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Efeitos e problemas da lei 13.994/20 sobre o procedimento nos Juizados Especiais

Na data de autoria deste texto, 27/4, adveio a lei 13.994 que, ao alterar a lei 9.099/95, finalmente autoriza a realização da audiência de conciliação por meios eletrônicos e, ao mesmo tempo, cria curiosas perplexidades.

terça-feira, 28 de abril de 2020

Atualizado às 15:15

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Há anos demais, a conciliação encampada no cotidiano do rito sumaríssimo tem tido como exceção a postura ativa do conciliador em uma atividade promotora do entendimento mútuo. Com ênfase na dinâmica consumerista, tão massificada no proceder judicial quanto na vida, não raro o intuito conciliatório se vê resumido à quase clama do Poder Judiciário ao representante do fornecedor demandado em um robotizado "tem proposta de acordo, Dr(a).?".

Comparado ao sistema de manifestação prévia das partes que institui o art. 334, § 4º, inciso I, CPC/2015, no qual o desinteresse de ambas torna dispensável a assentada, o entendimento pela imprescindibilidade da audiência nos Juizados Especiais vem se provando de um formalismo mais rigoroso que o do procedimento ordinário, fulminando o princípio da simplicidade da Lei nº 9.099/95.

Em 2015, com o advento do atual Código de Processo Civil, de aplicação subsidiária aos procedimentos especiais, o Poder Judiciário teve a oportunidade de se modernizar sem negar a premissa da ocorrência obrigatória da conciliação. Bastava reconhecer a aplicação supletiva da previsão de realização eletrônica (art. 334, § 7º, CPC) e esquecer a interpretação histórica de que "comparecimento em audiência" equivale à presença física, fruto de um tempo em que esta era a única opção.

Ancorada em um princípio de oralidade cuja interpretação tem levado à exigência ultrapassada de presença pessoal das partes, foram necessários 25 anos de vigência e uma pandemia que já mumificou suas estruturas por 40 dias para se provar o anacronismo da Lei nº 9.099/95.

Na data de autoria deste pequeno texto, 27 de abril de 2020, adveio a Lei nº 13.994 que, ao alterar a Lei nº 9.099/95, finalmente autoriza a realização da audiência de conciliação por meios eletrônicos e, ao mesmo tempo, cria curiosas perplexidades. Diz-se, em especial, face ao novo art. 23, segundo o qual "Se o demandado não comparecer ou recusar-se a participar da tentativa de conciliação não presencial, o Juiz togado proferirá sentença".

Entre outras possíveis interpretações, uma das que se pode extrair do novo caput do art. 23 da Lei nº 9.099/95 é o de que a expressão "não comparecer" se conecta com "a tentativa de conciliação não presencial", de modo que os fatos do meio virtual finalmente veem seu reconhecimento para este rito processual. É dizer, ainda que virtualmente, a presença do demandado para o intuito conciliatório finalmente se passará a enxergar como "comparecimento", ampliando o sentido desta hipótese para vários dos efeitos normativos.

A título de exemplo, visto o novo dispositivo desta forma, então, além do julgamento da lide sem instrução, se atrairia o efeito da confissão ao demandado que não compareça e também repercutiria sobre a posição processual do demandante que, falhando em comparecer à audiência virtual, terá como regra o arquivamento da sua queixa e o pagamento de custas processuais.

Contudo, conectar a expressão "comparecer" ao meio indicado no art. 23, que agora específica ser apenas o não presencial, por mais estranho que soe, significaria que não há mais fundamento legal para o julgamento conforme o estado do processo quando o demandado se ausentar nas audiências presenciais. Se assim for, embora a ausência à audiência presencial continue a ensejar confissão ficta (art. 20), ao revel que comparece ao processo ainda caberia a produção de provas durante a instrução, como o é no rito ordinário.

Seria superável esta repercussão lógica sobre a ausência nas audiências presenciais se o intérprete considerar o "não comparecer" do art. 23 como uma condição autônoma, geral e independente do complemento da oração, de modo a abarcar qualquer tipo de não comparecimento. A alternativa para evitar tal efeito soa ainda mais estranha.

No mais, agora que há dois tipos de audiência conciliatória, é no mínimo curiosa uma segunda interpretação, complementar, que partiria da escolha legislativa consciente de distinguir o ato de "não comparecer" daquele de "recusar-se a participar" da sessão virtual, quando, ao final, o demandado seria peça faltante em qualquer dos casos.

Isto porque, se tomada a distinção como proposital, então, quando o demandado apenas não comparecer à sessão virtual, haverá dois efeitos: i) o impedimento à juntada da defesa; ii) a aplicação da confissão de que trata o art. 20; e iii) o julgamento conforme o estado do processo do art. 23.

Contudo, sob a mesma premissa de diferenciação, quando a ausência do demandado se qualificar pela recusa expressa em participar da audiência virtual, haverá hipótese distinta da do art. 20, que delimita seus efeitos apenas ao não comparecimento. Com isto, a única consequência seria o julgamento antecipado e o tolhimento da instrução processual, mas, resguardado o direito do réu à apresentação de contestação e à produção de prova documental.

Embora o ponto de contato em ambas seja, finalmente, a premissa de que o ato de "comparecer" à audiência é circunstância expressamente realizável também por meio digital, ambas as linhas trazem problemas interpretativos desnecessários ao procedimento pretensamente mais simples dos Juizados Especiais.

Desde o advento do CPC/2015, a aplicação supletiva do art. 334, §§ 7º e 8º já revelaria a possibilidade de fazer audiências por via digital e demonstravam que o sentido de "comparecer" seria também realizado por este meio. Não fosse a reticência dos aplicadores do direito em interpretar as normas sob a forma de sistema, sem criação de nenhum dos problemas aqui suscitados.

Isto e a falta de qualquer menção à presença física na Lei nº 9.099/95 nos mostram aqui que, além de criar novas complexidades para um rito que se pretendia simples, o verdadeiro mérito da Lei nº 13.994/2020 é apenas um: certificar o óbvio.

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*Leandro Aragão Werneck é advogado (OAB/BA 43.661) e professor universitário. Sócio do Aragão Werneck Advogados Associados. Doutorando e Mestre em Direito (UFBA), especialista em Direito Tributário (IBET), Autor das obras "Situações jurídicas tributárias" (2018), "O princípio sistêmico da tipicidade tributária" (2018) e de diversos artigos publicados. 

*José Manuel Fonseca Martinez é advogado (OAB/BA 65.489). Sócio do Aragão Werneck Advogados Associados. Pós-graduando em Direito Tributário (IBET). t

 

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