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Estado de emergência e sentimento de descontrole social

Os casos de coronavírus não podem ser utilizados com o intuito de driblar a própria Administração

segunda-feira, 23 de março de 2020

Atualizado às 11:20

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No início deste mês (2/3), o Ministério da Saúde alterou a atuação de notificação dos casos de coronavírus. O que, até então, ficava a cargo do Ministério em contabilizar os casos confirmados da doença, passou-se a reconhecer a possibilidade e necessidade de as secretarias estaduais e municipais de saúde começarem a realizar a contabilização de casos confirmados e suspeitos para posterior repassagem à entidade Federal. O resultado é notável.

Pouco mais de duas semanas após tais mudanças, o número de pessoas infectadas pelo vírus subiu de forma tão intensa que criou um estado de alarmismo em toda a sociedade. Tanto que diversos estados e municípios da federação vêm decretando estado de emergência. Isso após o pronunciamento (30/01) do diretor-geral da Organização Mundial da Saúde, Tedros Adhanom Ghebreyesus, em reconhecer o surto da doença como emergência de saúde pública de interesse nacional. O próprio governo federal enviou no dia 18/03 ao Congresso Nacional um pedido de reconhecimento de estado de calamidade pública no Brasil.

Dentre as medidas adotas pelos estados está o repasse de verbas aos seus respectivos municípios. A Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (ALERJ) aprovou  na tarde do dia 18/03 o repasse de R$ 100 milhões à Secretaria Estadual de Saúde para auxiliar o enfrentamento do coronavírus nos 92 municípios fluminenses. Do valor total destinado, R$ 1 milhão será posteriormente repassado a cada um dos municípios do estado. Fechamento de ruas e parques municipais, proibição de passageiros em pé em ônibus e outros meios de transportes coletivos, orientações para que recursos de multas administrativas sejam feitas online, limitação do número de lotação em bares e restaurantes são exemplos das medidas que vêm sendo tomadas pelos governos municipais. Até mesmo alterações normativas têm ocorrido às pressas.

Uma delas foi a aprovação do projeto de lei complementar (PLP 232/19) apresentado no dia 08 de outubro do ano passado na Câmara dos Deputados. O Projeto passou a tramitar em regime de urgência dentro Congresso Nacional. Apesar da longa data de apresentação, a decretação de um regime especial de tramitação se justifica pela atual situação. Dispõe o Projeto sobre a transposição e a transferência de saldos financeiros, provenientes de repasses federais, nos Fundos de Saúde dos Estado, do Distrito Federal e dos Municípios. Uma medida que possibilitaria o repasse de modo mais célere, garantindo uma atuação mais eficiente da máquina estatal.

Essa não representa a única alteração normativa. Foi aprovado pelo plenário da Câmara o PL 668/20, que proíbe as exportações de produtos médicos, hospitalares e de higiene essenciais ao combate do coronavírus. A demanda por produtos básicos de contenção da pandemia aumentou de forma tão drástica no cenário internacional que a produção e exportação destes insumos pelas indústrias brasileiras teve de ser correspondente. A venda era vista com bons olhos, até a confirmação de milhares de casos em território nacional.

Houve ainda a aprovação de outro projeto pela câmara dos deputados (PDL 87/20) na semana do dia 20, que susta por noventa dias os efeitos do artigo 2º da resolução da diretoria colegiada - RDC 46 da Anvisa, bem como de todos os demais atos normativos infralegais derivados do referido dispositivo da resolução, por igual período. O Projeto foi elaborado como forma de atender ao clamor de supermercados, os quais solicitavam formas de ampliar o acesso ao álcool líquido em maiores quantidades. Até então, essa é a justificativa presente no referido Projeto. Embora se refira unicamente ao álcool líquido, ficará suspenso todo o artigo 2º, o qual envolve a forma líquida e em gel do insumo.

Diversas medidas de contenção e combate do coronavírus têm sido tomadas. Todas com a mesma justificativa e objetivo. Não se pode olvidar, contudo, que muitas delas abrem brechas a atuações irresponsáveis, imorais e até mesmo contrárias ao interesse público. É pouco plausível que a propagação do coronavírus seja o suficiente para se decretar a proibição da entrada de novos hóspedes em hotéis ou que shoppings e academias fechem as portas - como ocorreu no governo de São Paulo.

O estabelecimento do estado de necessidade e calamidade pública justifica, ainda, que contratações temporárias possam ser feitas sem concurso público ou que se compre de maneira emergencial sem licitação. Estas são medidas como Janus, apresentam duas faces. Possibilitam uma atuação mais dinâmica da Administração Pública por um lado, mas dão margem a atos disfuncionais por outro.

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*Frederico Augusto Auad é bacharel em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (IFCS-UFRJ), graduando em Direito pela mesma instituição (FND-UFRJ), pesquisador do Laboratório de Estudos Institucionais (LETACI) e estagiário do Laboratório de Regulação Econômica (UERJ Reg).

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