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Por que o STF deve concluir pela não incidência do ICMS sobre software?

Apesar de a equiparação do incorpóreo (software) ao corpóreo (mercadoria) não causar tanto estranhamento dentro da cultura de insegurança jurídica em que nos encontramos, a conclusão pela incidência do ICMS sobre software pode ter efeitos mais amplos do que conseguimos vislumbrar inicialmente.

sexta-feira, 17 de abril de 2020

Atualizado às 10:45

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Novamente, a ação direta de inconstitucionalidade 1945 foi retirada da pauta do Supremo Tribunal Federal. Com isso, segue em aberto a discussão acerca da incidência do ICMS sobre software.

Deixemos de lado, por um momento, os relevantes e já bem explorados argumentos jurídicos pela não incidência do ICMS, notadamente a distinção entre "obrigação de dar" e "obrigação de fazer", o regime de proteção de direitos autorais conferido pela lei 9.609/98, e o item 1.05 da Lei Complementar 116/03, que lista o licenciamento e a cessão de direito de uso de software como sujeitos ao ISS.

Debrucemo-nos, brevemente, sobre os aspectos não jurídicos que permeiam a discussão. Sob a ótica da Ciência da Informação, decidir pela incidência do ICMS sobre software demandaria, ao menos, um salto interpretativo com consequências ainda pouco exploradas. Se assim decidir, o STF equipararia algo incorpóreo a um bem físico, tangível, para fins da incidência do imposto.

Isso porque, software é código, redigido em linguagem de programação (e.g., Java, Python, C++) e traduzido para a linguagem binária, com os seus famosos "zeros" e "uns". O código, conjunto de dados eletrônicos, pode ser armazenado em um suporte ótico (Blu-ray, DVD, CD-ROM), magnético (HDDs), em servidores remotos (cloud storage) etc. Embora seu suporte possa ser corpóreo, o código, o software propriamente dito, não é.

Apesar de a equiparação do incorpóreo (software) ao corpóreo (mercadoria) não causar tanto estranhamento dentro da cultura de insegurança jurídica em que nos encontramos, a conclusão pela incidência do ICMS sobre software pode ter efeitos mais amplos do que conseguimos vislumbrar inicialmente.

Como visto, software é código, e código é meramente um conjunto de instruções destinadas a uma máquina. Uma vez redigido e traduzido para linguagem binária, o código pode ser acessado e lido por um computador, que realizará as tarefas determinadas pelo código e nada mais. Logo, afirmar que o software pode ser considerado uma mercadoria, incluindo-o no campo de incidência do ICMS, seria reconhecer que instruções incorpóreas podem estar sujeitas a referido imposto, o que traz novas incertezas.

Será que tal tratamento tributário para instruções incorpóreas lidas e aplicadas por máquinas (software) seria justificado? Haveria um fundamento para diferenciar o tratamento das instruções destinadas a máquinas daquelas destinadas a seres humanos? Ou melhor, essa interpretação seria desejável diante da oferta cada vez mais acelerada de soluções tecnológicas inovadoras?

Tomemos o caso das impressoras 3D como exemplo. Devemos criar uma brecha para discutir a incidência do ICMS sobre as instruções de impressão destinadas a tais máquinas? Ou seria melhor mantermos o potencial campo de incidência do ICMS restrito aos insumos corpóreos utilizados por elas (plástico, resina etc.)? Inseguranças semelhantes podem surgir na área da Internet of Things, ou em relação a blockchain e smart contracts, dentre outros.

 

Nós, advogados e advogadas, e possivelmente os ilustres ministros e ministras que decidirão a controvérsia, ainda não estamos familiarizados com as bases técnicas da Ciência da Informação. Contudo, seria temerário desconsiderá-las neste momento, sob pena de termos que revisitar o tema muito em breve, quando tais bases serão talvez de conhecimento amplo.

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t*Thiago Del Bel é advogado de Trench Rossi Watanabe e mestrando no European Legal Informatics Study Programme.

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