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Breves considerações sobre a MP 936

A emergência de saúde pública sem precedentes que tem desafiado o Brasil e o mundo por conta da pandemia do novo coronavírus (covid-19) , vem produzindo resultados catastróficos no campo econômico, exigindo do governo Federal a adoção de providências no plano das relações empresariais-trabalhistas.

quarta-feira, 8 de abril de 2020

Atualizado às 08:35

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Como o leitor certamente já está ciente - e, principalmente, vivencia -, a emergência de saúde pública sem precedentes que tem desafiado o Brasil e o mundo por conta da pandemia do novo coronavírus (covid-19)1, vem produzindo resultados catastróficos no campo econômico, exigindo do Governo Federal a adoção de providências no plano das relações empresariais-trabalhistas (art. 22, I, CRFB), especificamente para garantir a manutenção das atividades econômicas empresariais e da renda e do emprego de milhares de brasileiros que tiveram seus meios de sobrevivência drasticamente afetados pela redução da atividade econômica e produtiva.

Inclusive, o diretor-Geral da Organização Mundial da Saúde (OMS), em 11 de março de 2020, classificou a atual situação internacional como uma pandemia, enquadrando o Covid-19 como hipótese de "emergência de saúde pública internacional de importância internacional", embasando o estado de emergência em curso. Recomendações temporárias da OMS, voltadas a reduzir a propagação do vírus, passaram, portanto, a assumir um papel primordial na formulação de uma estratégia global eficiente para o combate ao Covid-19.

A OIT, recentemente, veiculou orientação na qual reconhece que todas as empresas, independentemente de seu porte, mas particularmente as pequenas e médias empresas, estão enfrentando sérios desafios para sobreviverem, havendo perspectivas reais de declínio significativo nas receitas, insolvência e redução do nível de emprego2.

Nesse sentido, o Governo Federal vem editando diversas Medidas Provisórias (MP), para tentar conter o impacto do vírus nas relações econômicas, principalmente no âmbito de trabalho. Não por outra razão foi editada a MP 927, de 22de março de 2020, que reconheceu o estado de calamidade pública e emergência de saúde pública de importância internacional, assentando que, para enfrentamento dos efeitos econômicos decorrentes do estado de calamidade e para preservação do emprego e da renda, poderão ser adotadas pelos empregadores, dentre outras, as seguintes medidas: (i) o teletrabalho; (ii) a antecipação de férias individuais; (iii) a concessão de férias coletivas; (iv) o aproveitamento e a antecipação de feriados; (v) o banco de horas; (vi) a suspensão de exigências administrativas em segurança e saúde no trabalho; (vii) o direcionamento do trabalhador para qualificação; e (viii) o diferimento do recolhimento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço - FGTS. 

Importante frisar que, o Governo Federal revogou o artigo 18 da respectiva MP, através da MP 928, de março de 2020, que tratava da suspensão do contrato de trabalho e direcionamento do empregado para o programa de qualificação profissional. Tal dispositivo suprimia a necessidade de outorga em instrumento coletivo, já que a legislação trabalhista contemplava esta possibilidade, mas dependendo de ajuste em convenção ou acordo coletivo de trabalho, conforme preconiza o art. 476-A da CLT3, observada, atualmente, a nova regra do art. 17, I, da MP 936.

O ponto polêmico na MP 927 encontra-se no art. 2º, que limitando a eficácia para enquanto durar o estado de calamidade, o empregado e o empregador poderão celebrar acordo individual escrito, a fim de garantir a permanência do vínculo empregatício, que terá preponderância sobre os demais instrumentos normativos, legais e negociais, respeitados os limites estabelecidos na Constituição.

O STF, na medida liminar na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 6342, ajuizada pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT), contra dispositivos da Medida MP 927, através do Ministro Marco Aurélio, decidiu, monocraticamente, que o Presidente da República, nesta época de crise, poderá atuar, provisoriamente através da edição de MPs, no campo trabalhista e da saúde no trabalho, ficando tal ato submetido ao crivo do Congresso Nacional. Entendeu o Ministro que, o art. 2º da MP 927 não é inconstitucional, já que voltado à preservação do liame empregatício, devendo a liberdade do prestador de serviços, hoje em xeque pelo impacto do vírus, ser preservada quando o próprio sustento sofre risco, desde que não coloque em segundo plano as garantias constitucionais. O Plenário do STF deliberará futuramente sobre a questão.

A Medida Provisória 936, de 01 de abril de 2020, instituiu o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda e dispôs sobre medidas trabalhistas complementares para enfrentamento do estado de calamidade pública reconhecido pelo decreto legislativo 6, de 20 de março de 2020, e da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus, de que trata a lei 13.979, de 06 de fevereiro de 2020.

Os seus objetivos vêm descritos logo no art. 2º, quais sejam: i) preservar o emprego e a renda; ii) viabilizar a atividade econômica, diante da diminuição de atividades e; iii) reduzir o impacto social em razão das consequências do estado de calamidade pública e de emergência de saúde pública.

As medidas adotadas pela MP 936, criticadas pela Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho - ANAMATRA4, tratam, em sua essência, acerca da possibilidade de: (i) redução proporcional da jornada de trabalho e de salário; e (ii) suspensão temporária do contrato de trabalho, ambas, a princípio, por acordo individual escrito entre empregado e empregador.

Sobre a redução da jornada de trabalho e de salário, a MP dispõe o que segue:

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Para esta medida, a MP 936 vem prevendo diversas condições, dentre elas: (i) Preservação do valor do salário-hora de trabalho; (i) Prazo máximo de 90 dias; (iii) A proposta de acordo individual deverá ser encaminhada ao empregado com antecedência mínima de 02 dias corridos e depois de aceito, ser informado ao Ministério da Economia em 10 dias corridos e; (iv) Garantia provisória no emprego (estabilidade) durante o período de redução e após o restabelecimento da jornada por período equivalente ao da redução. Exemplo: redução de 2 meses, garante uma estabilidade dos 2 meses e de mais 2, no total de 4 meses.

Sobre a suspensão do contrato de trabalho, a MP dispõe o que segue:

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Aqui também foram fixadas diversas condições para que ocorra a medida de suspensão do contrato de trabalho, dentre elas: (i) Prazo máximo de 60 dias; (ii) a proposta de suspensão do contrato deverá ser encaminhada ao empregado com antecedência mínima de 02 dias corridos; depois de pactuado, deverá ser encaminhada no prazo de 10 dias ao Ministério da Economia; (iii) Durante o período de suspensão contratual, o empregador deverá manter os benefícios pagos aos empregados, por ex.: convênio médico; (iv) Fica autorizado o recolhimento para o Regime Geral de Previdência Social na qualidade de segurado facultativo; (v) Durante a suspensão do contrato de trabalho, o empregado não pode permanecer trabalhando para o empregador, ainda que parcialmente, por meio de teletrabalho, trabalho remoto ou trabalho à distância e; (vi) Garantia provisória no emprego (estabilidade) durante o período de suspensão e após o restabelecimento da jornada por período equivalente ao da suspensão.

Ainda, tanto na redução da jornada de trabalho e de salário, serão imediatamente restabelecidas quando houver: - cessação do estado de calamidade pública; - o encerramento do período pactuado no acordo individual e; - a antecipação pelo empregador do fim do período de redução pactuado.

Ambas as medidas da MP 936 somente poderá ser adotadas através de acordo individual entre empregado e empregador nos seguintes casos:

a) i - empregado com salário igual ou inferior a R$ 3.135,00 (três mil cento e trinta e cinco reais) ou; ii - empregados portadores de diploma de nível superior e que percebam salário mensal igual ou superior a duas vezes o limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social - R$ 12.202,12.

b) Para os demais empregados somente por acordo ou convenção coletiva, salvo se houver apenas a redução de jornada e salário em 25%, que permitirá o acordo individual. Além disso, poderão as medidas ser feitas via acordo ou convenção coletiva, caso assim opte o empregador.

Conforme dissemos acima, a MP 936 tem como objetivo o de preservar os empregos e as rendas dos empregados, e, portanto, a dispensa sem justa causa que ocorrer durante o período de garantia provisória no emprego sujeitará o empregador ao pagamento, além das parcelas rescisórias previstas na legislação, de indenização no valor de:

I - cinquenta por cento do salário a que o empregado teria direito no período de garantia provisória no emprego, na hipótese de redução de jornada de trabalho e de salário igual ou superior a vinte e cinco por cento e inferior a cinquenta por cento;

II - setenta e cinco por cento do salário a que o empregado teria direito no período de garantia provisória no emprego, na hipótese de redução de jornada de trabalho e de salário igual ou superior a cinquenta por cento e inferior a setenta por cento;

ou III - cem por cento do salário a que o empregado teria direito no período de garantia provisória no emprego, nas hipóteses de redução de jornada de trabalho e de salário em percentual superior a setenta por cento ou de suspensão temporária do contrato de trabalho.

Tal previsão não se aplica no caso de demissão com justa causa ou pedido de demissão do empregado.

O art. 14 da MP prevê sobre a atuação da Auditoria Fiscal do Trabalho quanto à fiscalização, notificação, autuação e imposição de multas obedecerá a CLT, não se aplicando o critério da dupla visita e o disposto no art. 31 da Medida Provisória 927.

Por fim, frisamos alguns dispositivos gerais de maior importância, dentre eles:

(i) A primeira parcela será paga ao empregado no prazo de 30 dias, contado da data da celebração do acordo, desde que a celebração do acordo seja informada no prazo de 10 dias ao Ministério da Economia. Se a empresa deixar de comunicar ao ME, deverá custear integralmente a remuneração do funcionário.

(ii) A adoção de quaisquer das duas medidas consagradas na MP 936: a) Não impede a concessão nem altera o valor do seguro desemprego a que o empregado vier a ter direito; b) Não terá direito quem já recebe qualquer benefício de prestação continuada do Regime Geral de Previdência Social ou dos Regimes Próprios de Previdência Social ou em gozo do seguro desemprego e; c) Pensionistas e titulares de auxílio-acidente poderão receber o benefício.

(iii) Nos casos em que o cálculo do benefício resultar em valores decimais, o valor a ser pago deverá ser arredondado para a unidade inteira imediatamente superior.

(iv) A redução proporcional de jornada de trabalho e de salário ou a suspensão temporária do contrato de trabalho, quando adotadas, deverão resguardar o exercício e o funcionamento dos serviços públicos e das atividades consideradas essenciais.

(v) O disposto na MP 936 aplica-se aos contratos de trabalho de aprendizagem e de jornada parcial.

 (vi) Os acordos individuais de redução de jornada de trabalho e de salário ou de suspensão temporária do contrato de trabalho, pactuados nos termos da MP 936, deverão ser comunicados pelos empregadores ao respectivo sindicato laboral, no prazo de até dez dias corridos, contado da data de sua celebração, para que este, querendo, deflagre a negociação coletiva, importando sua inércia em anuência com o acordado pelas partes. A não manifestação do sindicato, na forma e nos prazos estabelecidos na legislação trabalhista, representará anuência com o acordo individual.[5]

(vii) Aos empregados contratados pelo regime intermitente será concedido benefício emergencial mensal no valor de R$ 600,00 (seiscentos reais), pelo período de três meses.

 (viii) Ato do Ministério da Economia disciplinará a concessão e o pagamento do benefício emergencial de que trata este artigo.

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1 No Brasil, antes mesmo da confirmação do primeiro caso de uma pessoa infectada com a COVID-19, no dia 6 de fevereiro de 2020, foi promulgada a lei 13.979, que dispõe "sobre as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus responsável pelo surto de 2019". No dia 20 de março, o Congresso Nacional aprovou o pedido de reconhecimento de calamidade pública submetido pelo governo federal em face da pandemia do COVID-19, que permite e realização de gastos sem a observância dos limites e das metas fiscais previstas na Lei de Responsabilidade Fiscal (Decreto legislativo 6/20).

2 "ILO Standards  and  COVID-19  (coronavirus) - Key provisions of international labour standards relevant to the evolving COVID- 19 outbreak". Disponível em: https://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/---ed_norm/- normes/documents/publication/wcms_739937 f f. Acesso em: 02.04.20.

3 Art. 476-A.  O contrato de trabalho poderá ser suspenso, por um período de dois a cinco meses, para participação do empregado em curso ou programa de qualificação profissional oferecido pelo empregador, com duração equivalente à suspensão contratual, mediante previsão em convenção ou acordo coletivo de trabalho e aquiescência formal do empregado, observado o disposto no art. 471 desta Consolidação. 

4 Disponível em: https://www.anamatra.org.br/imprensa/noticias/29583-nota-publica-5. Acesso em 06.04.2020.

5 O ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal (STF), deferiu em parte medida cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 6363 para estabelecer que os acordos individuais de redução de jornada de trabalho e de salário ou de suspensão temporária de contrato de trabalho previstos na Medida Provisória (MP) 936/2020 somente serão válidos se os sindicatos de trabalhadores forem notificados em até 10 dias e se manifestarem sobre sua validade. A ausência de manifestação acarretará concordância tácita.

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*Lucas Gandolfe é advogado, sócio do escritório Cruz e Nunes Advogados.

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