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O controle de constitucionalidade realizado por órgãos não jurisdicionais

O presente artigo tem por objetivo esclarecer o tema controle de constitucionalidade e sua possibilidade de ser realizado ou não em órgãos não jurisdicionais. Por meio de pesquisas bibliográficas e em artigos de juristas, construiu-se a visão apresentada no decorrer do texto.

quarta-feira, 11 de março de 2020

Atualizado às 09:30

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1. Introdução

Intenciona-se aqui a abordagem quanto a possibilidade ou não da utilização das espécies de controle de constitucionalidade por intermédio dos órgãos não jurisdicionais. Abordando conceitos e explicações quanto ao instituto de direito processual constitucional possuidor de inúmeros desdobramentos como também diversas considerações na doutrina e na jurisprudência. Criado com intuito de garantir a supremacia da constituição o controle de constitucionalidade protege o ordenamento jurídico de uma possível instabilidade causada por normas infraconstitucionais.

2. O controle de constitucionalidade realizado por órgãos não jurisdicionais

2.1. Controle de Constitucionalidade

Tem-se no ordenamento jurídico brasileiro o controle de constitucionalidade como uma maneira de resguardar a supremacia dos direitos e garantias fundamentais afim de garantir a segurança jurídica e também estabelecer as obrigações e os limites que circundam os três poderes do Estado Federativo. O controle de constitucionalidade, na visão de Uadi Lammêgo Bulos (2018, p.186), funciona como o instrumento protetor da supremacia constitucional de forma a averiguar a compatibilidade de atos executivos, jurisdicionais e legislativos com a Magna Carta.

"Enquanto a inconstitucionalidade é a doença que contamina o comportamento desconforme à constituição, o controle é o remédio que visa restabelecer o estado de higidez constitucional." (BULOS; 2018, p. 186)

Em outras palavras, Bulos afirma a garantia da característica de rigidez presente na Constituição Federal de 1988 por intermédio do controle de constitucionalidade, característica essa que possibilita a alteração do texto constitucional somente por intermédio do artigo 60, CF/88, ou seja, pelo procedimento de criação de emendas constitucionais.

Luiz Guilherme Marinoni (2018, p. 996) traz o objeto do controle de constitucionalidade como sendo qualquer lei ou ato normativo originário do poder público que vá de encontro à Constituição Federal ou às Constituições Estaduais. Dessa forma, essas leis ou atos normativos poderão ser declaradas inconstitucionais por um controle preventivo ou um controle repressivo.

Bulos (2018, p. 192) apresenta a diferenciação entre as duas espécies fiscalizatórias atrelada ao momento que ocorrerá a controle de constitucionalidade: a primeira delas é conhecida como controle preventivo, ocorrendo aos perdurante todo o procedimento de criação da lei, ou seja, desde a apresentação do projeto de lei os Poderes Legislativo e Executivo exercem essa modalidade de controle de constitucionalidade expresso nos artigos 61 e seguintes da CF/88; já a segunda espécie de controle de constitucionalidade em relação ao momento de aplicação consiste no chamado controle repressivo, esse realizado em regra pelo Poder Judiciário, tem por objetivo "reprimir a inconstitucionalidade após a promulgação da lei", ou seja, após a criação da lei peno Congresso Nacional e a promulgação pelo Presidente da República, o Poder Judiciário torna-se competente para analisar se esta lei específica se enquadra nos requisitos estabelecidos pela Constituição Federal (ou Estadual) quanto a sua formalidade e matéria.

"(...) É verdade que controle preventivo, visto como fase de processo legislativo, confunde-se com o controle político. Porém, a questão é saber se é possível falar em controle jurisdicional preventivo. (...) Contudo é importante perceber que, neste caso, não há controle preventivo de constitucionalidade. O que existe é controle judicial repressivo, mediante mandado de segurança. A norma constitucional que veda a apresentação da emenda, por exemplo, impede o andamento do processo legislativo. Há inconstitucionalidade muito antes de se achar à deliberação; o processo é, por si, inconstitucional. (...)" (MARINONI; 2018, pp. 999 até 1001)

Bulos (2018, p. 190) ainda apresenta outra espécie de controle de constitucionalidade com relação aos órgãos fiscalizadores, essa categoria demonstra que cada lugar aplica a espécie necessária para a preservação constitucional do país. São três as formas de controle de constitucionalidade relacionado aos órgãos: o controle político, o controle jurisdicional e o controle misto.

O controle político, como expresso em citação de Marinoni supra apresentada, está intimamente ligada ao controle preventivo, o autor ainda afirma (2018, pp. 990 até 996) que essa estrutura teve origem no direito francês ao passo que os franceses em decorrência de sua história possuem uma íntima desconfiança quanto ao Poder Judiciário para ser o "guardião da Constituição", criando assim um Conselho Constitucional composto por membros indicados por diferentes poderes governamentais e que não está atrelado ao nem parlamento muito menos ao judiciário:

"Não obstante, a função desempenhada pelo Conselho Constitucional é baseada em critérios unicamente jurídicos, preservando-se a competência do parlamento para apreciar a conveniência e a oportunidade da lei. Difere, neste aspecto, da mesma maneira como os órgãos compostos por membros de partidos políticos manipulam os instrumentos de controle de constitucionalidade - no Brasil, o veto e os pareceres das Comissões de Constituição e Justiça do Poder Legislativo - durante o processo de elaboração das leis". (MARINONI; 2018, p. 993)

Bulos (2018, p. 191), evidencia o controle político como "não pertencente ao Poder Judiciário", afirmando que em grande maioria das vezes é realizado pelos Poderes Executivo e Legislativo sendo eles responsáveis pela análise política da lei sem entrar no mérito jurídico, entretanto levantam-se críticas quanto ao referido controle que estão atreladas ao fato de que a criação de leis está sujeita a um juízo de conveniência do legislativo e do executivo, além do fato que toda a tomada de decisões envolvendo a criação das normas possui cunho de parcialidade, prejudicando a integridade das decisões.

O controle de constitucionalidade jurisdicional é realizado pelo Poder Judiciário, assim, juízes e tribunais exercem a jurisdição constitucional a eles reservada analisando se leis e atos normativos estão ao encontro da Magna Carta e também preservando o a limitação dos poderes exercidos pelos Poderes Legislativo e Executivo (BULOS, 2018, p. 191). Nessa vertente, Marinoni (2018, pp. 1001 e 1002), destaca dois novos desdobramentos do controle jurisdicional, sendo eles o controle de constitucionalidade jurisdicional concreto ou difuso e o controle abstrato ou concentrado. No controle difuso de constitucionalidade a questão relacionada com a inconstitucionalidade da lei ou ato normativo está atrelada ao direito subjetivo ou interesse legítimo da parte que ingressa com ação, ou seja, o processo não existe para discutir a constitucionalidade geral de determinada norma, mas sim para discutir se a aplicação de norma certa é constitucional em um caso específico, sendo sua decisão aplicável somente às partes e podendo realizar essa modalidade de controle qualquer juiz revestido de sua jurisdição. No caso do controle concentrado, analisa-se a norma em si aparte de qualquer situação concreta ocorrida que necessita sua aplicação, procura-se nessa hipótese averiguar em processo autônomo a constitucionalidade efetiva da norma em si, esse controle específico somente pode ser realizado pelo Supremo Tribunal Federal ou pelos Tribunais de Justiça dos Estados e será instaurado somente pelos legitimados para a propositura de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade, uma Ação Declaratória de Constitucionalidade e uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, presentes nos artigos 103 da CF/88 e 2º da lei 9.882/99.

"Os Tribunais devem, portanto, partir do princípio de que o legislativo busca positivar uma norma constitucional. Há muito vale-se o STF da interpretação conforme à Constituição, passando a ser utilizada também no âmbito do controle abstrato de normas." (MEIRELLES; WALD; MENDES; 2009, p.534)

O controle misto por sua vez é o conjunto das duas modalidades de controle apresentadas anteriormente, ou seja, algumas questões estão sujeitas a apreciação do poder judiciário e outras dos poderes legislativo e executivo. Foi a espécie de controle escolhido para aplicação no Brasil de forma a integrar os sistemas preventivo e repressivo a um só governo (BULOS; 2018, p. 192).

2.2. Controle de Constitucionalidade por Órgãos não Jurisdicionais

De acordo com Gilmar Mendes (2018) a instituição de um complexo sistema de controle de constitucionalidade por meio da Constituição Federal de 1988 acarreta em muito trabalho para a criação de doutrinas e jurisprudências em prol da solução dos conflitos que envolvem a coexistência dos controles difuso e concentrado. O fato de os atos do poder público - em destaque as leis e os atos normativos - necessitarem de um controle de constitucionalidade afirma a supremacia da Magna Carta. A partir desse ponto surgem as abordagens quanto ao controle de constitucionalidade por órgãos não jurisdicionais.

Como se diz, jurisdição é o "poder de dizer o direito" e no que respeita o controle repressivo de constitucionalidade, dentre outras questões, está enraizado ao Poder Judiciário. Dessa forma, questiona-se se um órgão que não possui jurisdição dizer quanto a aplicação ou não de uma lei ou ato normativo. Órgãos como o Tribunal de Contas da União - e os tribunais estaduais por simetria -, o Conselho Nacional de Justiça ou o Conselho Nacional do Ministério Público possuem ou não o direito de escolher quanto a aplicação de determinado ato do Poder Público que entendem inconstitucional. Embora seja questão há tempos debatida, ainda levanta muitas controvérsias e divisão de opinião (MENDES; 2018).

Sabe-se da súmula 347 do Supremo Tribunal Federal que expressamente diz, "O Tribunal de Contas, no exercício de suas atribuições, pode apreciar a constitucionalidade das leis e dos atos do Poder Público", criada em 1963 em época e constituição diferente da que hoje nos encontramos, foi necessária reanálise da súmula ao ser levada a questão por intermédio de mandado de segurança para o STF.

Diante de inúmeros julgados do STF, ora decidindo pela cassação da decisão dos órgãos sem jurisdição, ora decidindo pela permanência da decisão proferida por eles, viu- se necessária a unificação de decisões de forma a alterar a interpretação da referida súmula 347. Gilmar Mendes em julgamento do Mandado de Segurança 29.123- MC/DF, abordando caso de decisão proferida pelo TCU, trouxe palavras quase que intuitivas em detrimento ao caso:

"Parece quase intuitivo que, ao ampliar, de forma significativa, o círculo de entes e órgãos legitimados a provocar o Supremo Tribunal Federal, no processo de controle abstrato de normas, acabou o constituinte por restringir, de maneira radical, a amplitude do controle difuso de constitucionalidade. A amplitude do direito de propositura faz com que até mesmo pleitos tipicamente individuais sejam submetidos ao Supremo Tribunal Federal mediante ação direta de inconstitucionalidade. Assim, o processo de controle abstrato de normas cumpre entre nós uma dupla função: atua tanto como instrumento de defesa da ordem objetiva, quanto como instrumento de defesa de posições subjetivas. Assim, a própria evolução do sistema de controle de constitucionalidade no Brasil, verificada desde então, está a demonstrar a necessidade de se reavaliar a subsistência da Súmula 347 em face da ordem constitucional instaurada com a Constituição de 1988". (MS 29.123-MC/DF, rel. Min. Gilmar Mendes, DJe de 8-9-2010)

Entretanto somente em 2016 a Corte Superior decidiu a respeito do caso, a ministra Carmen Lúcia - então relatora do caso - permitiu que órgãos não jurisdicionais reconhecesse a inconstitucionalidade de leis e atos normativos em situações específicas, entendendo que o fato de escolher a respeito da não aplicação de uma norma por entendê- la ser inconstitucional é diferente de declará-la inconstitucional, como aponta Pedro Canário (2018).

Foi com relação ao Conselho Nacional de Justiça, no julgamento do Mandado de Segurança 26.739/DF que o Supremo Tribunal Federal decidiu, em 2016, a possibilidade do CNJ afastar a aplicação de lei ou ato normativo específico considerado inconstitucional quando preexistir jurisprudência pacífica do STF que dê veemência à essa inconstitucionalidade. Ressalva Gilmar Mendes (2018) que essa decisão não possibilita que órgão não jurisdicional apliquem o controle difuso de constitucionalidade, ao contrário disso, somente possibilitam que o órgão afaste a aplicação de norma que aborda assunto já entendido pelo STF como inconstitucional por meio de súmula ou jurisprudência.

Com as devidas vênias aos entendimentos jurisprudenciais destacados, pensamos que, tanto em relação ao controle de constitucionalidade exercido pelo TCU quanto pelo CNJ, cabe fazer um distinguishing das situações enfrentadas. Não parece desarrazoado entender pela possibilidade de essas entidades negarem aplicação a determinada lei no caso concreto, quando já houver entendimento pacificado do STF acerca da inconstitucionalidade chapada, notória ou evidente, da solução normativa em questão em questão. (MENDES; 2018)

Quanto ao Conselho Nacional do Ministério Público possui resolução editada em março de 2017 que lhe autoriza a não aplicação de leis que considerar inconstitucionais, mencionando como precedentes a supracitada decisão da ministra Carmen Lúcia de 2016 e o julgamento do mandado de segurança que possibilita que o CNJ averigue a aplicação e legalidade dos atos administrativos do Poder Judiciário, como demonstra Paulo Canário (2018).

Dito de outro modo, se ao Supremo Tribunal Federal compete, precipuamente, a guarda da Constituição Federal, é certo que a sua interpretação do texto constitucional deve ser acompanhada pelos demais entes federativos, em decorrência do efeito definitivo absoluto outorgado à sua decisão. Igualmente, tal interpretação deve ser entendida pelos órgãos da administração pública como indicativa do sentido normativo-constitucional, no caso de se tratar de jurisprudência firmada sem eficácia erga omnes e efeito vinculante. (MENDES; 2018)

Gilmar Mendes (2018) finda amarrando a relação da abordada limitação dos legitimados com a plenitude nas decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal que de forma ampla exerce o controle de constitucionalidade proferindo decisões abraçadas por indispensável força que vinculam todos os órgãos tanto do poder judiciário quanto da administração pública, não podendo assim negar-lhe conhecimento e obediência ao vínculo.

3. Conclusão

Ainda muito polêmico, a possibilidade de aplicação do controle repressivo de constitucionalidade já foi afastada dos órgãos não jurisdicionais, uma vez que ao não estarem revestidos de jurisdição não possuem competência para dizer o direito. Entretanto o atual entendimento do Supremo Tribunal Federal é o de que órgãos como o Conselho Nacional de Justiça, o Conselho Nacional do Ministério Público e o Tribunal de Contas da União possuem a competência de decidirem quanto o afastamento da aplicação da norma uma vez que sua matéria já tenha sido considerada inconstitucional por meio de súmula ou jurisprudência consolidada da Suprema Corte. Essa decisão do STF está embasada em questões atreladas ao requisito da jurisdição acima mencionado e também na estrutura do sistema de controle de constitucionalidade previsto na Constituição Federal de 1988, e tem por objetivo resguardar a magna carta de diferentes formas de inconstitucionalidade possivelmente presentes no ordenamento jurídico brasileiro e na administração pública.

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BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de direito constitucional / Uadi Lammêgo Bulos. - 11. ed. - São Paulo: Saraiva Educação, 2018.

CANÁRIO, Paulo. CNJ pode deixar de aplicar leis que considere inconstitucionais, decide STF. Consultor Jurídico, 10 de janeiro de   2018.   Localizado em: Clique aqui Acesso em: 16 de outubro de 2019.

MEIRELLES, Hely Lopes; WALD, Arnoldo; MENDES, Gilmar Ferreira. Mandado de segurança e ações constitucionais. - 33. ed. - São Paulo: Malheiros, 2009.

MENDES, Gilmar Ferreira. Controle de constitucionalidade por órgãos não jurisdicionais: o caso do TCU e do CNJ. Consulto Jurídico, 6 de outubro de 2018. Localizado em: Clique aqui. Acesso em: 16 de outubro de 2019.

STARLET, Ingo Wolfgang. Curso de direito constitucional / Ingo Wolfgang Starlet, Luiz Guilherme Marinoni e Daniel Mitidiero. - 7. ed. - São Paulo: Saraiva Educação, 2018.

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*Rafaela Vieira Leme é advogada nas áreas cíveis, família, contratos e consumidor.

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