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O desafio da continuidade dos serviços essenciais em meio à pandemia

Ivan Candido da Silva de Franco e Mariana Madera Nunes

Como os cenários mudam a todo instante, com novas descobertas, por exemplo, sobre meios de transmissão e/ou equipamentos de prevenção, as autoridades e companhias precisam, acima de tudo, estarem atentas para tomar decisões em um timing curto.

segunda-feira, 13 de abril de 2020

Atualizado às 14:12

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Com a declaração pública de situação de pandemia em relação ao novo coronavírus pela Organização Mundial da Saúde (OMS), medidas de distanciamento social têm sido adotadas por diversos estados brasileiros, o que implica a permanência de boa parte da população em suas residências, com a manutenção apenas das atividades relacionadas aos serviços essenciais.

Há divergências nos âmbitos federativos sobre a extensão das medidas a serem tomadas, mas, em todas as esferas, foram adotadas providências que, de um lado, impuseram restrições às atividades ordinariamente desenvolvidas e, de outro, garantiram o funcionamento de determinadas atividades fundamentais para viabilizar um aceitável desenvolvimento da engrenagem social.

É preciso ter em conta que, em um momento de crise sem precedentes recentes, em termos de proporção, alcance e duração, as escolhas feitas afetam as mais distintas esferas de direitos da população, de modo que uma hipotética situação de desabastecimento agravaria a crise e aprofundaria sobremaneira problemas sociais, dificultando, senão inviabilizando, a atual estratégia de isolamento social.

Primeiramente, decidir quais são as atividades essenciais importa. Tem havido definições distintas oriundas dos diferentes entes federativos acerca do que seriam atividades essenciais no presente momento e cadeias produtivas mais complexas podem ser impactadas com restrições a qualquer uma de suas fases. Mais do que isso, não são desprezíveis os desafios logísticos a serem enfrentados em nosso país, notadamente em vista da dimensão e do modal prioritário de transporte (rodoviário).

A título ilustrativo, o Estado de São Paulo, por meio do Decreto nº 64.881, de 22 de março de 20201, excepcionou a aplicabilidade das restrições de atividades apenas aos serviços essenciais básicos, quais sejam aqueles alusivos a hospitais, clínicas, farmácias, lavanderias, serviços de limpeza e hotéis; supermercados e serviços de entrega de bares, restaurantes e padarias; transportadoras, postos de combustíveis, armazéns, oficinas e bancas de jornal; e serviços de segurança privados, de maneira a contemplar tanto as atividades essenciais quanto os insumos a elas relacionadas, abarcando toda a cadeia de produção.

Com efeito, tendo em vista a necessidade de (i) definição das prioridades em um cenário de severas restrições e (ii) compatibilização da continuidade dos serviços com os direitos das pessoas que devem prestá-los, é que foi realizado, com a mediação dos articulistas, o painel "Pandemia e Abastecimento: o impacto do coronavírus nos serviços essenciais" no âmbito do grupo de estudos "O Direito em tempos de Covid-19", do Instituto Brasiliense de Direito Público.

Na oportunidade, estiveram virtualmente presentes representantes das esferas estatal e privada, debatendo a implementação de medidas voltadas a afastar o fantasma do desabastecimento de serviços essenciais, notadamente no que tange à cadeia produtiva de alimentos. Os convidados Blairo Maggi, Wilson Mello, Eumar Novacki, Heraldo Geres e Bruno Ferla, exímios conhecedores da área de abastecimento, promoveram um importante debate no âmbito do contexto da pandemia da doença Covid-19, afastando, prontamente e já de início, qualquer cenário de dificuldade de fornecimento de alimentos durante e após a crise.

Inicialmente, duas questões centrais nortearam as reflexões dos painelistas: 1) a exigência de se garantir o fluxo de recursos em todos os setores da cadeia produtiva, com vistas a resguardar a segurança alimentar e o consequente abastecimento de recursos; e 2) a necessidade de atuação conjunto e cooperação entre os entes federativos no enfrentamento da crise, tendo em vista a competência legislativa concorrente entre União, Estados e Municípios.

Sobre o primeiro ponto, o desafio está não somente em certificar que os bancos oficiais promovam a injeção de dinheiro nas instituições financeiras, mas em possibilitar que as linhas de crédito estejam acessíveis do pequeno ao grande empresário, no que essencial a manutenção do fluxo financeiro como forma de evitar um colapso sistêmico, com impactos no grau de produção e realização das atividades essenciais. Nesse último caso, a interferência do Governo Federal na manutenção do equilíbrio é essencial.

Por outro lado, eventuais barreiras ao fluxo de mercadorias impostas de maneira descoordenada por estados e municípios em todo o país despertam preocupação no setor produtivo brasileiro. Do ponto de vista da perspectiva implementada em São Paulo, o estado tem adotado postura colaborativa com os municípios, mantendo o diálogo entre diversos setores, principalmente as áreas de saúde e indústria, sob a coordenação do Comitê de Abastecimento.  Assim, o ponto não é a capacidade de produção, mas a exigência de manter a distribuição das mercadorias de maneira que a cadeia produtiva continue funcionando para atender às demandas essenciais da população.

Além disso, há desafios importantes na continuidade de serviços durante a pandemia quando se pensa nos direitos das pessoas responsáveis pela sua prestação. A compatibilização entre manter o abastecimento e evitar prejuízos para a saúde dos colaboradores perpassa pela adoção de rígidas medidas de segurança do trabalho, como orientação sobre sintomas, afastamento de integrantes do grupo de risco para a doença, restrições de acesso às unidades produtoras, reforça de suprimentos de higiene, medição de temperatura dos funcionários nas portarias, controle de filas para evitar aglomerações, espaçamento das mesas e rodízio de horários das equipes, dentre outras muitas.

Como os cenários mudam a todo instante, com novas descobertas, por exemplo, sobre meios de transmissão2 e/ou equipamentos de prevenção3, as autoridades e companhias precisam, acima de tudo, estarem atentas para tomar decisões em um timing curto. Por exemplo, no que diz respeito ao fechamento de fronteiras no contexto da Covid-19, apesar de não haverem impactado nas importações e exportações, já ocorreu alteração no fluxo de navios e isso demandou uma readequação de todas as empresas.

Em verdade, a experiência obtida no país em momentos severos, como na ocasião da greve dos caminhoneiros de 2018, que paralisou, por 10 dias, serviços de fornecimento de combustíveis, distribuição de alimentos e insumos médicos, considerados os maiores impactos nos setores de proteína animal, construção civil e indústria automotiva, deixando o ensinamento de que a liderança e governança devem ser uníssonas nos períodos extremos. Sem dúvida, cooperação, transparência e lealdade serão o grande aprendizado da crise.

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1 Decreto 64.881, de 22 de março de 2020. Disponível em: Clique aqui. Acesso em: 2/4/2020.

2 Clique aqui. Acesso em: 6.4.2020.

3 Clique aqui. Acesso em: 6.4.2020.

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*Ivan Candido da Silva de Franco é advogado do Mudrovitsch Advogados, mestre em Direito e Desenvolvimento pela FGV e doutorando em Processo Penal pela Faculdade de Direito da USP.

*Mariana Madera Nunes é advogada do Mudrovitsch Advogados, ex-assessora de Ministro do Supremo Tribunal Federal, pós-graduada em Ciências Criminais pela Faculdade Baiana de Direito e bacharela em Direito pela UFBA.

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