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Aborto em menina de 10 anos de idade

A gestante ainda é considerada criança pelo Estatuto da Criança e do Adolescente e os médicos devem concluir se ela reúne as condições físicas mínimas para arcar com a sustentabilidade da maternidade.

domingo, 2 de fevereiro de 2020

Atualizado em 3 de fevereiro de 2020 07:04

Uma menina com 10 anos de idade, moradora na pequena cidade de Tarauacá, no interior do Acre, está grávida de cinco meses e foi levada pelo pai para fazer o abortamento. O representante legal, em conversa preliminar, autorizou, porém, três dias após conhecer detalhadamente o procedimento, retirou a aquiescência para a interrupção da gravidez.1

Trata-se de um caso de estupro de vulnerável. Consiste na prática de conjunção carnal ou outro ato libidinoso com menor de 14 anos ou contra pessoa que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência, conforme preconiza o tipo legal do artigo 217-A do Código Penal.

A palavra vulnerável começou recentemente a frequentar os textos legais. Fez-se presente na lei 11.340/06, conhecida como "Lei Maria da Penha", lei 11.343/06, conhecida como "Lei de Drogas" e do "Estatuto do Idoso", lei 10.741/03, dentre outras. A vulnerabilidade, num conceito mais apropriado ao Direito, vem a ser aquele estado que, em razão da idade e de algumas circunstâncias permanentes ou temporárias, a pessoa se vê impossibilitada de exercer os seus direitos em igualdades de condições com as demais. Necessita, portanto, de um cuidado especial do legislador para que possa se equiparar às demais pessoas e, a partir daí, sem qualquer tipo de assistencialismo ou ações paternalistas, possa desenvolver suas capacidades e competências.

Não se sabe até o presente, no caso acima relatado,  quem foi o responsável pela prática do crime de estupro, que está sendo perquirido pela autoridade policial no procedimento já instaurado para tanto. Por outro lado, a gestante ainda é considerada criança pelo Estatuto da Criança e do Adolescente e os médicos devem concluir se ela reúne as condições físicas mínimas para arcar com a sustentabilidade da maternidade, pois, ao que tudo indica, pela tenra idade,  há um sério risco de levar adiante a gravidez. 

O Código Penal reconhece e não pune estes dois tipos de aborto. O resultante de estupro é denominado humanitário ou sentimental, enquanto o que tem por finalidade de salvar a vida da gestante, necessário ou terapêutico. Em ambos os casos, não se exige a autorização judicial para a realização do ato cirúrgico, desde que haja o consentimento do seu representante legal, quando incapaz, no caso de aborto humanitário.

Assim, quando se tratar de aborto para salvar a vida da gestante, a decisão primeira deve ser a do profissional de saúde que a esteja assistindo, fazendo ver que não há outro recurso a não ser a prática do abortamento para preservar  sua vida. Nesse caso específico faz-se presente a excludente do estado de necessidade, pois a intenção é praticar todos os atos médicos necessários para preservar a vida da gestante que, no caso, pelo princípio da proporcionalidade, é o bem jurídico maior, em comparação com o nascituro. De nenhuma valia também a oposição da gestante ou do companheiro diante da decisão médica. Pode-se dizer que, em tal circunstância, a opção para a realização do aborto é exclusiva do médico.

A lei é bem clara e não deixa qualquer opção interpretativa quando elegeu o médico como o responsável pelo abortamento. Apenas inseriu no artigo a circunstância acautelatória "se não há outro meio para salvar a vida da gestante". A exclusividade da decisão cabe ao médico e não há necessidade de se buscar o consentimento com o genitor da menor grávida.

Quando se tratar, no entanto, de gravidez proveniente de estupro, referido como aborto sentimental, com maior razão a decisão pertence exclusivamente à mulher, ou ao seu representante, se incapaz, vez que nítido seu interesse na interrupção da gravidez porque o filho que vai nascer não é fruto de seu relacionamento e sim de uma relação sexual não consentida. A decisão da mulher, neste caso específico, abrange a do próprio consorte, além da proteção da prole.

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*Eudes Quintino de Oliveira Júnior é promotor de Justiça aposentado, mestre em direito público, pós-doutorado em ciências da saúde, reitor da Unorp e advogado.

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