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EC 103/19 impede que haja cassação de aposentadoria como conversão de demissão

A perda da condição de aposentado, como imposição de penalidade, após todo o iter disciplinar, não possui o efeito de confiscar um direito adquirido pela implementação de descontos e de condições resolutivas já consumadas.

quarta-feira, 29 de janeiro de 2020

Atualizado às 12:34

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I - Cassação da aposentadoria ou a disponibilidade do inativo - necessária releitura do art. 134, da lei 8.112/90.

A lei 8.112/90 foi promulgada em uma época em que contemplava a aposentadoria como prêmio ao servidor que atingisse determinado tempo de serviço estabelecido pela legislação para cada categoria ou sexo.

Sendo um prêmio concedido pelo poder público ao servidor, o legislador estabeleceu no art. 134, da lei 8.112/90 a possibilidade de ser cassada a aposentadoria ou a disponibilidade de inativo que houver praticado, na atividade, falta punível com a demissão.

Eis a dicção do art. 134, da lei 8.112/90:

"Art. 134. Será cassada a aposentadoria ou a disponibilidade do inativo que houver praticado, na atividade, falta punível com a demissão."

Pela leitura do aludido art. 134, da lei 8.112/90, somente será cassada a aposentadoria ou a disponibilidade do inativo se ele tiver praticado, na atividade, fato punível com a demissão e não estando prescrita a prática da infração disciplinar.

Por essa regra legal, as faltas funcionais cometidas em atividade é que poderão ensejar, como reflexo, a cassação da aposentadoria concedida a posteriori. Essa hipótese poderá ocorrer quando o servidor requerer sua aposentadoria e, após a publicação no D.O o ato de aposentação, o Poder Público tiver ciência da prática de uma infração disciplinar e resolver apurá-la, por não estar prescrita.

Assim, a justificativa o legislador para a cassação de aposentadoria, como consequência de uma infração disciplinar possível com a pena de demissão decorre do fato de que a aposentadoria seria um prêmio (voluntária) onde o servidor público não contribuía para fazer jus à aposentadoria.

Dessa forma, se não estiver prescrita a infração disciplinar concretizada quando o servidor público se encontrava em atividade, ele respondia a um processo administrativo, a fim de se verificar o elemento subjetivo de sua conduta, se houve dolo ou gravidade na falta funcional que lhe é imputada.

A condição de servidor público aposentado, ou em disponibilidade, não permite que seja responsabilizado disciplinarmente por atos praticados nessa situação jurídica, tendo em vista que somente estando no exercício da função é que ocorrerá, em tese, a responsabilidade funcional.

Fora do serviço público, a prática de qualquer infração disciplinar que seja imputada ao servidor aposentado, será nessa situação, o que significa dizer que responderá pelos seus atos na esfera penal ou cível, em decorrência de que o seu estado de inativo retira a condição sine qua non para a sua responsabilização disciplinar, que é a prática de um ato infracional no serviço público. Sendo certo que, somente pode ser responsabilizado pela prática uma infração disciplinar quem está ostentando a posição de servidor público, legalmente investido no cargo, em exercício ou em licença, mas com o vínculo ativo.

Dessa forma, o inativo ou o servidor em disponibilidade somente respondiam a um processo administrativo disciplinar pelos atos que praticassem no exercício de seus cargos efetivos, pois a aposentadoria e a disponibilidade são espécies de inatividade, sendo a primeira situação resultante de um benefício obtido em função de invalidez permanente ou, atualmente, vinculada ao tempo de contribuição previdenciária, exceto a aposentadoria compulsória que possui vinculação máxima da idade do servidor (70 anos). Já a disponibilidade é aplicada ao servidor nos casos de reorganização ou extinção do respectivo cargo público, ou de declaração de sua desnecessidade, até que o servidor volte a ser reaproveitado.

Portanto, segundo o legislador será cassada a aposentadoria ou a disponibilidade do inativo, se o servidor tiver praticado, no exercício de suas atribuições funcionais, fato infracional punível com a demissão, não estando o mesmo prescrito.

Destarte, o direito de imposição da penalidade de cassar a aposentadoria do servidor público não é absoluto, em decorrência de que deverá ser precedido do devido processo legal, no prazo de 05 (cinco) anos, contados da data da prática da infração disciplinar, ou da publicação no Diário Oficial do ato de aposentação. Isso porque o direito da Administração de anular os atos administrativos (aposentadoria) decai em 05 (cinco) anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé, conforme determinação expressa do art. 54 da lei 9.784/99.

Por essa razão, a Administração Pública fica atrelada ao prazo prescricional, que, se consumado, estabiliza as relações jurídicas em função do próprio interesse público. Inseguros seriam os servidores públicos que não tivessem em seu passado a certeza de que as suas condutas, praticadas na atividade (exercício do cargo), não estariam estabilizadas com o transcurso do tempo. O art. 134 da lei 8.112/90 dispõe expressamente no sentido de se impor a pena de cassação de aposentaria para o servidor que tenha praticado infração disciplinar quando em atividade, sendo inclusive recepcionado pelo Supremo Tribunal Federal (MS no 23.219/RS, Rel. Min. Eros Grau, Pleno, DJ de 19 agos. 2005, p. 04; RNS no 24.557/DF, Rel. Min. Carlos Veloso, 2ª T., DJ de 26 set. 2003, p. 25) e pelo STJ (MS no 7.795/DF, Min. Rel. Hamilton Carvalhido, 3ª S., DJ de 24 jun. 2002, p. 181), que concluiu ser constitucional tal dispositivo legal.

Dessa forma, inúmeros servidores aposentados que praticaram infrações disciplinares quando em plena atividade, não estando suas punições previstas em lei prescritas, perderam ou perdem as suas aposentadorias, na forma do disposto pelo art. 134 da Lei no 8.112/90, após o trâmite do devido processo legal.                      

Sucede que desde a promulgação da emenda constitucional 20, de 15 dez. 1998, a aposentadoria deixou de ser por tempo de serviço, para se transformar em um regime de previdência de caráter contributivo, observando critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial. Assim, na prática, o servidor público, no exercício de suas atribuições, contribui diretamente para ter direito à aposentadoria.

Após a alteração da concepção da aposentadoria voluntária (prêmio), quando atingia determinado tempo de serviço, definido por lei, para pertencer a um novo regime previdenciário contributivo passamos a defender em nossos comentários ao art. 134, da lei 8.112/90, da impossibilidade da cassação da aposentadoria, como decorrência de infração disciplinar cometida pelo servidor público quando em atividade.1

Tal conclusão é uma decorrência lógica da significativa mudança que alterou a conjuntura da regra de concessão do benefício da aposentadoria, tendo em vista que os servidores públicos passaram a ser regidos pelo regime geral de previdência social, com regras de contribuições e atualização pelo sistema atuarial.

Apesar de cristalino, a nosso juízo, tal situação jurídica, o certo é que o Superior Tribunal de Justiça - STJ2 pacificou entendimento majoritário que o sistema contributivo em nada veda a aplicação da penalidade de cassação de aposentadoria, por entender que o servidor, antes aposentado, agora revertido e demitido, poderá buscar a aposentadoria no Regime Geral, sem os benefícios que fazia jus como servidor público, por conta da penalidade aplicada.

Sucede que a emenda constitucional 103, de 13.11.2019 alterou esse posicionamento, como se demonstrará, obrigando a doutrina e a jurisprudência a fazerem uma releitura do art. 134, da lei 8.112/90.

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1 MATTOS, Mauro Roberto Gomes de. Lei nº 8.112/90 Interpretada e Comentada - Regime Jurídico Único do Servidor Público Federal. 6.ed., Niterói-RJ: Impetus, os. 846/851.

2 REsp 1771.637/Pr, Rel. Min. Herman Benjamin, 2ª T., DJ de 4.02.2019;  AgInt no RMS 54.740/SP, 2ª T., Rel. Min. Francisco Falcão, DJ de 24.09.2019; RMS 50.717/SP, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, rel. p/ acórdão Benedito Gonçalves, 1ª T., DJ de 13.06.201.

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*Mauro Roberto Gomes de Mattos é sócio do escritório Gomes de Mattos.

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