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Impactos da pandemia coronavírus na cadeia contratual na área de entretenimento: flexibilização das cláusulas contratuais como forma de mitigar prejuízos

A pandemia instaurou uma a situação sem precedentes e, embora ainda seja cedo para fazer previsões sobre ao fim do isolamento social e a possibilidade de retorno às rotinas e ao lazer, não se duvida que nada será como nates.

sexta-feira, 17 de abril de 2020

Atualizado às 09:17

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Os fortes impactos da pandemia do coronavírus tem afetado toda a economia do país, e de forma bastante considerável o setor de entretenimento.

A indústria de entretenimento sem dúvidas é um universo bastante expressivo, normalmente operacionalizado por meio de contratos de serviços prestados de forma terceirizada, que, indubitavelmente foi o primeiro setor a parar e será o último a retomar suas atividades, tendo em vista que os eventos inegavelmente provocam a aglomeração de pessoas.

A Medida Provisória 948 publicada em 8 de abril de 2020 trata do cancelamento de serviços, reservas e eventos e visa garantir a sobrevivência dos prestadores de serviços ou sociedade empresarial, dando um respiro para o setor durante a pandemia.

De acordo com art. 2º da MP, em caso de cancelamento de serviços como pacotes turísticos, reservas de hospedagem, eventos, cinema, teatro, plataformas digitais de venda de ingressos, entre outros, o prestador de serviços ou a sociedade empresarial, definidos no art. 21 da lei 11.771/081, não serão obrigados a reembolsar imediatamente os valores pagos pelo consumidor, desde que ofereça a possibilidade de remarcação, disponibilização de crédito, abatimento na compra de outros serviços, ou, se formalizados, acordos.

Na webinar Direitos do Consumidor na pandemia - MP 948, promovida pelo Migalhas em 13/4/202, o advogado e professor Marcelo Sodré, aponta dúvidas acerca da segurança jurídica do consumidor.

Segundo o professor, talvez a maior insegurança estaria no prazo de 90 (noventa) dias, contados da vigência da MP, estipulado para o consumidor fazer a solicitação do reembolso sem custo adicional, taxa ou multa, bem como no prazo de 12 (doze) meses para que o referido crédito possa ser utilizado pelo consumidor, contado da data de encerramento do estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo 6/20.

Marcelo Sodré diz que é uma solicitação "de um futuro que é totalmente incerto para ele [consumidor] e que ele nem sabe como será esse futuro. Estamos vendo uma situação fática, caso furtuito e força maior, que realmente ocorreu, mas se coloca um prazo ao consumidor para ele tomar posições, em que ele tenha que tomar definições, talvez ele não tenha condições de tomar definições no prazo de 90 dias".

A Conselheira de Autorregulação da Febraban e Presidente do IPSConsumo, Juliana Pereira da Silva, destaca que "circunstâncias sui generis pede medidas sui generis", e que se trata de um "caso fortuito externo que atinge a relação de consumo inteira, tanto de um lado como de outro", mas não se pode esquecer da hipossuficiência dos consumidores.

Apesar de algumas vezes serem tratados como conceitos distintos, o caso fortuito e a força maior são regularmente percebidos como sinônimos. Em alguns casos podem ser diferenciados doutrinariamente, sendo o caso fortuito um evento que não pode ser previsto e nem evitado e a força maior um fato humano ou natural que pode ser previsto, mas não pode ser impedido.

Ainda hoje existem divergências doutrinárias acerca da matéria e das definições, mas ressalta-se que para fins de exclusão de responsabilidade civil, o art. 393 do Código Civil não distingue caso fortuito de força maior, conforme se observa:

Art. 393. O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado.

Parágrafo único. O caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir.

 Estes casos são entendidos como excludentes de responsabilidade, e verificam-se quando o contrato entabulado não pode ser cumprido por questões alheias às vontades das partes.

Vê-se que atualmente vivemos uma realidade, imposta pelas medidas de enfrentamento ao coronavírus, em que os eventos de entretenimento como normalmente eram produzidos tornaram-se inviáveis, ante a necessidade de isolamento social e a impossibilidade de aglomeração de pessoas.

Entendendo a pandemia como um caso de força maior, em razão da inovação que a questão apresenta e da imprevisibilidade do que está por vir, o esforço pelo equilíbrio contratual é extremamente necessário na tentativa de flexibilizar as questões previstas contratualmente e na tentativa de reduzir os impactos econômicos e financeiros na cadeia contratual dos eventos.

A pandemia tem atingido milhares de relações jurídicas de consumo, das mais diversificadas, e a Medida Provisória 948 é um norte para que consumidores, fornecedores, colaboradores e prestadores de serviço possam resolver as situações particulares com equilíbrio, mantendo a segurança jurídica que se espera das relações contratuais pautadas na boa-fé.

Segundo o ministro do Turismo, Marcelo Alvaro Antônio, a MP 948 resguarda 100% os direitos dos consumidores, ao mesmo tempo que conserva as empresas. Afirmou o Ministro que "em um momento adverso como este, é preciso trabalhar para que as perdas não sejam ainda maiores. É necessário pensar no depois também e garantir o direito dos consumidores e empreendedores e esse conjunto de medidas é para garantir o futuro do nosso turismo e da nossa cultura".

Ainda segundo o Ministro "todos os esforços do governo federal neste momento são para salvar as vidas dos brasileiros, mas precisamos cuidar para que esse setor, que é responsável por milhares de empregos no país, se torne sustentável após esse período de crise".

A Medida Provisória 948 assegura benefícios principalmente aos artistas já contratados que forem impactados por cancelamentos de eventos, uma vez que o art. 4º exclui a obrigação de reembolsar imediatamente os valores dos serviços ou cachês já pagos, desde que o evento seja remarcado no prazo de até 12 (doze) meses após decretado o fim da pandemia.

Muitos são os prestadores de serviços ou sociedades empresariais que poderão se valer dessas novas regras, no entanto, quanto mais se pensa no setor de entretenimento mais se percebe o quão vastas e diversificadas são as atividades econômicas relacionadas às modalidades de eventos e a cadeia contratual que os envolve, desde o seu planejamento até a sua realização.

Para a realização de eventos de entretenimento, amparados nas mais diversas modalidades de prestação de serviços, os contratos são utilizados em diversos momentos.

O segmento é bastante amplo e engloba desde a promoção de eventos, contratação de empresa produtora, artistas e staff, operação de bilheteria, comercialização de alimentos, bebidas, produtos promocionais, operação de casas de espetáculos, locação de equipamentos, venda de patrocínio até a contratação de prestação de serviços de limpeza, segurança e apoio médico.

Além da locomoção e acomodação do artista, que inclui hospedagem, transporte, passagens e alimentação, há toda a parte burocrática que envolve a realização do evento, como a liberação de alvarás e licenças necessárias, o recolhimento de impostos e taxas e a presença do corpo de bombeiros.

Há para a realização de um evento, seja ele de pequeno, médio ou grande porte, a contratação da prestação de serviços dos mais variados que, por exemplo, podem ir desde transporte, restaurantes e similares, garçons e cozinheiros, manobristas, cerimonialistas, hostess, locutor, decoração, locação de espaços apropriados para a realização do evento, equipamentos audiovisual, iluminação e apoio, locadoras de veículos, serviços de infraestrutura até a instalação e conservação de banheiros químicos.

Ao se considerar todos os agentes envolvidos nas atividades de entretenimento, não se olvida que o cancelamento de um evento possui efeito cascata em toda a cadeia contratual firmada com artistas, fornecedores, intermediários e colaboradores, refletindo, inclusive, nos consumidores.

Afinal, para cada serviço a ser prestado há um contrato, que deve conter cláusulas essenciais: qualificação completa das partes; delimitação do objeto; prazo do contrato e possibilidade de prorrogação, despesas, preço e condições de pagamento, bem como a delimitação das obrigações do contratante e do contratado, os ensejadores de extinção e rescisão contratual, multas e foro.

Ainda que um bom contrato de prestação de serviço contenha a previsibilidade das excludentes de responsabilidade civil, força maior e caso fortuito, jamais se imaginou uma crise econômica como a que vivemos hoje em razão da pandemia coronavírus.

Pensando na segurança das relações jurídicas de direito privado no período da pandemia, o PL 1.179 foi aprovado pelo Senado, mas ainda está em votação na Câmara dos Deputados.

Em seu art. 6º o PL 1.179 equipara os efeitos da pandemia ao caso fortuito e às hipóteses de força maior, ao mesmo tempo em que delimita o dia 20 de março de 2020, data da publicação do Decreto Legislativo 6/20, como termo inicial dos eventos derivados da pandemia do coronavírus (Covid-19).

No entanto, a experiência no âmbito dos contratos pede cautela e pronuncia que não há como se excluir, simples e automaticamente, a possibilidade de enquadramento da pandemia como caso fortuito e força maior a eventuais prejuízos decorrentes de obrigações não cumpridas antes de 20/3/20, especialmente em contratos de obrigações continuadas, com termo ou condições futuras.

No art. 7º o PL 1.179 ao dispor que "não se consideram fatos imprevisíveis, para os fins exclusivos dos art. 478, 479 e 480 do Código Civil, o aumento da inflação, a variação cambial, a desvalorização ou substituição do padrão monetário", prestigia o pacta sunt servanda e garante a liberdade das partes no exercício das atividades econômicas, harmonizando-se ao que dispõe a lei 13.874/19, da Declaração de Direitos de Liberdade Econômica.

Isso porque, de acordo com a teoria da imprevisão, a onerosidade excessiva é configurada pela ocorrência de fato inesperado e imprevisível posterior à assinatura do contrato, que quando ocorre, transforma o cumprimento da obrigação extremamente oneroso para uma das partes e traz vantagem desproporcional para a outra.

Dessa forma, no intuito de resguardar os contratantes, os arts. 4783, 4794 e 4805 do Código Civil versam sobre a possibilidade de resolução do contrato e de reajuste das prestações em razão de fatos extraordinários e imprevisíveis.

Considerando as peculiaridades do segmento, a melhor solução para mitigar os prejuízos suportados por todos os envolvidos na cadeia contratual do serviço de entretenimento é a composição, a partir de uma revisão empática das cláusulas contratuais, repactuando-se aquelas que eventualmente resultariam numa maior onerosidade, a fim de manter o equilíbrio da relação contratual e mitigar os possíveis prejuízos causados pela pandemia.

Afinal, a pandemia instaurou uma a situação sem precedentes e, embora ainda seja cedo para fazer previsões sobre ao fim do isolamento social e a possibilidade de retorno às rotinas e ao lazer, não se duvida que nada será como nates.

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1 Lei 11.771/08. Art. 21.  Consideram-se prestadores de serviços turísticos, para os fins desta Lei, as sociedades empresárias, sociedades simples, os empresários individuais e os serviços sociais autônomos que prestem serviços turísticos remunerados e que exerçam as seguintes atividades econômicas relacionadas à cadeia produtiva do turismo: I - meios de hospedagem; II - agências de turismo; III - transportadoras turísticas;  IV - organizadoras de eventos;  V - parques temáticos; e VI - acampamentos turísticos.

Parágrafo único.  Poderão ser cadastradas no Ministério do Turismo, atendidas as condições próprias, as sociedades empresárias que prestem os seguintes serviços: I - restaurantes, cafeterias, bares e similares; II - centros ou locais destinados a convenções e/ou a feiras e a exposições e similares; III - parques temáticos aquáticos e empreendimentos dotados de equipamentos de entretenimento e lazer; IV - marinas e empreendimentos de apoio ao turismo náutico ou à pesca desportiva; V - casas de espetáculos e equipamentos de animação turística; VI - organizadores, promotores e prestadores de serviços de infra-estrutura, locação de equipamentos e montadoras de feiras de negócios, exposições e eventos; VII - locadoras de veículos para turistas; e VIII - prestadores de serviços especializados na realização e promoção das diversas modalidades dos segmentos turísticos, inclusive atrações turísticas e empresas de planejamento, bem como a prática de suas atividades.

2 webinar Direitos do Consumidor na pandemia - MP 948, promovida pelo Migalhas em 13.4.2020, disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=HmS2Rs6GtLE. Acessado em 15.4.2020.

3 Código Civil. Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação.

4 Código Civil. Art. 479. A resolução poderá ser evitada, oferecendo-se o réu a modificar eqüitativamente as condições do contrato.

5 Código Civil. Art. 480. Se no contrato as obrigações couberem a apenas uma das partes, poderá ela pleitear que a sua prestação seja reduzida, ou alterado o modo de executá-la, a fim de evitar a onerosidade excessiva.

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*Carla Louzada Marques Carmo, Bárbara do Nascimento Pertence e Flavia Stella Cardoso são sócias do Petrarca Advogados.

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