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Direito de Família em tempos de pandemia: Como encontrar o bom senso?

É inevitável que surjam dúvidas e divergências entre pais e mães no que tange às responsabilidades, direitos e deveres na relação com os filhos.

quarta-feira, 29 de abril de 2020

Atualizado às 09:52

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A pandemia de covid-19 vem causando profundas mudanças nas dinâmicas sociais e econômicas, com impactos imediatos nas relações familiares. As famílias, em suas mais diversas composições, estão tendo que se adaptar à nova rotina imposta pelo isolamento social e demais medidas de prevenção, que oscilam diante das inúmeras incertezas da comunidade médico-científica na corrida contra o tempo para desvendar o desconhecido.

E nesse cenário de tantas alterações, é inevitável que surjam dúvidas e divergências entre pais e mães no que tange às responsabilidades, direitos e deveres na relação com os filhos. Parece fácil presumirmos que ambos os genitores buscarão sempre o melhor interesse de sua prole e que, portanto, são as pessoas certas para definir os ajustes de rotina para o enfrentamento desse momento de crise. Mas o que parece obvio não é tão simples assim, especialmente quando o par parental não é mais (ou nunca foi) um casal, tendo o(s) filho(s) menor(es) como único vínculo e o diálogo prejudicado em razão da inevitável carga emocional gerada pelo fim do relacionamento. Torna-se muito difícil encontrar o tão falado bom senso quando não há sequer consenso das autoridades públicas quanto às diretrizes das medidas preventivas.

O papel do advogado, como primeiro juiz da causa (Francesco Carnelutti), ganha relevo ainda maior nesse contexto em que o grande estresse emocional das partes as impede de visualizar uma composição. Não há dúvidas de que repactuações são necessárias em qualquer que seja o arranjo anteriormente estabelecido (por consenso ou decisão judicial) para a convivência com os filhos, na medida em que as atividades profissionais e escolares sofreram alterações significativas. Todavia, é certo também que a pandemia, por si só, não é fundamento suficiente para a suspensão automática da convivência dos filhos com um dos genitores. A proteção integral às crianças e aos adolescentes é uma garantia constitucional (art. 227, CF). O direito à convivência com os genitores, detalhado pelas leis infraconstitucionais (arts. 1579, 1588, 1632 e 1636 Código Civil e art. 19 do ECA) deve ser resguardado, sob pena de gerar mais inseguranças e medos além daqueles já disseminados pelo pânico da pandemia.

Ainda que diante de uma situação extrema, a análise cuidadosa de cada caso é imprescindível para a definição do que se mostra mais razoável para determinada família, neste momento em que escolhas difíceis tem que ser feitas. Não pode haver uma solução padrão para situações que tanto se diferenciam a depender, por exemplo, da idade e do estado de saúde da criança, do atual contexto das atividades profissionais dos genitores, da existência de membros da família que se enquadram no grupo de risco da doença. Enfim, as peculiaridades e as dificuldades são inúmeras e exigirão dos operadores do direito sensibilidade e cautela para que a saúde (física e emocional) de nossas crianças e adolescentes sejam preservadas em meio aos conflitos que circundam a regulamentação do convívio com os genitores neste momento trágico vivenciado por todos.

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t*Fernanda Pederneiras é advogada e membro do Escritório Professor René Dotti.

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