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Manual de Sobrevivência II

A sobrevivência das empresas e empregos depende da adaptação ao período recessivo da economia.

quinta-feira, 16 de abril de 2020

Atualizado às 17:44

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Prevaleceu o racional. Ao reconsiderar a liminar anterior admitiu o ministro Ricardo Lewandowski, como negócio jurídico lícito, o acordo bilateral entre empregado e empregado para a redução do salário e da jornada.

São duas as Medidas Provisórias que tratam da matéria. Ambas com numerosos artigos, incisos e parágrafos. A burocracia governamental não perde o hábito de legislar de forma minuciosa. Talvez acredite que, multiplicando a quantidade de regras, elimina dúvidas e conflitos de interpretação. Por outro lado, ignora a capacidade de autocomposição das partes. Micro e pequenos empregadores do comércio de roupas, calçados, joias, bijuterias, veículos automotores, já se compuseram com empregados comissionistas, postos em quarentena, pagando-lhes salário base ou salário mínimo, sem as comissões. 

As MPs deveriam ter sido redigidas para serem compreendidas por empregadores e empregados. "Se a lei não for certa não pode ser justa: (.....). Para ser, porém, certa, cumpre que seja precisa, nítida, clara", ensinou Rui Barbosa. Legisladores de gabinete deveriam conhecer as lições sobre a arte de escrever legadas pelo jurisconsulto autor de a Réplica, obra pouco difundida entre acadêmicos de Direito.

O acordo ajustado pelas partes e fundamentado nas MPs deve ser escrito em estilo direto e simples, com palavras que integrem o vocabulário do trabalhador. Parágrafos curtos, sem complicados desdobramentos em incisos e letras. Acredito ser possível redigi-lo em uma só folha. Antiga professora de português me ensinou que escrever bem é cortar palavras. O documento trará a identidade das partes, a função, o salário e o horário de trabalho do empregado. A cláusula de redução salarial será complementada pelo prazo de duração de dois meses. Na linguagem do Código Civil, é fundamental que as partes reconheçam que procedem de acordo com "os princípios de probidade e boa-fé" (Art. 422). Quando assim não acontece, nenhum documento proporciona segurança jurídica.

Como produtos de situação relevante e urgente as Medidas Provisórias não abrem espaço a negociações. O trabalhador deve estar convencido da necessidade de concordar com a proposta patronal, modelada pela Medida Provisória 936. Não será fruto de imposição, mas ato de inteligência. O Programa Emergencial de Manutenção de Emprego e Renda, objetiva "preservar emprego e renda". A sobrevivência das empresas e empregos depende da adaptação ao período recessivo da economia.

O Banco Mundial aponta a queda de 5% no PIB brasileiro em 2020, como resultado da maior recessão em 120 anos (O Estado, 13/4, Caderno B1). Já se ouve dizer que até dezembro poderemos ter 16 milhões de desempregados. A pandemia do coronavírus trouxe a reboque pandemia econômica. Noticiou a imprensa, nos últimos dias, que milhões de empresas procuram renegociar dívidas com bancos, enquanto outras pedem no Judiciário a revisão de contratos sob a alegação de motivo de força maior, "fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir" (Código Civil, Art. 393).

As Medidas Provisórias não encerram disposições sobre acordos de parcelamento de dívidas trabalhistas, celebrados antes da pandemia. No Brasil a crise econômica é antiga. Considero desnecessário descer a detalhes. O processo de desindustrialização se iniciou há mais de dez anos. É um dos responsáveis pela tragédia de 12 milhões de desempregados.

Com o objetivo de desencalhar centenas de milhares de sentenças, cuja execução se revelava impossível, o Tribunal Superior do Trabalho criou o Centro Judiciário de Métodos Consensuais de Solução de Disputas - Cejusc, instalado em grandes cidades sob a coordenação de juíza ou juiz do Trabalho. Acordos celebrados no ano anterior, quando era imprevisível a hecatombe mundial, estipulam pagamentos que, sob as atuais condições, as empresas jamais conseguirão honrar. Afinal, no estado de calamidade em que nos encontramos, tudo será feito para que a reconstrução econômica não venha a encontrar obstáculos intransponíveis, criados pela incapacidade de conciliar interesses comuns a patrões e empregados.

O 1º de Maio - Dia do Trabalho - não comportará celebrações. Estamos de luto pelos mortos e infectados. Com o desemprego e a pobreza em alta, não haverá o que comemorar. Se houver, será com a unidade entre capital e trabalho na busca de dias melhores para a humanidade.

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t*Almir Pazzianotto Pinto é ex-secretário de Relações do Trabalho de SP; ex-ministro do Trabalho; ex-presidente do TST.

 

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