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Reestruturação de empresas diante da crise do COVID-19

Preservar a atividade empresarial, tanto quanto possível, neste momento de crise, deve ser o foco principal dos operadores do direito e dos empresários. Isso porque, sem empresas não há emprego e a sociedade como um todo entra em colapso.

quinta-feira, 26 de março de 2020

Atualizado às 10:11

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É notório que o mundo encontra-se em estado de alerta em razão do surto viral do COVID-19 (coronavírus), vírus de alto grau de transmissibilidade que, apenas neste início de ano, já causou a morte de milhares de pessoas ao redor de todo o mundo e já foi reconhecido pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como pandemia.

Recentemente, foram confirmados os primeiros casos de coronavírus no Brasil, tendo o vírus se espalhado rapidamente pelo país, acarretando, por conseguinte, medidas governamentais de isolamento social.

Tais medidas, como é notório, impactam sobremaneira a economia dos países em desenvolvimento e agravam a crise financeira das empresas brasileiras, notadamente nas áreas da indústria, comércio e turismo.

A manifesta crise econômica além de acarretar o descumprimento de obrigações contratuais em virtude da ausência de liquidez no fluxo de caixa das empresas, pode cominar na necessidade de reestruturação dos ativos e passivos das sociedades em crise.

Tenha-se presente o caso da companhia aérea inglesa, Flybe, que, pelos impactos do COVID-19, encerrou suas operações no dia 05/03/2020. É certo que a empresa já vinha passando por dificuldades nos últimos anos, mas a rápida disseminação do coronavírus foi a gota d'água para que a empresa decretasse falência.

Nesse contexto, vale notar que o ordenamento jurídico brasileiro permite que as empresas, viáveis economicamente, possam recorrer aos institutos da recuperação judicial ou extrajudicial com o escopo de ultrapassar esse momento de crise pandêmica com a renegociação de seus débitos.

Preservar a atividade empresarial, tanto quanto possível, neste momento de crise, deve ser o foco principal dos operadores do direito e dos empresários. Isso porque, sem empresas não há emprego e a sociedade como um todo entra em colapso.

Do ponto de vista jurídico, não há dúvida que a situação de paralisação completa das atividades empresariais acarretará inúmeros inadimplementos contratuais individuais e coletivos, comerciais e financeiros.

De início há ações individuais para negociação, revisão ou, ao fim e ao cabo, rescisão de contratos por força maior.

Vale notar que as ações coletivas de insolvência (recuperações judiciais, extrajudiciais e falências) podem servir como uma ferramenta útil ao empresário em crise.

Assim, apenas para exemplificar alguns dos principais instrumentos utilizados pelas empresas em crise, destacamos os seguintes:

  1. Mediação para a revisão de alguns contratos de forma que as partes possam estabelecer condições de prazo e descontos para manter a relação comercial;
  2. Caso não seja possível uma negociação consensual, há a possibilidade se ajuizar uma demanda requerendo a revisão contratual. Isso porque, os artigos 3171 e 4782, ambos do Código Civil, autorizam um dos contratantes a pleitear a modificação de cláusulas contratuais quando da ocorrência de fatos supervenientes, imprevisíveis e extraordinários, como os ocasionados pelo COVID-19;
  3. Outra alternativa é o requerimento de recuperação extrajudicial ou judicial, juntando os documentos necessários da lei 11.101/05. Neste caso, o juízo competente, caso preenchidos os requisitos necessários, concederá o "stay period" (180 dias) previsto na legislação de insolvência;
  4. Outro remédio amargo é o pedido de falência requerido pelo próprio empresário.

Fato é que se os próprios órgãos de saúde mundiais decretaram um "stay period" global, nada mais justo que as empresas em crise possam se utilizar de mecanismos de suspensão automática de obrigações de forma a garantir o soerguimento da empresa e manutenção da sua atividade empresarial.

Vale notar que a agilidade na detecção do estado de crise e a imediata busca por soluções jurídicas são essenciais para o sucesso de eventual reestruturação de dívidas, evitando-se, assim, o estado falimentar da empresa.

Impõe-se destacar, ainda, que o nosso Poder Judiciário já está atento às demandas advindas desta crise mundial. A exemplo disso, temos a recentíssima decisão proferida pela 1ª Vara de Falências de São Paulo, nos autos da Recuperação Judicial da Rede Nasa, cuja assembleia de credores foi suspensa por um período de 30 dias.

A referida decisão, proferida pelo Juiz de Direito Tiago Henriques Papaterra Limongi, além de suspender a assembleia de credores, prorrogou por igual período o "stay period", afirmando ser medida inevitável diante da situação de emergência que vive o mundo.

Em suma, é relevante estarmos atentos à crise econômica como efeito da pandemia do COVID-19, bem como trabalharmos com as inúmeras alternativas legais para a superação dessa crise pandêmica com a finalidade maior de manutenção das atividades empresariais.

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1 Art. 317. Quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção manifesta entre o valor da prestação devida e o do momento de sua execução, poderá o juiz corrigi-lo, a pedido da parte, de modo que assegure, quanto possível, o valor real da prestação.

2 Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação.

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t*Ana Carolina Reis do Valle Monteiro é advogada do escritório Kincaid | Mendes Vianna Advogados Associados. Possui prática e experiência em Direito Marítimo,  Contencioso, Arbitragem e Insolvência, é membro da Ordem dos Advogados do Brasil - Rio de Janeiro (OAB/RJ), membro da Comissão de Recuperacoes Judiciais, Extrajudiciais e Falência da OAB/RJ, membro da International Association of Restructuring, Insolvency & Bankruptcy Professionals (INSOL), membro da Turnaround Management Association do Brasil (TMA Brasil), membro do Comitê Brasileiro de Arbitragem (CBAr) e membro da Women's International Shipping & Trading Association Do Brasil (WISTA BRASIL).

t*Daniela Santos Viana é advogada do escritório Kincaid | Mendes Vianna Advogados Associados. Possui prática e experiência em Direito Marítimo, Contencioso, Direito do Consumidor e Insolvência, é membro da Ordem dos Advogados do Brasil - Rio de Janeiro (OAB/RJ). 

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