, já exposta ao público e respeitada desde 2006, totalmente atrelada à ciência matemática. Há temas polêmicos que se arrastam por décadas, assim como o que trata de comprovar a existência de capitalização de juros nos financiamentos gerados pela Tabela Price. Existe anatocismo, contagem de juros sobre juros, nos financiamentos gerados pela tabela citada e também quando utilizado o Sistema de Amortização Constante (SAC) e o Sistema de Amortização Crescente (SACRE). Todos os sistemas de amortização que calculam juros sobre o saldo devedor praticam o anatocismo. 

A frequente pergunta de muitos brasileiros, no âmbito do mercado de crédito, está relacionada à presença ou inexistência de juros sobre juros embutida nos coeficientes da Tabela Price. Quando dizemos que um financiamento ou empréstimo foi calculado com o auxílio dessa tabela, estamos diante de um plano de pagamentos com iguais prestações periódicas sob regime de juros capitalizados. Portanto, matematicamente não importa para que linha de crédito foi realizado o cálculo, pois sempre que o plano conter prestações de igual valor, em todos os períodos (meses), com juros compostos embutidos, podemos certamente afirmar que foi empregado o Sistema Francês de Amortização (SFA), conhecido popularmente no Brasil como "Sistema Price".

Os financiamentos e empréstimos bancários com propósitos diversos contendo iguais parcelas se enquadram nesse sistema, na medida em que todos, também, possuem juros capitalizados. O anatocismo é, de fato, uma realidade nesses casos. Assim, do ponto de vista operacional, pagar todos os juros do mês com o valor da prestação e, do que sobrar, amortizar parte do principal, ou seja, aplicar o método utilizado no mercado, presente no artigo 354 do Código Civil e ensinado nos cursos básicos de matemática financeira tem o seu valor, pois é dessa forma que, fácil e comumente, são controladas as variáveis do demonstrativo de evolução do saldo devedor, conhecido também como quadro de amortização.

Contudo, apenas de modo prático, facilitador, contábil pode-se utilizar esse recurso, pois ele, sem intenção, esconde totalmente a capitalização de juros, tornando-a invisível. Quando observamos originalmente a situação, a ciência matemática toma o seu lugar por meio de seus conceitos fundamentais, deixando de lado as técnicas que facilitam os cálculos, visto que podem atrapalhar o entendimento do assunto. O homem, se quiser, pode até observar a matemática de forma alterada, porém nunca poderá mudá-la.

O fato de ser possível, com o valor da prestação, pagar todos os juros do mês e, do que sobrar, amortizar o principal, existe porque R$ 1,00 (um real) de juros vale o mesmo que R$ 1,00 de principal. Portanto, temos duas variáveis distintas que não deveriam ser distorcidas, contendo a característica de possuir a mesma unidade. Nesse caso, em se tratando de dinheiro e por possuírem a mesma unidade, contabilmente é possível controlar o financiamento da forma apontada acima sem afetar a variável "saldo devedor".

Note que também de forma operacional seria possível o inverso, ou seja, com o valor da prestação amortizar o principal (parte dele), e como, inicialmente, nada sobraria desse pagamento, todos os juros permaneceriam sem afetar em nada o campo "saldo devedor". Nesse segundo caso, ao final do financiamento, somente existiriam juros a serem pagos com as últimas prestações. Deve-se dizer que, em ambos os casos, o mesmo financiamento seria quitado com as mesmas prestações pagas nas mesmas datas.

O leitor está percebendo que, quanto à despesa, não importa se observamos o financiamento "de um modo ou de outro" e também "dessa ou daquela forma", isto é, pagando os juros primeiramente ou não. O que importa para o mutuário é o quanto está se pagando, visto que o anatocismo não está na forma de controle, porém, sim, no regime de capitalização. Em outras palavras: o anatocismo não está no método de cálculo do monitoramento das variáveis, entretanto, por sua vez, no modo de cálculo da geração das mesmas, ou seja, na própria origem das variáveis calculadas. Em virtude disso, todos os resultados serão consequentes do anatocismo. 

A ciência matemática está acima da vontade humana e, nessa análise original, devemos observar o financiamento como a própria ciência estruturalmente o estabelece. Cada prestação mensal, proporcionalmente, sem qualquer tendência ou inclinação para qualquer lado, paga parte do principal e parte dos juros, pois nunca poderemos nos esquecer que principal e juros são duas variáveis diferentes essencialmente. Não devemos também, originalmente, dar uma importância maior para qualquer uma delas.

Desse modo, o anatocismo fica evidenciado de forma clara e todas as equações pertinentes ao assunto entram em sintonia com a ótica original exposta. Ao se calcular futuramente o valor das iguais prestações sob regime de juros simples, ressaltando o fato de que não existe uma fórmula prática (somente por computador se chega ao resultado correto com velocidade), notamos que o valor é menor do que sob regime de juros compostos. A diferença entre os regimes de capitalização pode ser relevante ou insignificante, uma vez que depende dos dados fornecidos.

Assim, por esse motivo, é de extrema importância para o leitor saber que o prazo e a taxa de juros influem consideravelmente para que a diferença seja significativa, quando temos a intenção de criar um financiamento sob juros simples com iguais parcelas, e também com menor valor, para a rápida e singela comparação com o regime composto. Nesse sentido, exponho neste artigo uma exaustiva análise realizada por mim a respeito do comportamento do prazo em função da taxa de juros.

Nessa trilha, note abaixo o seguinte: para que o valor das iguais prestações sob juros compostos pela Tabela Price seja, por exemplo, 20% (vinte porcento) maior do que sob juros simples é necessário que o prazo do financiamento seja no mínimo de: 163 meses para a taxa de juros de 1% ao mês (sendo 20,114501% maior em comparação); 109 meses para 1,5% ao mês (sendo 20,130321% maior); 82 meses para 2% ao mês (sendo 20,145658% maior); 66 meses para 2,5% ao mês (sendo 20,249299% maior); 55 meses para 3% ao mês (sendo 20,174910% maior); 47 meses para 3,5% ao mês (sendo 20,012279% maior); 42 meses para 4% ao mês (sendo 20,555364% maior); 37 meses para 4,5% ao mês (sendo 20,215332% maior); 34 meses para 5% ao mês (sendo 20,755454% maior); 31 meses para 5,5% ao mês (sendo 20,766410% maior); 28 meses para 6% ao mês (sendo 20,251765% maior); 26 meses para 6,5% ao mês (sendo 20,350241% maior).

Note os seis exemplos a seguir:

1) Se financiarmos R$ 20.000,00 à 2% ao mês em 48 prestações mensais, o valor da prestação pela Tabela Price será de R$ 652,04 e sob juros simples de R$ 598,74. Diferença de apenas R$ 53,30.

2) Se financiarmos R$ 20.000,00 à 2% ao mês em 60 prestações mensais, o valor da prestação pela Tabela Price será de R$ 575,36 e sob juros simples de R$ 510,84. Diferença de apenas R$ 64,52. 

3) Se financiarmos R$ 20.000,00 à 2% ao mês em 72 prestações mensais, o valor da prestação pela Tabela Price será de R$ 526,54 e sob juros simples de R$ 451,40. Diferença de apenas R$ 75,14. 

Por outro lado:

4) Se financiarmos R$ 20.000,00 à 5% ao mês em 48 prestações mensais, o valor da prestação pela Tabela Price será de R$ 1.106,37 e sob juros simples de R$ 828,97. Diferença significativa de R$ 277,40.

5) Se financiarmos R$ 20.000,00 à 5% ao mês em 60 prestações mensais, o valor da prestação pela Tabela Price será de R$ 1.056,56 e sob juros simples de R$ 731,13. Diferença significativa de R$ 325,43. 

6) Se financiarmos R$ 20.000,00 à 5% ao mês em 72 prestações mensais, o valor da prestação pela Tabela Price será de R$ 1.030,73 e sob juros simples de R$ 663,71. Diferença significativa de R$ 367,02. 

Como foi possível notar, o prazo e a taxa de juros determinam a distinção numérica entre os regimes. Nesse polêmico assunto, a análise quantitativa é tão pertinente quanto a análise conceitual.

Antes de tudo, além delas, não podemos deixar de lado a análise da doutrina matemática que estabelece o assunto de modo estrutural. Isso se torna necessário, na medida em que no dia 6 de fevereiro de 2019, por sete votos a seis, o STJ decidiu não analisar a fórmula que possibilita o cálculo dos coeficientes da Tabela Price, no sentido de possuir a certeza com relação à presença, ou inexistência, do regime de juros compostos em seu interior. O propósito seria, então, se fosse realizada a análise, saber se a Tabela Price gera séries de pagamentos em iguais prestações com juros capitalizados, ou não, embutidos nas mesmas. Esses coeficientes da tabela em questão são utilizados no mercado de crédito para a rápida e prática determinação do valor das iguais parcelas de um financiamento.

Analisar uma fórmula matemática, é observar o caminho percorrido entre a expressão original até a equação prática (fórmula). Esse caminho é chamado, na área científica, de "dedução matemática". Assim, a dedução que leva à fórmula é a exibição, passo a passo, do processo de simplificação alicerçado na álgebra, por conta de uma expressão inicial complexa ou de grande proporção. Nesse sentido, além da importante simplificação de seu conteúdo simbólico, gerando praticidade, a dedução que leva à fórmula é, também, uma valiosa comprovação científica das verdades matemáticas imutáveis e inquestionáveis que cercam o assunto analisado, ou seja, a exata doutrina matemática documentada de modo algébrico. Nesse pensamento, se a dedução matemática nos faz chegar à fórmula citada, podemos garantir que a expressão algébrica inicial foi a responsável pela geração da mesma.

Portanto, a expressão inicial é a origem que, nesse caso, realiza a soma dos valores antecipados, sob regime de juros capitalizados, de cada prestação com valor unitário (isso significa que todas as prestações possuem o valor fictício adotado de: um real ou, possivelmente, um euro, por exemplo). De posse desse importante total (soma de todos os valores antecipados), podemos fazer uma pergunta: "Qual seria o valor financiado exato, em unidades monetárias, para gerar prestações iguais de apenas uma unidade monetária, baseando-se em uma determinada taxa de juros e também a um estipulado prazo?". A soma dos valores antecipados mencionado, sob regime de juros compostos, de cada prestação de valor unitário, é exatamente esse procurado valor financiado em unidades monetárias. Se invertermos essa informação numérica, ou seja, acharmos o resultado da fração de 1 (um) sobre esse valor financiado, determinaremos, então, o coeficiente da Tabela Price. Assim, basta multiplicar qualquer valor financiado em reais por esse coeficiente e terá como produto o preciso valor das iguais prestações do financiamento, tendo inicialmente por base, é claro, as antecipações citadas à uma determinada taxa de juros e também a um estipulado prazo.

Podemos, nesse raciocínio, assegurar, matematicamente, que a fórmula da Tabela Price segue o regime de juros compostos. A aparência de uma fórmula prática pode trazer dúvidas quanto à sua natureza, entretanto, quando observamos diretamente a sua origem, não, na medida em que retrata clara e nitidamente a imagem do objetivo. Cientificamente, a fórmula da Tabela Price nada mais é do que uma equação que determina um coeficiente que tem por objetivo facilitar a obtenção do valor das iguais prestações de um financiamento ou empréstimo sob regime de juros compostos. Nessa dinâmica, a Tabela Price não é o quadro de amortização (demonstrativo) que indica a posição mês a mês do saldo devedor, como muitos pensam.

Além disso, deve-se dizer que existe uma tabela para cada taxa de juros ao período de pagamentos que informa os coeficientes para várias quantidades de parcelas do prazo total do financiamento. Por exemplo, para 5% temos o coeficiente 0,06043446 na linha 36 da tabela, indicando que se multiplicarmos esse coeficiente pelo valor financiado teremos como resultado o valor das iguais 36 prestações que devem ser pagas periodicamente a fim de, sob regime de juros compostos, quitar o financiamento. Em um exemplo onde financiamos R$ 15.000,00, devemos pagar 36 prestações de R$ 906,52 em relação à taxa de juros informada. A taxa original da tabela sempre está vinculada ao período de pagamentos. Observe que se financiarmos R$ 15.000,00, poderemos pagar 36 prestações mensais de R$ 906,52 por meio da taxa de juros de 5% ao mês. Note também que se financiarmos R$ 15.000,00, poderemos pagar 36 prestações anuais de R$ 906,52 por meio da taxa de juros de 5% ao ano.

Vale relembrar que a taxa original da tabela é aquela que está associada ao período de pagamentos. Continuando nosso raciocínio e aproveitando esse exemplo, podemos dizer que se o contrato estabelecesse que o momento do primeiro pagamento coincidisse com a data de assinatura do mesmo, teríamos, então, a obrigação de que a primeira parcela fosse paga no ato da contratação. Nesse caso não precisaríamos de outra fórmula específica para determinarmos o valor das iguais prestações que satisfizesse essa comum condição. Assim, bastaríamos, portanto, dividir o valor acima por (1+taxa/100), sendo R$ 906,52 dividido por 1,05. O valor das iguais prestações seria de R$ 863,35. O valor financiado nesse caso seria de R$ 14.136,65. Isso ocorreria porque o valor contratado de R$ 15.000,00 seria diminuído pela entrada de R$ 863,35 referente à primeira prestação.

Nessa trilha, note que os valores estão corretos na medida em que se procurássemos, por exemplo, o coeficiente na Tabela Price atrelada a 5% ao mês, com somente 35 meses, teríamos o coeficiente de 0,06107171. O valor real financiado aplicado de R$ 14.136,65 multiplicado por 0,06107171 resultaria no valor das iguais prestações de R$ 863,35. Ressaltando que, nesse exemplo de financiamento com pagamentos antecipados em um período, obviamente e sem dúvida alguma, com exceção da entrada (primeira prestação sem juros) e também da segunda prestação (com vencimento após somente um período de capitalização), todas as demais parcelas até a última possuiriam juros sobre juros em seu interior.

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*Demétrio Antunes Bassili é graduado em engenharia eletrônica pela Faculdade de Engenharia Industrial (FEI) e pós-graduado em Administração de Empresas com núcleo de concentração em Análise de Sistemas pela Faculdade de Ciências Econômicas de São Paulo - 1992.

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