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Complicações e custos inesperados gerados pela integração de aplicativos de terceiros com softwares de ERP

Bruna Luiza Gaspar

É de fundamental importância avaliar os termos assumidos na contratação de qualquer base tecnológica que se vincule ao respectivo ERP.

quarta-feira, 26 de fevereiro de 2020

Atualizado às 12:46

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A pluralidade de atividades necessárias ao funcionamento de uma empresa demanda organização e comprometimento no sincronismo das inúmeras tarefas internas, a fim de evitar desencontros de informações que podem resultar em perdas de toda sorte. Daí entram os avanços tecnológicos, harmonizados com a dinâmica desse cenário, para facilitar o controle administrativo empresarial por meio de softwares de planejamento centralizado.

Com essa visão, empreendedores desenvolveram o software Enterprise Resource Planning (ERP), no Brasil também chamado de software de gestão empresarial.

O ERP tem a função de racionalizar os diversos processos internos da empresa, sincronizar a informação entre os setores e permitir a atualização de dados em tempo real. Essa função é exercida em seus módulos, cada qual ajustado a departamentos específicos, que podem ser inclusive personalizados à realidade de dada empresa.

O controle de uso desse ERP geralmente se dá por um sistema de concessão de licenças. Em brevíssimas palavras, cada módulo dentro do sistema deve ser acessado por um usuário devidamente licenciado. As licenças são remuneradas por taxas, geralmente pagas anualmente pela empresa.

Apesar de certos players que lideram o mercado, a variedade desenfreada de aplicativos desenvolvidos hoje por terceiros em um mercado assinalado pela proliferação de startups de tecnologia, cria concorrência na cobertura de certas tarefas específicas do cotidiano da empresa, para as quais surgem produtos oferecidos por valores mais acessíveis.

Por conta da centralização que o ERP exerce sobre os dados da empresa, muitas vezes a execução das funcionalidades desses aplicativos de terceiros dependem da sua integração com a base de dados criada pelo ERP, da qual extraem conteúdo. Se determinado aplicativo de terceiros, a título de exemplo, propõe-se a facilitar a coleta remota de pedidos de compras, ele possivelmente acessará a base de dados do ERP para consultar informações acerca do estoque.

A fim de resguardar a propriedade intelectual do seu ERP, os desenvolvedores determinam contratualmente que o acesso ao software só pode ser realizado por usuário licenciado, seja a pessoa física do usuário, seja outro software que atua nessa função. O desrespeito a essa regra, que geralmente passa despercebido pelas empresas, pode lhe atrair cobranças expressivas calculadas em auditorias que são realizadas de tempos em tempos pelos desenvolvedores.

Até alguns anos atrás, quando identificavam o acesso ao ERP por softwares de terceiros, os desenvolvedores cobravam da empresa uma licença específica relativa a tal acesso, como se o software usuário o fosse.

Alguns desenvolvedores, recentemente, modificaram seus termos gerais de uso para incluir a chamada licença de acesso indireto, que permite o acesso de aplicativo de terceiros, e até mesmo de máquinas, sensores, chips e dispositivos, ao ERP.

Em suma, o acesso indireto, também conhecido como Digital Access, não mais passaria a gerar cobrança de licença adicional, como se um usuário estivesse acessando o ERP, mas sim um valor específico por cada documento gerado por esse acesso. Esses documentos gerados são classificados contratualmente com base no seu conteúdo, como por exemplo documentos financeiros, documentos de vendas, etc.

No exemplo evocado anteriormente, todo o acesso que o aplicativo de terceiros realizaria na base de dados do ERP, e que geraria um documento de estoque, resultaria na cobrança de taxa individualizada por documento.

Toda essa celeuma tem sido alvo de relevantes discussões jurídicas, no Brasil e/ou no exterior, seja em cortes judiciais ou em tribunais arbitrais, que questionam a legalidade da cobrança feita pelos desenvolvedores por conta do acesso de aplicativo de terceiros à base de dados criada dentro da empresa. Propriedade intelectual, direito autoral, concorrência desleal, livre mercado e autonomia privada, são apenas alguns dos institutos jurídicos provocados nessas discussões.

A fim de mostrar o peso dessas discussões, é possível citar o caso SAP UK Ltd versus Diageo Great Britain Ltd, submetida em 2017 à Alta Corte de Justiça da Inglaterra, na qual a SAP cobrava da Diageo aproximadamente £54m de taxas de Digital Access. Além dessa discussão, em 2018 foi iniciada disputa arbitral perante a American Arbitrarion Association, instituto de arbitragem nos Estados Unidos, entre a Anheuser-Busch (AB) InBev e SAP America Inc, que encerrou com acordo entre as partes de aproximadamente US$ 600m.

Diante de controvérsias existentes, internacional e nacionalmente, e de evoluções tecnológicas dos softwares utilizados no dia-a-dia de cada empresa, é de fundamental importância avaliar os termos assumidos na contratação de qualquer base tecnológica que se vincule ao respectivo ERP, independente do desenvolvedor.

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*Bruna Luiza Gaspar é advogada especialista em assessoria jurídica na área do Direito Digital, do escritório Martinelli Advogados.

 

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