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A pandemia do coronavírus e seus reflexos na "teia contratual". Breves apontamentos

Discute-se diuturnamente sobre a suspensão, manutenção e/ou retomada das atividades profissionais e comerciais, dos empregos, bem como da produção e circulação de bens e de serviços, com as inerentes consequências para a economia.

quinta-feira, 9 de abril de 2020

Atualizado às 14:24

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Conforme cediço, o mundo enfrenta uma gravíssima crise de saúde, sem precedentes na história recente, em razão do denominado "novo coronavírus" (SarsCov-21), causador da doença covid-192, tendo a OMS - Organização Mundial de Saúde declarado, em 30 de janeiro de 2020, Emergência em Saúde Pública de Importância Internacional, e, em 11 de março p.p., classificado a enfermidade como pandemia em decorrência de sua disseminação mundial.

Inicialmente identificada na China (80 mil infectados, 3 mil mortos), a doença rapidamente se espalhou para a Europa (v.g., 10 mil mortes na Itália, sendo 919 em apenas um dia) e demais continentes e seus países (Estados Unidos da América é o possível novo epicentro, já computando 100 mil doentes)3, atingindo da mesma forma o Brasil (até 28/03/2020 o ministério da Saúde havia contabilizado 3.904 casos, com 114 mortos)4, reconhecendo o Congresso Nacional, mediante solicitação do presidente da República, estado de calamidade pública (art. 1º do decreto 6/205).

Paralelamente à primária e inafastável preocupação com a vida humana - sendo curial registrar-se o heroico sacrifício dos profissionais de saúde, dos agentes de segurança pública e demais trabalhadores que estão mantendo os serviços considerados essenciais -, debate-se acerca dos reflexos econômicos da pandemia, eis que o necessário (prima facie) isolamento social horizontal, adotado em praticamente todo o mundo, implicará outra crise, de iguais e calamitosas proporções.

Nesse contexto, discute-se diuturnamente sobre a suspensão, manutenção e/ou (imprevisível) retomada das atividades profissionais e comerciais, dos empregos, bem como da produção e circulação de bens e de serviços, com as inerentes (e igualmente imprevisíveis) consequências para a economia.

Assim, a grande indagação prática - a demandar a efetiva parcela de contribuição da comunidade jurídica na busca de soluções para o aflitivo momento - diz respeito ao destino dos contratos, em suas mais diversas naturezas (de trabalho, de consumo, empresariais, etc.).

A professora titular e chefe do departamento de Direito Comercial da USP, Paula Forgioni6, à luz das teorias de Herbert Simon, vencedor do prêmio Nobel de Economia de 1978, observa que as empresas (em seus diferentes perfis7) interagem com os demais agentes econômicos por meio do que se denomina de "teia contratual". Assim, a resposta para a indagação em tela, abrange, de forma indissociável, todas as avenças que integram a aludida teia, dentre as quais os contratos que têm por objeto a própria constituição da empresa (contrato ou estatuto social, acordos entre sócios ou acionistas),  bem como as relações jurídicas estabelecidas entre esta e seus fornecedores (compra e venda mercantil, locação de bens móveis e imóveis, aquisição de maquinários, insumos, capital de giro, contas de luz e água, etc.), seus colaboradores (contratos de trabalho, de colaboração empresarial e de prestação de serviços) e consumidores (destinatários dos produtos ou serviços), além das firmadas com a Administração Pública (contratos administrativos, concessões, permissões, licitações, não se olvidando, lado outro, da obrigação compulsória e ex lege de recolhimento de tributos).

Outrossim, para correto posicionamento do debate e sem embargo da prioritária busca pela preservação dos contratos, importante rememorar-se, segundo o magistério de Flávio Tartuce8, que a eventual extinção das avenças por fatos posteriores à sua celebração se dá por meio da rescisão (gênero), da qual são espécies a resolução (descumprimento ou inadimplemento contratual) e a resilição (bilateral ou unilateral, decorrente de vontade das partes). 

Por sua vez, dentre as hipóteses de resolução encontram-se i) a inexecução voluntária (que desborda do presente trabalho), ii) a inexecução involuntária (por fatos alheios à vontade do devedor), iii) a onerosidade excessiva (evento extraordinário e imprevisível que dificulte extremamente a execução de negócio de trato continuado) e iv) a cláusula resolutiva tácita (na qual se inclui a exceção do contrato não cumprido).

Ademais, conforme nos advertem Eduardo Nunes de Souza e Rodrigo da Guia Silva9, caso fortuito e força maior - institutos previstos no Capítulo I (Disposições Gerais) do Título IV (Do Inadimplemento das Obrigações) do Livro I (Do Direito das Obrigações) da Parte Especial do Código Civil (CC) -  não são hipóteses autorizadoras da resolução ou da revisão dos contratos, mas de posterior exclusão da responsabilidade civil por perdas e danos decorrentes do eventual inadimplemento contratual (arts. 38910 e 393, caput11/CC).

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*Fábio da Costa Vilar é advogado.

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