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Decisões do TST sobre a covid-19

A observância dos posicionamentos do TST é de grande importância, tendo em vista o papel dessa corte de definir a interpretação sobre matéria trabalhista em âmbito nacional.

quarta-feira, 29 de abril de 2020

Atualizado às 11:07

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Um dos principais pontos afetados pela pandemia da covid-19 é a relação trabalhista. Não coincidentemente, o debate em torno da política de enfrentamento da pandemia reside em uma ponderação entre conter a propagação do vírus e preservar a atividade empresarial e os empregos. Surpreendidos com as novidades, vivem, empregados e empregadores, um momento de indagação.

Algumas questões trabalhistas relacionadas ao coronavírus já foram decididas pelo TST, notadamente pela ministra presidente e pelo corregedor-geral da Justiça do Trabalho1. A observância dos posicionamentos do TST é de grande importância, tendo em vista o papel dessa corte de definir a interpretação sobre matéria trabalhista em âmbito nacional.

A seguir, serão relatados os casos decididos pelo TST.

Em dissídio coletivo de natureza jurídica, a vice-presidência do TRT da 2ª Região (São Paulo), por meio de liminares, liberou das atividades presenciais os empregados metroviários e terceirizados incluídos em grupos de risco de contágio da covid-19 (idosos com 60 anos ou mais, hipertensos, cardíacos, asmáticos, doentes renais e fumantes com deficiência respiratória e quadro de imunodeficiência) e determinou o fornecimento de material de proteção individual (álcool em gel e máscara) para os demais empregados, inclusive sob pena de multa diária cumulativa de R$ 50.000,00 em caso de descumprimento de cada uma das determinações.

Diante disso, a Companhia do Metropolitano de São Paulo (Metro) e o Estado de São Paulo formularam pedido de suspensão de liminar à ministra Maria Cristina Peduzzi, presidente do TST, que o acolheu para suspender os efeitos das decisões impugnadas.2

Fundamentou, a ministra presidente, que as obrigações impostas são próprias de demandas condenatórias e não se coadunam com o dissídio coletivo de natureza jurídica, o qual abrange apenas pretensão declaratória destinada a interpretar norma geral, nem com os dissídios coletivos de natureza econômica. Além disso, entendeu que o suscitante do dissídio, sindicato representante dos trabalhadores de empresas de transportes metroviários e em empresas operadoras de veículos leves sobre trilhos, não tem legitimidade para representar os empregados terceirizados. Por fim, registrou que a multa e as despesas geradas pelas determinações gerariam impacto direto no erário estadual (o Metro é empresa pública dependente), podendo comprometer os esforços financeiros destinados ao combate da pandemia.

No mesmo sentido, a decisão proferida em pedido de suspensão de liminar feito pelo Estado de São Paulo e pela Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM).3

Em outro caso, o TRT da 1ª Região (Rio de Janeiro), julgando mandado de segurança, manteve liminar que determinou o fornecimento individualizado de máscaras, luvas, talheres, copos e pratos descartáveis a todos os empregados que atuam no atendimento ao público externo e na distribuição externa de objetos postais, de modo a permitir o funcionamento das Agências de Correios e das Unidades de Distribuição nos Municípios do Estado do Rio de Janeiro.

Contra essa decisão, a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT) se insurgiu mediante pedido de suspensão de segurança, que foi indeferido pela ministra Maria Cristina Peduzzi.4

A ministra adotou o fundamento de que a manutenção do serviço essencial "não justifica minimizar a adoção de medidas de segurança e saúde em relação aos empregados". Justificou, também, que a adoção de tais medidas não conflitam com orientações de autoridades públicas de saúde, uma vez ser de conhecimento público a eficácia de aludidos objetos para a atenuação da disseminação viral. Compreendeu, ainda, que a manutenção da liminar "não paralisa as atividades da empresa estatal, já que não foram impostas restrições efetivas, mas simples adoção de medidas de extremo relevo no combate à pandemia em benefício não somente dos trabalhadores envolvidos, mas de toda a sociedade".

Em outra ocorrência, o TRT da 10ª Região (Distrito Federal e Tocantins) deferiu liminar que impedia a ECT de descontar, da remuneração dos empregados direcionados ao trabalho remoto por fazerem parte do grupo de risco da covid-19, as parcelas relativas ao desempenho do trabalho em condições presenciais específicas.

Em virtude disso, a ECT formulou pedido de suspensão de liminar, o qual foi parcialmente acolhido pela ministra Maria Cristina Peduzzi para permitir o desconto.5

Em sua decisão, a ministra presidente exteriorizou a compreensão de que as parcelas decorrem do desempenho do trabalho em condições específicas (salário-condição), de modo que o exercício do trabalho remoto, eliminando essas condições, autoriza a supressão das verbas, conforme a redação das súmulas 265 e 248 do TST. O desconto das parcelas vinculadas a condições especiais não caracteriza, para a ministra, redução salarial.

No último caso, o TRT da 1ª Região (Rio de Janeiro) deferiu liminar, em mandado de segurança, para determinar a imediata e prioritária disponibilização de testes para detectar o coronavírus em enfermeiros que trabalham em unidades de saúde.

Em razão disso, o Município do Rio de Janeiro e a Empresa Pública de Saúde do Rio de Janeiro - RIOSAUDE dirigiram à presidente do TST pedido de suspensão de liminar e segurança, que foi indeferido.6

A ministra presidente, para denegar o pedido de suspensão, adotou os seguintes fundamentos: o art. 157, I, da CLT impõe ao empregador a observância das normas de segurança e medicina do trabalho; o art. 16 da convenção 155 da Organização Internacional do Trabalho, ratificada pelo Brasil, determina que o empregador tenha comportamento ativo para garantir a integridade da saúde de seus trabalhadores; as previsões, na Constituição da República, do direito dos trabalhadores urbanos e rurais à redução dos riscos inerentes ao trabalho (art. 7º, XXII), da dignidade humana (art. 1º, III), do direito fundamental à saúde (arts. 6º e 196) e do valor social do trabalho (art. 1º, IV); o dever de adoção das cautelas necessárias à redução de transmissibilidade do vírus, imposto pelo art. 3º, § 7º, do decreto 10.282/20; a orientação do Ministério da Saúde de que deve ser concedida prioridade aos profissionais da área de saúde; a recomendação da OMS no sentido de que os países com transmissão comunitária devem priorizar os profissionais de saúde; a ausência de lesão econômica pública, pois há testes disponíveis sendo realizados pelos profissionais de saúde nos pacientes.

Algumas conclusões e relações podem ser extraídas dos entendimentos da presidente do TST.

Há uma valorização do rigor técnico, considerando o fundamento de que não cabe, em sede de dissídios coletivos de natureza jurídica e econômica, impor obrigações próprias de demandas condenatórias e o de que o sindicato representante dos empregados da tomadora de serviços não tem legitimidade para representar os terceirizados. Dessa maneira, é sinalizado que, a despeito da urgência própria das questões afetas ao coronavírus, os instrumentos jurídicos utilizados pelas partes e as decisões judiciais devem observar estritamente as regras processuais.

Outrossim, um imperativo de conciliação da manutenção das atividades empresariais com a adoção de medidas de segurança e saúde para os empregados (por exemplo, fornecimento individualizado de máscaras, luvas, talheres, copos e pratos descartáveis, especialmente aos empregados executantes de atividades externas). Afasta-se, assim, o entendimento de que a adoção de tais medidas protetivas poderia prejudicar o funcionamento empresarial. É aspecto de relevo, sobretudo quando considerada a possibilidade de verticalização do distanciamento social e, então, a retomada do funcionamento de parte do setor produtivo e comercial.

Uma ponderação, no entender da ministra Maria Cristina Peduzzi: a adoção medidas de segurança e saúde por empregadores vinculados ao Estado não deve ser capaz de prejudicar o erário público a ponto de comprometer os esforços financeiros destinados ao combate da pandemia.  

Com relação aos profissionais da área de saúde, há um dever de proteção ainda maior, inclusive com obrigatoriedade de fornecimento de testes, se disponíveis, para averiguação da presença do coronavírus nesses empregados e, só após, utilizá-los nos pacientes.

Por fim, importante, também, a compreensão da presidência do TST de que é possível e não configura redução salarial a supressão de parcelas relativas ao trabalho em condições presenciais específicas da remuneração dos empregados afastados dessas condições. Isso pode interferir em elevado número de empregados que, por pertencerem ao grupo de risco de contaminação por coronavírus, têm sido afastados para trabalhar remotamente ou remanejados para exercerem misteres distintos.

É bem verdade que tais entendimentos foram expostos em decisões monocráticas e a partir de cognição não exauriente. Porém, sinalizam interpretações que podem, mais à frente, vir a ser firmadas, ou ao menos consideradas, pelo TST. Dessa maneira, servem de referência a empregados, empregadores e advogados neste cenário de numerosas dúvidas e novidades trabalhistas.

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1 O ministro Aloysio Corrêa da Veiga, corregedor-geral da Justiça do Trabalho, proferiu importantes decisões em sede de Correição Parcial. Todavia, essa medida tem natureza administrativa, não dotada de caráter jurisdicional, aspecto que a afasta do objeto de abordagem deste artigo. A análise aqui desenvolvida ficará restrita, portanto, às decisões jurisdicionais exaradas pela ministra presidente do TST.

2 Decisão proferida pela ministra Maria Cristina Peduzzi na SLS - 1000317-58.2020.5.00.0000, publicada no DEJT em 7/4/2020.

3 Decisão proferida pela ministra Maria Cristina Peduzzi na SLS - 1901-80.2020.5.00.0000, publicada no DEJT em 7/4/2020.

4 Decisão proferida pela ministra Maria Cristina Peduzzi na suspensão de segurança 1000335-79.2020.5.00.0000, publicada no DEJT em 15/4/2020.

5 Decisão proferida pela ministra Maria Cristina Peduzzi na SLS - 1000302-89.2020.5.00.0000, publicada no DEJT em 17/4/2020.

6 Decisão proferida pela ministra Maria Cristina Peduzzi na SSCiv - 1000350-48.2020.5.00.0000, publicada no DEJT em 18/4/2020.

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*José Marcelo Leal de Oliveira Fernandes é pós-graduado em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pelo Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP) e bacharel em Direito pelo Centro Universitário de Brasília (UniCEUB). Advogado atuante no Tribunal Superior do Trabalho e sócio do escritório Simpliciano Fernandes & Advogados. 

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