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Apesar das modificações, lei 7.064 é ineficaz na prática

Karen Viero e Yasmin Mano Cecílio

A lei 7.064/82 possui enormes lacunas e se torna ineficaz para os casos concretos, principalmente quando se trata da análise de empregados que foram contratados por empresas estrangeiras ou por empresa nacional

segunda-feira, 3 de fevereiro de 2020

Atualizado às 10:58

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A globalização e crescente necessidade de mão de obra específica levaram as empresas estrangeiras a buscar empregados especializados em outros países, o que acarretou a edição da lei 7.064/82, conhecida como Lei Mendes Júnior.

Nos termos do art. 2º da Lei Mendes Júnior, estão incluídos apenas o empregado removido para o exterior, cujo contrato estava sendo executado no território brasileiro; o empregado cedido à empresa sediada no estrangeiro, para trabalhar no exterior, desde que mantido o vínculo trabalhista com o empregador brasileiro; o empregado contratado por empresa sediada no Brasil para trabalhar a seu serviço no exterior.

Assim, é evidente que referido artigo, inserido no Capítulo "Da Transferência", trata dos casos em que há necessidade de manter o vínculo com o empregador brasileiro, o qual deverá garantir o cumprimento das obrigações trabalhistas inerentes à legislação.

Deste modo, é garantida ao empregado, enquanto prestador de serviços no exterior, a aplicação da legislação do Brasil sobre a Previdência Social, Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) e Programa de Integração Social (PIS/PASEP), previsão de salário-base. Após dois anos de permanência no exterior o empregado tem direito ao gozo de férias na sua localidade de origem, acompanhado dos familiares, e com o custeio da viagem pelo empregador. Além disso, dentre outras garantias legais, tem direito de retornar ao seu país, com as despesas custeadas pelo empregador, no término do período de transferência ou nas hipóteses legalmente previstas.

Dos demais tipos de contratação de expatriados por empresa nacional

Diferente do disposto no Capítulo II mencionado acima, o disposto no - Capítulo III - "Da Contratação por Empresa Estrangeira" - regula a possibilidade de o trabalhador ser contratado por empresa de outro país sem que haja a necessidade de vínculo com empresa nacional.

Nesse sentido, enunciam os artigos 12 a 20 que a contratação de trabalhador, por empresa internacional, para trabalhar no exterior está condicionada à prévia autorização da Secretaria Especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia, e ela somente poderá ser dada à empresa de cujo capital participe, em pelo menos 5%, pessoa jurídica domiciliada no Brasil.

Não por outro motivo, empresas nacionais em colaboração com pessoa jurídica do exterior com o fim de cumprir as exigências da lei 7.069/82, são indicadas e participam de todos os pedidos de autorização junto à Secretaria Especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia para contratação de trabalhadores brasileiros, porém isso não significa que é a real empregadora ou que faz parte do grupo estrangeiro.

E essa participação não induz qualquer relação de gestão, eis que inexistente, uma vez que tanto a empresa brasileira quanto as outras empresas são autônomas entre si, com sócios, administradores, quadro de empregados e governança próprios.

Ou seja, a Lei Mendes Júnior dá margem a duas situações: empregado contratado no Brasil e posteriormente transferido para empresa do exterior; ou empregado contratado diretamente por pessoa jurídica internacional, por intermédio de empresa nacional apenas pela determinação em lei.

Das controvérsias instauradas

Como demonstrado acima, dentre as situações dispostas na lei, as controversas pairam quanto à aplicação da norma - brasileira ou do país de prestação de serviços (lex loci executionis) - para os empregados contratados diretamente por pessoa jurídica internacional, por intermédio de empresa nacional apenas pela determinação em lei.

Isso porque, com o cancelamento da Súmula 207 do Tribunal Superior do Trabalho, a qual definia que nos casos de brasileiros contratados diretamente por empresa de outro país, por intermédio de empresa local, a legislação aplicável seria a do local de prestação de serviços, vigorou o entendimento de que o direito aplicável será o brasileiro, ou seja, as normas celetistas, sem necessidade de analisar o local da prestação de serviço e as leis trabalhistas de outros países.

Nesse sentido, a lei 7.064/82 possui enormes lacunas e se torna ineficaz para os casos concretos, principalmente quando se trata da análise de empregados que foram contratados por empresas estrangeiras ou por empresa nacional, entretanto, solicitaram a suspensão de seu pacto laboral para prestarem serviços a empresas de fora, mesmo que do mesmo grupo econômico.

No interregno da vigência do pacto como acima exposto, o empregado requer licença não remunerada para atendimento de seus objetivos particulares, resultando na suspensão total da relação de emprego e, por consequência, como pacífico em doutrina, na "sustação ampla e bilateral de efeitos do contrato empregatício, que preserva, porém, sua vigência".

Neste diapasão, trata-se do caso em que a licença sem remuneração por prazo indeterminado é pedida pelo empregado e concedida pela empregadora, eis que como em qualquer grande conglomerado, se articulam interna e externamente, estabelecendo uma teia de contatos e de relacionamentos, conhecida no mundo corporativo pelo termo networking.

Evidentemente, o fato de vigorarem simultaneamente contratos de trabalho com pessoas jurídicas distintas não resulta na extensão da responsabilidade de cada ajuste a todos os empregadores, uma vez que cada um deles goza de autonomia frente aos demais.

Logo, não cabe à empresa brasileira qualquer responsabilidade sobre os ajustes laborais que o empregado assuma com pessoas jurídicas diversas enquanto o pacto estiver suspenso, sendo ilegítima a formulação de responsabilidade solidária, sobre quaisquer direitos não cumpridos no decurso de pacto laboral do qual não teve qualquer participação direta ou indireta.

Deste modo, necessário analisar que as empresas envolvidas são pessoas jurídicas distintas, autônomas, com objetivos sociais específicos, que possuem composições societárias diferentes, não havendo qualquer ingerência de uma nas atividades da outra. Além disso, a participação de uma em outra empresa não induz qualquer relação de gestão, isto é, a simples participação societária na composição de outras pessoas jurídicas não se configura como elemento suficiente para caracterização de grupo econômico, conforme preceitua o artigo 2º, §3º da CLT.

Assim, salta aos olhos a análise de que o pactuado para prestação de serviços na empresa estrangeira não se enquadra nas hipóteses de transferência consignadas na lei 7.064/82, uma vez que se trata de hipótese em que o empregado não tinha contrato sendo executado no território brasileiro, não foi cedido à empresa estrangeira e, por fim, não foi contratado por empresa sediada no Brasil para trabalhar a seu serviço no exterior.

Portanto, são inaplicáveis ao acordo celebrado as previsões contidas no Capítulo II da Lei Mendes Júnior, visto que manifestamente destinadas aos trabalhadores transferidos.

Da devida aplicação da legislação

Esclarecida a diferenciação entre trabalhadores transferidos para o exterior (Capítulo II) e aqueles que foram contratados diretamente por empresa estrangeira para atuarem no exterior (Capítulo III), cumpre determinar-se qual a legislação aplicável e quais os direitos assegurados.

De forma indelével, o disposto no artigo 14 da Lei Mendes Júnior determina expressamente que a legislação aplicável à relação contratual estabelecida entre o trabalhador e a pessoa jurídica de outro país com a qual celebrou diretamente transação de trabalho é a legislação trabalhista do local onde prestou seus serviços.

Ademais, o dispositivo garante ao trabalhador contratado os direitos expressamente conferidos no Capítulo III da lei 7.064/82, isto é, o pagamento por parte da empresa das despesas de viagem de ida e volta do trabalhador ao exterior, incluídos os dependentes; a permanência no exterior por tempo não superior a três anos, salvo se garantido o direito de gozar férias anuais no Brasil, com despesas de viagem pagas pela contratante; e, por fim, a garantia de retorno definitivo do trabalhador quando da rescisão contratual ou por motivo de saúde.

Por todo o exposto, irrefutável que o negociado pelo obreiro com pessoa jurídica no exterior atende aos requisitos delineados no Capítulo III da lei 7.064/82, sendo pactuado e integralmente executado/rescindido no exterior, aplicando-se na hipótese o entendimento firmado pelo princípio da norma do local da prestação de serviços.

Destarte, o diploma legal em comento evidencia que o legislador pátrio determinou a adoção do Princípio da Territorialidade para os trabalhadores brasileiros contratados por empresa internacional autorizada pela Secretaria Especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia, exigindo a aplicação, em cada contrato, da legislação trabalhista do país onde o empregado prestou seus serviços e inegavelmente, afastando a incidência da legislação nacional neste tipo de relação contratual.

Ocorre que as empresas nacionais que atuam apenas como intermediárias nessa relação, vêm sofrendo muitos impactos trabalhistas, eis que muitos empregados firmam seu pacto para trabalhar para empregadora internacional e quando de seu retorno, buscam perante a Justiça do Trabalho a unicidade contratual sob a alegação de que há fraude no acordado, o que, indubitavelmente, não poderia ser reconhecido.

Isso porque, enquanto não forem sanadas as lacunas existentes na lei 7.064/82, modificada pela lei 11.962/09, não poderão os Tribunais entender pela aplicação da legislação mais benéfica aos empregados.

Dos artigos celetistas pertinentes

Nesse sentido, necessário o reconhecimento do exposto no artigo 444 da Consolidação das Leis do Trabalho, ao permitir a "livre estipulação das partes interessadas em tudo quanto não contravenha às disposições de proteção ao trabalho", facultando à empresa a concessão de licença não remunerada, pedida pelo empregado, para atendimento dos interesses do obreiro.

E ainda, o exposto no artigo 651 da Consolidação das Leis do Trabalho ao estabelecer que a competência será determinada pela localidade da prestação de serviços.

Por fim, nos termos do milenar ditado "a boa-fé se presume, a má-fé se prova", não se pode colocar em dúvida, sem qualquer elemento para tanto, a boa-fé dos atos jurídicos perfeitos que resultaram na suspensão do contrato de trabalho do empregado com sua empregadora nacional e ato seguinte, na celebração de novo pacto com a empregadora estrangeira ou ainda, contratação direta por empresa do exterior através de uma brasileira.

Em relação ao tema, tramita no Senado o PL 138/17, que em 25 de junho de 2019 foi aprovado pelo Plenário daquela Casa e seguiu para os trâmites de aprovação na Câmara dos Deputados.

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*Karen VieroYasmin Mano Cecílio são sócias de Chiarottino e Nicoletti - Advogados e especialistas em Direito do Trabalho.

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