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Aspectos regulatórios das linhas temporárias especiais de liquidez anunciadas pelo Banco Central

Com essas novas medidas, o Banco Central espera oferecer a liquidez necessária para que o Sistema Financeiro Nacional possa enfrentar o aumento da demanda por crédito em decorrência da covid-19.

segunda-feira, 27 de abril de 2020

Atualizado às 08:23

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Para combater os efeitos na economia causados pela pandemia do novo coronavírus, o Banco Central lançou um conjunto de novas medidas com a finalidade de aumentar a liquidez do Sistema Financeiro Nacional. Dentre essas medidas, foram anunciadas duas Linhas Temporárias Especiais de Liquidez, chamadas pelo Banco Central de LTELs: (I) a Linha Temporária Especial de Liquidez - Debêntures (LTEL-Debêntures); e (II) a Linha Temporária Especial de Liquidez - Letra Financeira Garantida (LTEL-LFG).

A disponibilização de linhas de liquidez a instituições financeiras já é uma prática comum entre muitos bancos centrais ao redor do mundo, como mecanismo para contribuir para a credibilidade da moeda e a estabilidade do sistema financeiro. No Brasil, tradicionalmente, isso até então era feito pelo Banco Central por meio das operações de redesconto, as quais são uma espécie de linha de liquidez oferecida pelo Banco Central às instituições financeiras com conta de reservas bancárias e conta de liquidação. No entanto, as duas novas LTELs possuem um escopo muito mais abrangente.

Linha Temporária Especial de Liquidez - Letra Financeira Garantida

As letras financeiras são instrumentos de captação, emitidos sob a forma escritural, mediante registro em sistema de registro e de liquidação financeira de ativos autorizado pelo Banco Central. Criadas em 2009, as letras financeiras são muito utilizadas por instituições financeiras como um título de captação de longo prazo junto a investidores privados. Atualmente, sua emissão é regida pela lei 12.249, de 11 de junho de 2010, conforme regulamentada pela resolução CMN 4.733, de 27 de junho de 2019.

Em 2 de abril de 2020, o Conselho Monetário Nacional (CMN) editou a resolução CMN 4.795, instituindo a LTEL-LFG e autorizando o Banco Central a adquirir, no mercado primário, letras financeiras emitidas por determinadas instituições financeiras, dentro das condições previstas na nova norma. A medida é destinada apenas a bancos múltiplos, bancos comerciais, bancos de investimento, caixas econômicas e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), titulares de Conta Reservas Bancárias. Letras financeiras emitidas por bancos que não forem titulares de Conta Reservas Bancárias ou outras instituições como, por exemplo, sociedades de crédito, financiamento e investimento (SCFI), conhecidas como "financeiras", não poderão ser adquiridas pelo Banco Central se não houver alteração da regulamentação.

Para disciplinar o procedimento operacional para a emissão das LTEL-LFGs, o Banco Central publicou a circular 3.996, de 6 de abril de 2020, a carta circular 4.024, de 9 de abril de 2020, a carta circular 4.025, de 13 de abril de 2020 e, ainda, as cartas circulares 4.032 e 4.033, ambas de 17 de abril de 2020.

Como uma medida temporária e excepcional para combater os efeitos da covid-19 na economia, a aquisição de LTEL-LFG pelo Banco Central estará disponível até 31.12.20. Ainda de acordo com o cronograma anunciado pelo Banco Central, a solicitação dessa nova linha poderá ser feita pelas instituições a partir de 20 de abril, sendo que as instituições terão até 30 de abril para efetuar a primeira solicitação, que está limitada a 50% do montante do Patrimônio de Referência da instituição ou de seu conglomerado prudencial, conforme o caso. Nos meses seguintes, as instituições poderão realizar novas solicitações, seguindo o cronograma estabelecido na Circular 3.996 e observado o limite máximo total de 100% do Patrimônio de Referência.

Ao contrário das letras financeiras emitidas por instituições financeiras a investidores privados, que possuem prazo de vencimento mínimo de 24 meses, as novas LTEL-LFGs poderão ser emitidas com prazos de vencimento mínimo de 30 e máximo de 359 dias corridos. Esse prazo reduzido foi possível em razão da mudança na lei 12.249 trazida pela recente medida provisória 930, de 30 março de 2020 que, dentre outros assuntos, autorizou o CMN a dispor sobre a emissão de Letra Financeira com prazo de vencimento inferior a 12 meses.

A garantia exigida pelo Banco Central para as LTEL-LFGs consiste em uma cessão fiduciária de ativos financeiros ou valores mobiliários, nos termos do art. 66-B da lei 4.728, de 14 de julho de 1965, que sejam elegíveis de acordo com os critérios estabelecidos pela Resolução 4.795 e demais normas editadas pelo Banco Central. Serão aceitos os seguintes ativos financeiros ou valores mobiliários: (I) operações de crédito; (II) operações de arrendamento mercantil; (III) outras operações com característica de concessão de crédito; (IV) debêntures que não tenham cláusula de subordinação ou conversão em ações e que não sejam emitidas por empresas financeiras ou por empresas direta ou indiretamente controladas por instituições financeiras ou controladoras de instituições financeiras; e (V) notas comerciais que não sejam emitidas por empresas financeiras ou por empresas direta ou indiretamente controladas por instituições financeiras ou controladoras de instituições financeiras.

O processo que deve ser seguido pelas instituições financeiras para obtenção da LTEL-LFG, em linhas gerais, se inicia com o envio ao Banco Central de determinados documentos, incluindo o instrumento contratual de cessão fiduciária celebrado pela instituição emissora, de acordo com a minuta padrão instituída pelo Banco Central. Na sequência, é necessário o registro em entidade registradora ou depósito em depositário central dos ativos que serão objeto da garantia, seguido do registro da cessão fiduciária, também na respectiva registradora ou depositária central. O Banco Central, então, avaliará as garantias que lhe foram concedidas e comunicará à instituição o valor correspondente à abertura do limite de crédito, podendo a instituição financeira interessada solicitar a operação ao Banco Central dentro desse limite fixado pelo Banco Central. Após a autorização do Banco Central, a instituição financeira deve providenciar a emissão da letra financeira. O prazo de liquidação financeira estabelecido pelo Banco Central é de até dois dias úteis após tal emissão.

O processo de emissão das LTEL-LFG dependerá do envolvimento de entidades registradoras ou depósitos em depositário central dos ativos. Nesse sentido, algumas dessas entidades, como a B3, já estão adequando os seus procedimentos operacionais para tanto.

As novas normas preveem, ainda, que apenas serão aceitos em garantia ativos financeiros ou valores mobiliários classificados nos níveis de risco AA, A e B e que atendam aos demais critérios de elegibilidade estabelecidos em tais regras. Os ativos dados em garantia deverão cobrir de 120% a 170% do valor da Letra Financeira, a depender de sua espécie, classificação e operações de crédito realizadas pelo seu devedor. Ainda, ao longo de todo o prazo da operação, o valor total da garantia deverá ser superior ao valor da Letra Financeira emitida, devendo ser reforçada em caso de valor inferior, sob pena de a instituição financeira ser obrigada a efetuar o resgate total antecipado da Letra Financeira.

A resolução 4.795 e a circular 3.996 também estabelecem determinados ativos que não poderão ser aceitos como garantia, incluindo, entre outros, aqueles considerados problemáticos ou relacionados a operações renegociadas ou em cobrança judicial. Em 16.04.20, o Banco Central ampliou este rol, por meio da circular 4.004, que proibiu a utilização como garantia de ativos oriundos de operações realizadas com partes relacionadas.

Por fim, destacamos algumas outras condições previstas na Resolução 4.795 e na circular 3.996: (I) as LTEL-LFGs deverão possuir um único pagamento de resgate, na data de vencimento do título; (II) os juros das LTEL-LFGs deverão corresponder à Taxa Selic somada ao spread de 0,60% a.a. fixado pelo Banco Central; (III) os ativos financeiros ou valores mobiliários garantidores poderão ser substituídos por outros ativos financeiros ou valores mobiliários elegíveis, mediante anuência formal do Banco Central.

Linha Temporária Especial de Liquidez - Debêntures

A outra espécie de LTEL, a LTEL-Debêntures, foi instituída por meio da edição, pelo CMN, da resolução 4.786 em 23 de março de 2020. Tal norma autoriza o Banco Central a conceder empréstimos a bancos múltiplos, bancos comerciais, bancos de investimento e caixas econômicas com lastro em debêntures (títulos privados) adquiridas por essas instituições no mercado secundário.

Para que sejam aceitas como garantia dessas operações de empréstimo, as debêntures devem:

  • ter como emissor sociedades anônimas que não sejam instituição financeira, nem empresas direta ou indiretamente controladas por instituições financeiras ou controladoras de instituições financeiras;
  • não ser emitidas por entidades que atuem como veículo de securitização de créditos;
  • não ter cláusula de subordinação ou conversão em ações;
  • ser emitidas de forma escritural e estar depositadas em depositário central autorizado pelo Banco Central ou pela Comissão de Valores Mobiliários, em consonância com a lei 12.810, de 15 de maio de 2013;
  • apresentarem fluxo de caixa com regras de pagamento de juros e amortização de baixa complexidade, de forma a permitir seu apreçamento por modelo do Banco Central do Brasil;
  • não terem sido adquiridas anteriormente à data de publicação da resolução 4.786 (i.e., 23 de março de 2020) pela instituição requerente do empréstimo, nem por qualquer entidade integrante do conglomerado da instituição requerente do empréstimo.

Outra condição prevista na norma que merece destaque é que, além de serem garantidos pelas debêntures, os empréstimos devem ser garantidos por recursos que as instituições financeiras mantêm compulsoriamente em suas contas de reservas no próprio Banco Central, em montante equivalente a, no mínimo, o total das operações. A intenção é eliminar o risco da operação para a autoridade monetária. Por outro lado, essa exigência pode criar dificuldades para que instituições financeiras tenham capacidade de obter a LTEL-Debêntures, a depender do volume de compulsório que possuam.

O Banco Central estabeleceu para as operações de empréstimo de LTEL-Debêntures a cobrança de encargos diários correspondentes à aplicação, sobre o saldo devedor, de uma taxa correspondente à Taxa Selic acrescida de 0,10% ao ano.

As operações de empréstimo previstas na resolução 4.786/20 estarão disponíveis para contratação pelas instituições financeiras até 30 de abril e poderão ser contratadas por um prazo de até 125 dias úteis, admitindo-se, a critério do Banco Central, uma prorrogação por até 125 dias úteis, observado o prazo total máximo de 359 dias corridos.

Com essas novas medidas, o Banco Central espera oferecer a liquidez necessária para que o Sistema Financeiro Nacional possa enfrentar o aumento da demanda por crédito em decorrência da covid-19. O Banco Central estima que a elegibilidade de créditos para as operações de LTEL-LFGs seja da ordem de R$650 bilhões. Já no caso da LTEL-Debêntures, de acordo com o Banco Central, o potencial de liberação de crédito no mercado é de R$ 91 bilhões.

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*José Luiz Homem De Mello é sócio do escritório Pinheiro Neto Advogados.

*Leonardo Baptista Rodrigues Cruz é sócio do escritório Pinheiro Neto Advogados.

*Tatiana Mello Guazzelli é associada do escritório Pinheiro Neto Advogados.






*Este artigo foi redigido meramente para fins de informação e debate, não devendo ser considerado uma opinião legal para qualquer operação ou negócio específico. 

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