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Estamos sobrevivendo? E, depois? Se não regenera, degenera: Reflexões sobre a pandemia do covid-19

O invisível maldito, nem tão maldito assim, talvez, mostrou a falência do sistema de saúde e a alma negra daquele oportunista que se aproveitou para aumentar o preço do produto considerado essencial para o momento.

quinta-feira, 23 de abril de 2020

Atualizado às 14:34

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A pandemia está fazendo emergir uma situação muito bem definida. A globalização parece não ter alcançado as percepções do Poder Político Nacional. Enquanto o mercado macro global subjuga a economia dos países desenvolvidos ou em desenvolvimento, o covid-19 impõe a tomada de decisões medíocres e despreparadas por parte dos gestores governamentais.

A ausência de técnica, preparo e treinamento, torna as medidas até então adotadas para o enfrentamento desse evento de emergência e magnitude global um verdadeiro desencontro de medidas.

A despeito da ausência de multidisciplinaridade para lidar com um problema complexo e multidisciplinar, o problema invoca, no mínimo, adequadas medidas de coordenação e controle afiliadas simetricamente pela Federação.

O desencontro das informações assenhoradas pelas malditas "fake news" leva o Estado e a Sociedade Global à uma crise produtiva. Dessa forma, a revelação: mais grave que uma crise financeira nos Estados Nacionais, é uma crise produtiva, porquanto, a contradição: a pretexto da preservação da vida, prejudica-se a vida.

Em parte, nos alinhamos a Badiou1, pensador francês, quando afirma que não há ineditismo na pandemia do covid-19. Nada que não tenhamos enfrentado antes, como a febre hemorrágica suína, a Síndrome Aguda Respiratória (SARS), H1N1, ou o HIV. A situação de hoje não é pior que a gripe espanhola (influenza)2 de 1918, que infectou 500 milhões de pessoas, trazendo a reboque, em 2009, nova pandemia.

Não se nega aqui que o assunto é sério, o vírus é mortal, todavia, não podemos negar que as crises humanitárias nos chamam à Solidariedade. Nos revelam valores esquecidos ou adormecidos no tempo, como lavar as mãos e alimentar um pobre coitado com fome.

Os seres são assim, sua empatia aflora em momentos de dificuldade e sofrimento comum. Agamben3 diz que a vida está encarcerada na sua própria masmorra biológica. A despeito disso, nada mais importa. Os aspectos políticos, socais, emocionais e até jurídicos, são relegados a segundo plano em razão da ameaça invisivelmente letal que paira sobre o planeta.

Ou seja, estamos sobrevivendo, de uma maneira confortável, é verdade, mas estamos sobrevivendo. Quem experimentou adoecer nessa pandemia sabe o preço que pagou para o obscuro "ser" viral invisível.

Isso sem contar toda a exposição preconceituosa que envolveu aqueles que adoeceram. Mas isso não vem ao caso.

A questão é como viver depois? O Pensador Edgar Morin4 afirma categoricamente que diante da crise ambiental em que vive a humanidade, não entenda ambiental como ecológica, mas em qualquer ambiente, inclusive sua residência, o que não regenera, degenera.

Então, o que será da Humanidade se esta for reduzida à nudez social, na qual a sobrevivência é o principal valor humano a viger, indaga Agamben.

Talvez seja exagero, mas a assertiva não deixa outra alternativa, senão, a observação criteriosa de tudo que ao redor está ocorrendo.

Os fenômenos relativistas da ordem estatal que a pretexto de proteger, prendem, agridem, vilipendiam e relativizam direitos e garantias fundamentais, direito sagrado de cada cidadão, deixam evidente, o soberano5 tem o poder e dele faz o que bem entende, justificado que está, pelo corpo do Leviatã6 e seu interesse público, coletivo, de bem comum.

Aqueles que teriam a missão equilibrada de balancear o Sistema, embatem por suas decisões, proferidas na Corte. Não seria um verdadeiro Estado de Exceção?

Relativamente sim, porquanto, a intervenção do Estado, a pretexto de proteger o cidadão, tem ganhado tamanha dimensão que a sociedade corre atordoada sob os alto-falantes que gritam nas redes sociais o que deve e o que não se deve fazer. Mas, e depois?

A pandemia do covid-19 mudou o jeito, a forma, o modus de viver. Alterou a percepção que a sociedade tem e o conceito de otimização de meios e recursos. Obrigou todos ao rápido aprendizado e adaptação às diversas formas de tecnologias e instrumentos. O que era burocrático, se obrigou a desburocratizar.

A vida passou a ter valor e, do totalitarismo de Hitler, Stalin, Mao Tse, passamos ao capitalismo predatório econômico que considera a vida apenas um número e, por conseguinte, não obstante aquilo, voltamos a compreender no curso da crise produtiva, que a vida tem valor.

Mas, na retórica de enfrentamento predomina a opinião dos valoroso profissionais da medicina. Não se pode desprezar tais contributos, porém, uma crise de complexidade global que impacta e deixa marcas além do setor da saúde, não deveria ser enfrentada com várias forças? Por que desprezar a opinião dos cientistas da criminologia? Sociologia? Antropologia? Ou Ciência Política?

O assunto demanda o enfrentamento macro global de interação nacional em cada Estado-Nação, haja vista que tudo serve, tudo cede, aos apelos e conceito da globalização.

Certo é que cada indivíduo, teologicamente considerado "Semelhante", não pode ser tratado como um hospedeiro em potencial, transmissor da morte em dimensões globais. Sua essência é divina, Una, portanto, não é só a saúde do ser humano que está ameaçada, mas, todo seu modo de vida.

Muito embora, a situação demonstre que o caminho está na efetiva solidariedade, é imperiosa a descoberta dos valores humanitários, os quais permitem a compreensão redutível das desigualdades reveladas e potencializadas com a pandemia. Se o amor constrói, a dor consolida.

O invisível maldito, nem tão maldito assim, talvez, mostrou a falência do sistema de saúde e a alma negra daquele oportunista que se aproveitou para aumentar o preço do produto considerado essencial para o momento. Mostrou ainda, a incapacidade dos gestores de gerir com eficiência, eficácia e efetividade a coisa, não só a pública, mas todas as coisas.

Assim, estamos sobrevivendo. E, depois? Se não regenera, degenera.

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1 FELTHAM, Oliver. Alain Badiou: live theory. A&C Black, 2008. Disponível aqui. Acesso em 13/4/2020. Tradução livre.

2 BERTOLLI FILHO, Cláudio. A gripe espanhola em São Paulo, 1918. São Paulo: Paz e Terra, 2003, p. 89-95.

3 AGAMBEN, Giorgio. Estado de exceção. 2.ed. Tradução de Iraci D. Poleti. São Paulo:  Boitempo, 2004. Disponível aqui. Acesso em 13/4/2020.

4 MORIN, Edgar. O método 1: a natureza da natureza. Tradução de Ilana Heineberg. Porto Alegre: Editora Sulina. 2016. Título original: La Méthode 1. La nature de la nature.

5 SCHMITT, Carl. Teologia política. Tradução de Elisete Antoniuk. Belo Horizonte: Editora Del Rey, 2006. Disponível aqui. Acesso em 13/4/2020.

6 HOBBES, Thomas. Leviatã: ou matéria, forma e poder de um Estado eclesiástico e civil. Tradução Rosina D'Angina. São Paulo: Martin Claret, 2014. Título original Leviathan.

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*Aulus Eduardo T Souza é doutorando em Ciência Jurídica pela UNIVALI em dupla titulação com a Universidade d'Alicante-ESP. Mestre em Direito (UCS). Especialista em Direito Constitucional e Administrativo; e Direito e Processo Tributário (Estácio). Membro do Instituto dos Advogados de Santa Catarina (IASC). Membro da Academia Catarinense de Letras Jurídicas (ACALEJ). Membro da Comissão de Direito Constitucional da OAB/SC. Membro do Instituto Internacional de Compliance. Membro do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC). Procurador Estadual de Prerrogativas da OAB/SC. CEO da EDS Eduardo Souza Advogados Associados.

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