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Covid-19 - A Extinção Anomala do Contrato de Trabalho - Empregador pode arguir factum principis?

Não se pode atribuir ao empregador a culpa pelo encerramento, ainda que temporário, das atividades até então desenvolvidas pela empresa.

quinta-feira, 9 de abril de 2020

Atualizado em 11 de abril de 2020 09:19

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No dia 11 de março de 2020, o Covid-19, nova variante do coronavírus, foi definido como pandemia pela Organização Mundial da Saúde (OMS). O vírus já deixou mais de 28 mil mortos e cerca de 600 mil infectados ao redor do mundo, segundo o site g11. E a contagem tende a aumentar à medida que a doença chega a mais cidades. 

Os riscos da propagação do vírus e o necessário enfrentamento da grave emergência de saúde pública, causadas pela pandemia do coronavírus tem acarretado uma modificação sem precedentes nas relações de trabalho no Brasil e no mundo, que conduziram à publicação, em 6 fevereiro último, da lei 13.979/20, autorizando, medidas para conter a pandemia como isolamento, quarentena e determinação compulsória de exames. 

Afora isso, diversos Estados e Municípios da Federação lançaram mão de decretos com imposição de proibição de abertura temporária de escolas, universidades, indústrias, shopping centers, museus, teatros, cinemas, restaurantes, enfim, espaços em que a reunião de pessoas pudesse representar perigo de disseminação do vírus. 

Tais medidas, de suspensão de atividades empresariais, isolamento e quarentena de trabalhadores se revelaram necessários, sendo difícil saber se poderiam ser evitadas. 

No âmbito do Estado do Rio de Janeiro, o Governo do Estado, publicou o Decreto Estadual 46.970 de 13/03/2020 que dispõe sobre medidas temporárias de prevenção ao contágio e enfrentamento da propagação do novo coronavírus (COVID-19) no âmbito do Estado do Rio de Janeiro. 

Acerca da suspensão das atividades, dispõe o artigo 4º do referido Decreto que: 

Art. 4º - De forma excepcional, com o único objetivo de resguardar o interesse da coletividade na prevenção do contágio e no combate da propagação do coronavírus, (COVID-19), determino a suspensão, pelo prazo de 15 (quinze) dias, das seguintes atividades: 

I - realização de eventos e atividades com a presença de público, ainda que previamente autorizadas, que envolvem aglomeração de pessoas, tais como: eventos desportivos, shows, feiras, eventos científicos, comícios, passeatas e afins;

II - atividades coletivas de cinema, teatro e afins;

III - visitação às unidades prisionais, inclusive aquelas de natureza íntima;

IV - transporte de detentos para realização de audiências de qualquer natureza, em cada caso, o Secretário de Estado de Administração Penitenciária deverá apresentar justificativa ao órgão jurisdicional competente;

V - visita a pacientes diagnosticados com o COVID-19, internados na rede pública ou privada de saúde;

VI - das aulas, sem prejuízo da manutenção do calendário recomendado pelo Ministério da Educação, nas unidades da rede pública e privada de ensino, inclusive nas unidades de ensino superior, sendo certo, que o Secretário de Estado de Educação e o Secretário de Estado de Ciência, Tecnologia e Inovação deverão expedir em 48 (quarenta e oito horas) ato infralegal para regulamentar as medidas de que tratam o presente Decreto;

VII - o curso do prazo recursal nos processos administrativos perante a Administração Pública do Estado do Rio de Janeiro, bem como, o acesso aos autos dos processos físicos.

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Tal medida visa diminuir a movimentação da população pelas ruas.

A grande pergunta que se faz no momento é quem vai pagar a conta pelos danos causados pela pandemia do coronavírus: O Estado, o empregador ou, como sempre, o empregado?

Caso se impossibilite a continuação da atividade, de forma temporária ou definitiva, com a consequente dispensa de trabalhadores, estaremos diante da hipótese do factum principis, espécie do gênero força maior.

Sobre o fato do príncipe, ou factum principis, dispõe o art. 486 da CLT, in verbis:

Art. 486 - No caso de paralisação temporária ou definitiva do trabalho, motivada por ato de autoridade municipal, estadual ou federal, ou pela promulgação de lei ou resolução que impossibilite a continuação da atividade, prevalecerá o pagamento da indenização, que ficará a cargo do governo responsável.

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O (fato do príncipe), de acordo com o disposto factum principis no artigo 486 da CLT, caracteriza-se pela paralisação temporária ou definitiva da prestação de serviços, em virtude da prática de ato administrativo por autoridade pública federal, estadual ou municipal. Trata-se, portanto, de uma espécie do gênero força maior, sendo necessária para sua evidência a presença dos seguintes requisitos: ato administrativo inevitável praticado por autoridade competente, interrupção temporária ou definitiva da prestação dos serviços e não concorrência, direta ou indireta, do empregador para a prática do ato.

Nesse caso, o artigo 486, caput, da CLT, estabelece que a autoridade que tomou a medida será responsável pela indenização resultante da extinção do contrato de trabalho.

Quando a atividade não pode ser mais realizada, a exemplo da proibição da exploração de jogo de azar (fechamento de cassino, v.g.), surge o fenômeno do factum principis. Nesta hipótese, por ato do Poder Público a atividade não pode ser mais realizada, atraindo sua responsabilidade pelo pagamento da indenização trabalhista.

Com efeito, para que reste evidenciado o factum principis, é preciso que o empregador não tenha concorrido para o ato da autoridade municipal, estadual ou federal.

Nesse sentido, o Empregador poderia ordenar a extinção prematuras dos contratos de trabalho, atribuindo o pagamento das verbas rescisórias à autoridade pública responsável pelo ato administrativo, tendo como fundamento jurídico a ocorrência de factum principis, porquanto teria sido impedida de dar prosseguimento a seus negócios, já que a paralisação das atividades decorreu de ato de império do Poder Estatal.

Sendo assim, não se pode atribuir ao empregador a culpa pelo encerramento, ainda que temporário, das atividades até então desenvolvidas pela empresa, pois dele não se pode exigir a manutenção dos empregos, sendo a paralisação das atividades empresariais equiparada à extinção da empresa, para fins de possibilitar a extinção dos vínculos empregatícios vigentes à época do fato.

Vê-se então que a aplicação do factum principis aponta como medida viável para a Empresa quando da rescisão dos contratos de trabalho por força maior, considerando toda sua estrutura, não se limitando, mas, sobretudo, financeira, ainda que em benefício da própria coletividade, deve ser imputada à Administração Pública a responsabilidade pelo pagamento da indenização rescisória.

Assim, como consequência do rompimento do contrato de trabalho quais as verbas rescisórias devidas ao trabalhador?  

Segundo as lições de Vólia Bonfim Cassar2. Há controvérsia em relação ao montante devido e em se fixar quais são estas parcelas, pois a lei se refere à "indenização."

Parte da Doutrina considera que a autoridade competente é responsável pelo pagamento de todas as parcelas decorrentes da cessação do contrato de trabalho, isto é, pelas parcelas resilitórias, (férias + 1/3, 13ªsalário, indenização adicional sobre o FGTS e saldo de salário).

Valentim Carrion3, Maurício Godinho4 e Gabriel Saad5 (posição majoritária) defendem que a responsabilidade da autoridade que extinguiu a empresa esta limitada à indenização da multa de 40% sobre os depósitos de FGTS. Para alguns essa indenização deve ser paga pela metade, ou seja, 20%.

Sendo assim, conforme exposto, em nossa visão, parece ser claro que se a causa da extinção do contrato de trabalho é alheia a vontade do empregador e do empregado, a responsabilidade pelo pagamento das verbas recorrentes dessa extinção anômala do contrato deve ser de atribuição da autoridade responsável pelo edição do Decreto.

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2 CASSAR, Vólia Bonfim, Direito do Trabalho, 3ª Ed. Editora Impetus.

3 CARRION, Valentim. Comentário à Consolidação das Leis Trabalhistas, 28ªEd. Editora Saraiva

4 DELGADO, Maurício Godinho, Curso de Direito do Trabalho. São Paulo, LTr

5 SAAD, Eduardo Gabriel. Consolidação das Leis do Trabalho comentada. São Paulo, LTr

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*Marcello Peral Hamed Humar, é advogado, sócio do escritório Pereira Robert e Peral Advogados Associados e Procurador do Tribunal de Justiça Desportiva do Rio de Janeiro. Possui pós-graduação em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela MAGISTRAB. 

 

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