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MP 936/20 e as Relações de trabalho

Para enfrentamento da calamidade pública, o governo federal editou duas medidas provisórias com a finalidade de fomentar a preservação do emprego e da renda, são elas a medida provisória 927/20 e a MP 936/20

segunda-feira, 6 de abril de 2020

Atualizado às 15:21

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Introdução

O governo federal, por meio do decreto legislativo 6, de 20.03.20, reconheceu o estado de calamidade pública, como reflexo da emergência de saúde de importância internacional decorrente do Covid-19.

Para enfrentamento da calamidade pública, o governo federal editou duas medidas provisórias com a finalidade de fomentar a preservação do emprego e da renda, são elas a medida provisória 927/20 e a MP 936/20.

O objeto do presente estudo, é exclusivamente a MP 936/20.

Por tal medida fica instituído o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda, dispondo sobre medidas trabalhistas complementares (às da MP 927/20) para enfrentamento da calamidade pública.

O programa emergencial tem por medidas:

1)  Pagamento de Benefício Emergencial de Preservação do emprego e da Renda;

2)  Redução proporcional de jornada de trabalho e salários;

3)  Suspensão temporária do contrato de trabalho.

Importante notar que tal programa não se aplica no âmbito público, ou seja, não é destinado a contratos de trabalho envolvendo a União, Estados, Distrito Federal, municípios, organismos internacionais e administração pública direta e indireta como um todo.

Benefício emergencial

O benefício emergencial é uma contrapartida estatal para fomentar a manutenção de emprego e renda, de modo que será pago nas hipóteses já vistas de:

  • Redução proporcional de jornada de trabalho e de salário
  • Suspensão temporária do contrato de trabalho.

Trata-se de benefício custeado com Recursos da União e será pago mensalmente a partir do início da redução de jornada e de salário ou da suspensão temporária do contrato de trabalho. Será devido enquanto perdurar a situação de redução ou suspensão contratual.

Para o empregado fazer jus ao benefício o empregador deverá informar ao Ministério da Economia em 10 dias contados da celebração do acordo firmado para redução salarial ou suspensão contratual. Nestes casos, o benefício será assumido pelo governo federal desde a data do ajuste para redução salarial ou suspensão contratual, sendo o primeiro pagamento em 30 dias da data do acordo.

Caso seja descumprido o prazo de comunicação (10 dias), o empregador permanecerá responsável por pagar a remuneração do empregado na íntegra (ou seja, sem redução ou sustação), inclusive todos os encargos sociais até que a informação seja efetivamente prestada ao Ministério da Economia. Nestes casos, somente a partir da data da comunicação é que o governo assumirá a responsabilidade pelo benefício, cujo pagamento da primeira parcela se dará em 30 dias da comunicação.

A forma de transmissão destas informações, operacionalização e pagamento do benefício serão disciplinados por ato do Ministério da Economia.

O benefício tem por base de cálculo os valores do seguro-desemprego a que o empregado teria direito, nos seguintes moldes:

  • Redução de jornada e de salário: equivalente ao percentual da redução;
  • Suspensão do contrato: 

100% do valor correspondente ao seguro desemprego que o empregado teria direito, para empresas com receita bruta em 2019 inferior a R$ 4.800.000,00;

70% do valor correspondente ao seguro desemprego que o empregado teria direito, para empresas com receita bruta em 2019 superior a R$ 4.800.000,00 (nestes casos o empregador deverá pagar ajuda compensatória mensal equivalente a 30% do salário do empregado, com natureza indenizatória).

Não fazem jus ao benefício:

  • Empregados que ocupem cargo ou emprego público efetivo ou de livre nomeação, inclusive mandatos eletivos;
  • Em gozo de benefício previdenciário de prestação continuada, tais como: aposentadoria, auxílio doença, etc.
  • Em gozo de seguro-desemprego;
  • Recebendo bolsa de qualificação profissional decorrente de lay off.

Com relação aos empregados que possuem mais de um vínculo de emprego, deve-se observar:

  • Contratos formais em geral: recebimento cumulativo do Benefício Emergencial para cada vínculo que tiver redução salarial ou suspensão;
  • Empregados intermitentes: apenas um único benefício emergencial no valor mensal de R$ 600,00, por três meses, independentemente de quantos vínculos intermitentes mantenha. A norma veda que o trabalhador que possua mais de um contrato intermitente receba mais de um benefício emergencial.

Interessante notar que a norma não é clara quanto à cumulação de benefícios nas hipóteses de empregados que simultaneamente possuam emprego formal regular e contrato intermitente. No nosso entender, a norma não veda a cumulação do benefício neste caso.

Ainda nesta toada, entendemos que o § 5º, do art. 18 da MP 936/20, veda a cumulação do Benefício Emergencial dos intermitentes com outros auxílios emergenciais dispostos em leis esparsas. Logo, tal dispositivo, não nos parece vedar a cumulação de benefícios de um contrato intermitente com outro contrato regular (não intermitente).

Por fim, registre-se que se o empregado vier a ser dispensado, mesmo que tenha recebido o Benefício Emergencial, fará jus ao seguro-desemprego, nos valores usuais, desde que preencha os requisitos da lei 7.998/90.

Redução proporcional de jornada de trabalho e salário

O salário goza de irredutibilidade, consoante art. 7º, VI, da Constituição Federal, garantia esta que almeja garantir segurança econômica aos trabalhadores como alicerce à dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CF) e a valorização do trabalho (arts. 1º, IV, e 170 da CF).

Excepcionalmente, a própria Constituição Federal prevê a possibilidade de redução salarial, desde que pactuada por meio de negociação coletiva (Acordo Coletivo de Trabalho ou Convenção Coletiva de Trabalho - art. 7º, VI).

Assim, primeiro ponto que se levanta acerca da MP 936/20 neste aspecto é a sua constitucionalidade, já que permite redução por meio de acordo individual escrito, o que contrasta com o preceito constitucional que exige negociação coletiva.

Temos que, a despeito de respeitosos argumentos em sentido contrário lastreados na excepcionalidade do contexto social e na limitabilidade dos direitos fundamentais, tal redução por acordo individual encontra óbice em preceito constitucional expresso, de caráter fundamental e que não comporta mitigações ao sabor das circunstâncias.

O texto constitucional é de clareza solar, de aplicação imediata e eficácia plena1, não cabendo a norma infraconstitucional alterar seu teor e alcance. Entendimento diverso abre margem perigosa para que se autorize, ao sabor das oportunidades, o desrespeito a todos os direitos fundamentais dos arts. 5º, 6º e 7º da Constituição Federal.

Garantias fundamentais existem, justamente, para proteção dos cidadãos em momentos de crise.

Pontue-se, por oportuno, que diversamente do que se possa afirmar, não há assunção integral pelo Governo Federal da parcela reduzida/suprimida dos salários (o que poderia ilidir, ao menos em tese, a inconstitucionalidade).

Com efeito, em se tratando de benefício calculado sobre as bases do seguro-desemprego, resta evidente que sempre haverá perdas salariais, porquanto aplicar-se-á fator redutor, como indica o art. 5º da lei 7.998/90.

Tal perda salarial eleva-se à medida em que o padrão salarial dos empregados aumenta, ficando bastante pronunciada quando se supera o teto seguro-desemprego.

Logo, parece-nos inconstitucional a MP 936/20 no ponto que autoriza redução salarial por ajuste individual. Ou seja, somente por negociação coletiva é que se poderia realizar as reduções previstas na nova norma.

De todo modo, a despeito de nossas impressões a respeito, imperioso se faz analisar o teor da norma e sua operacionalização prática.

Ponto de partida é compreender que a MP 936 permite a redução de salários desde que acompanhada da redução proporcional da jornada de trabalho. Não há, pois, possibilidade de redução salarial com manutenção de jornada.

Tal redução poderá se dar sob duas modalidades: acordo individual escrito ou negociação coletiva e poderá perdurar por até 90 dias. Deve-se observar, contudo, a situação peculiar de cada empregado:

  • Ajuste por Acordo Individual ou Coletivo: (I) empregado que receba salário de até R$ 3.135,00; (II) empregado que receba salário de mais de R$ 12.202,12 e tenha diploma de curso superior; ou (III) se a redução de salário e jornada for de 25%.
  • Ajuste obrigatório por Convenção ou Acordo Coletivo: (I) empregado que receba salário entre R$ 3.135,01 a R$ 12.202,11; ou (II) empregado que receba salário superior a R$ 3.135,01 e não possua diploma de curso superior

Além disso, a negociação (quer individual, quer coletiva) deverá observar os seguintes requisitos:

  • Preservação do valor do salário-hora de trabalho;
  • Comunicação pelo empregador ao empregado com antecedência de no mínimo dois dias corridos.

Quanto aos percentuais de redução, a MP também diferencia a situação das negociações individuais das coletivas. Para os ajustes individuais escritos, a redução de jornada e de salário deverá necessariamente observar os percentuais de: 25%, 50% ou 70%

Por sua vez, no ajuste coletivo pode-se adotar qualquer percentual de redução de salário e jornada, contudo, haverá impactos no pagamento do Benefício Emergencial, nos seguintes moldes:

  • Não percepção do benefício para reduções de salário inferiores a 25%;
  • 25% do valor do seguro-desemprego para redução de salário igual ou superior a 25% e inferior a 50%
  • 50% do valor do seguro-desemprego para redução de salário igual ou superior a 50% e inferior a 70%
  • 70% do valor do seguro-desemprego para redução de salário superior a 70%.

Ciente da realidade de muitas empresas, que antecipadamente negociaram coletivamente reduções de salário e jornada, a MP previu a possibilidade de renegociação destes acordos e convenções coletivas para se adequarem ao que dispõe a MP. Deverá ser observado o prazo de 10 dias contados da publicação da MP.

Como contrapartida para esta redução salarial, o empregado terá garantia de emprego como será melhor abordado em tópico próprio.

Por fim, cessada a calamidade pública, cessado o período de redução ajustado ou quando determinado o retorno ao trabalho pelo empregador, a jornada e o salário deverão ser restabelecidos aos moldes originários no prazo de dois dias corridos.

Suspensão temporária do contrato

Outra medida excetiva prevista pela MP 936/20 é a suspensão temporária do contrato de trabalho, pelo prazo máximo de 60 dias, que poderá ser fracionado em até dois períodos de 30 dias, desde que não se supere um período total de 90 dias de flexibilização (art. 16 da MP 936/20)

De igual modo, aqui se faz distinção de situações a depender do salário do empregado:

  • Ajuste por Acordo Individual ou Coletivo: (I) empregado que receba salário de até R$ 3.135,00; (II) empregado que receba salário de mais de R$ 12.202,12 e tenha diploma de curso superior; ou (III) se a redução de salário e jornada for de 25%.
  • Ajuste obrigatório por Convenção ou Acordo Coletivo: (I) empregado que receba salário entre R$ 3.135,01 a R$ 12.202,11; ou (II) empregado que receba salário superior a R$ 3.135,01 e não possua diploma de curso superior

A par destas regras, exigem-se os seguintes requisitos:

  • Comunicação com antecedência de ao menos dois dias corridos.
  • Cessação total das atividades laborais pelo empregado. Caso haja trabalho, ainda que parcial, por teletrabalho ou à distância, haverá a descaracterização do ajuste e o empregador deverá pagar a remuneração e encargos do período, sem prejuízos de sanções legais e de negociação coletiva.

Durante a suspensão, cessa-se o pagamento de salários e o empregado receberá o Benefício Emergencial previsto na MP 936 (observados os seus limites e critérios já abordados). Note-se, contudo, que se o empregador tiver renda bruta superior a R$ 4.800.000,00, deverá continuar pagando uma ajuda compensatória mensal, de natureza indenizatória, equivalente a 30% do salário do empregado

Além disso, o empregado continuará tendo direito a todos os benefícios concedidos pelo empregador (vale refeição, alimentação, plano de saúde, etc.). Parece-nos, contudo, que o vale transporte faz-se indevido, mesmo não havendo menção expressa a respeito, já que tal consequência é lógica do art. 4º da lei 7.418/85.

Note-se, contudo, que os recolhimentos previdenciários não serão realizados pelo empregador, podendo o empregado, se assim o quiser, recolher contribuições como segurado facultativo.

Como contrapartida para esta suspensão contratual, o empregado terá garantia de emprego como será melhor abordado em tópico próprio.

Cessada a calamidade pública, cessado o período de suspensão ou quando determinado o retorno ao trabalho pelo empregador, a jornada e o salário deverão ser restabelecidos aos moldes originários no prazo de dois dias corridos.

Da garantia provisória de emprego

Como visto, tanto a redução salarial como a suspensão contratual, trazem como contrapartida garantia provisória de emprego.

Esta garantia perdurará durante o período de redução salarial ou suspensão contratual e por lapso temporal equivalente após o encerramento do período de redução ou suspensão.

Ressalva-se, contudo, que não haverá garantia de emprego se ocorrer dispensa por justa causa ou a demissão a pedido do empregado.

Caso haja a dispensa sem justa causa durante o período de garantia de emprego, o empregador deverá pagar, além das rescisórias usuais, indenização ao empregado nos seguintes parâmetros:

  • 50% dos salários a que faria jus no período de garantia, se a redução de salário for entre 25% e 49,99%;
  • 75% dos salários a que faria jus no período de garantia, se a redução de salário for entre 50% e 69,99%; ou
  • 100% dos salários a que faria jus no período de garantia, se a redução de salário for de 70% ou mais, ou se tratar de suspensão contratual.

A previsão normativa é bastante ambígua, com redação sofrível e que possibilita uma plêiade de interpretações. A expressão a se decifrar é "salário a que o empregado teria direito no período de garantia".

Abre-se um leque para uma discussão infindável sobre como calcular esta indenização.

Uma primeira hipótese, é afirmar-se que a base de cálculo da indenização seria apenas um único salário integral do empregado. Isto porque a norma usa salário (no singular). Logo, por exemplo, na hipótese de redução de 25% de salário, a indenização por ruptura antecipada seria de 50% do salário contratual do empregado, independentemente de quanto tempo de garantia de empregado ainda remanescia.

Esta interpretação não nos parece a mais adequada, pois, em que pese a MP 936, trate de salário no singular, parece-nos sem sentido, falar-se em garantia de emprego com indenização que se mostra ínfima e que, pior, desconsidera por completo o período de garantia já cumprido e aquele remanescente.

Outra interpretação, seria considerar que salário (mesmo no singular), deve ser lido como a contraprestação total do período de garantia a que faria jus o empregado. O que nos põe novas dúvidas, já que poderíamos: (I) considerar apenas o lapso temporal remanescente do período de garantia; (II) considerar todo o período de garantia, inclusive aquele já cumprido pelo empregado; e (III) considerar devida apenas a diferença entre os salários que seriam devidos por todo o período de garantia (na íntegra) deduzidos os valores efetivamente pagos.

A solução para a hipótese demandará muita reflexão e posicionamento da jurisprudência, sendo certo que neste ponto a MP 936 traz mais complicadores do que soluções.

Aplicabilidade da medida provisória

A MP 936/20 é um tanto quanto obscura quanto a gama de trabalhadores que podem ser atingidos pelas medidas flexibilizantes.

Com efeito, não há ditame específico a este respeito, sendo certo que em seu art. 15 limita-se a mencionar a aplicabilidade aos contratos de aprendizagem e aos empregados contratados sob regime de jornada parcial.

Resta, pois, dúvida razoável sobre aplicação da medida a rurais, domésticos e outros trabalhadores regidos por normas especiais.

No nosso sentir, a despeito do silêncio normativo, parece-nos que é possível defender a aplicação da MP 936/20 para quaisquer trabalhadores, na medida em que a norma não restringe os destinatários e as medidas flexibilizantes apresentadas parecem-nos compatíveis para os trabalhadores sujeitos à legislação especial.

Flexibilização das formalidades de negociação coletiva

Por fim, a MP 936/20, atenta às dificuldades de reunião e a urgência do diálogo coletivo, flexibilizou os requisitos formais para as negociações coletivas previstos na CLT.

Portanto, autorizada está a convocação, deliberação, decisão, formalização e publicidade de negociações coletivas por meios eletrônicos.

De igual modo, os prazos para negociações, registro, etc., previstos no Título VI, da CLT, foram reduzidos pela metade, fomentando negociações mais ágeis para o contexto da pandemia.

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1 Usando a tradicional classificação de José Afonso da Silva.

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*André Dorster é Juiz do Trabalho Substituto do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região. Professor do curso preparatório para concursos públicos ProMagis Concursos.

*Priscilla Carrieri Donegá é advogada e sócia fundadora do escritório DPZ Advogados. Graduada em Direito pela Universidade Mackenzie.

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