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A Lei de Licitações de Publicidade e a sua primeira década de existência

Trata-se da lei 12.232, de 29 de abril de 2010, que impactou sobremaneira o mercado publicitário, sobretudo em relação às agências de publicidade e propaganda que possuem dentre os seus clientes a Administração Pública.

quinta-feira, 30 de abril de 2020

Atualizado às 08:55

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Em um momento em que as notícias relacionadas à pandemia causada pela covid-19 tomam conta de todos os veículos de comunicação, é importante pedir licença para prestigiar relevante data comemorativa. Estou me referindo ao aniversário de 10 anos da lei 12.232, de 29 de abril de 2010, que regulamenta as licitações e os contratos administrativos de publicidade governamental.

Trata-se da lei 12.232, de 29 de abril de 2010, que impactou sobremaneira o mercado publicitário, sobretudo em relação às agências de publicidade e propaganda que possuem dentre os seus clientes a Administração Pública.

Apesar de ter sido publicada em abril de 2010, o seu embrião remonta há cinco anos anteriores àquela data, época em que o país vivia uma grave crise política que desembocou na ação penal 470, julgada no Supremo Tribunal Federal. O momento histórico ficou conhecido como julgamento do escândalo do mensalão.

Além do Supremo Tribunal Federal, por meio da ação penal 470, também o Congresso Nacional teve importante papel na contenção dos desvios e fraudes ocorridos durante o período, por meio da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito de Compra de Votos (CPMI do Mensalão), constituída em 2005.

Os contratos de publicidade dos Correios e do Banco do Brasil eram o epicentro das fraudes e dos desvios e, em razão disso, como parte do relatório final da CPMI, houve a recomendação da edição de lei específica para tratar dos procedimentos licitatórios e das contratações do serviço de publicidade. 

Àquela altura, a Lei Nacional de Licitações, lei 8.666/93, baluarte da moralidade e impessoalidade, não se mostrara eficiente o bastante para prevenir fraudes e desvios no mercado publicitário. Não obstante as nefastas intenções de alguns políticos e empresários que dominavam o setor à época, de fato, a lei 8.666/93 possuía regramentos próprios que eram incompatíveis com a contratação do serviço de publicidade governamental.

Assim, após a constatação das peculiaridades do setor, evidenciadas por meio do escândalo do mensalão, e a reivindicação antiga do mercado publicitário, somada à recomendação feita pelo relatório final da CPMI do Mensalão, a lei 12.232 surgiu em 29 de abril de 2010 para dar tratamento bastante singular não somente à licitação, como também aos contratos administrativos de publicidade governamental.

As peculiaridades do setor, até então rechaçadas pela lei 8.666/93, foram, em sua grande maioria, contempladas no diploma legal que ora completa uma década de existência. Ela apresentou-se como importante marco de inovação, pois até hoje é o único instrumento normativo criado especificamente para tratar de procedimento licitatório e contratação de um serviço determinado, a publicidade.

É dizer, não havia, e não há até a presente data, lei específica para tratar de outros serviços (obras de engenharia, vigilância, contábeis, jurídicos, médicos, dentre outros) ou produtos em determinados. Somente o serviço publicitário recebeu do legislador atenção especial no que se refere à contratação pela Administração Pública.

E não foram poucas as inovações trazidas pelo legislador. A possibilidade de subcontratação de serviços de produção e dos serviços digitais, a permissão expressa para contratar mais de uma agência de publicidade, a previsão de concorrência interna a ser feita campanha a campanha, a criação de subcomissão específica para julgar as propostas técnicas, a determinação de julgamento das propostas técnicas "às cegas", são apenas alguns exemplos das novidades trazidas pela nossa pré-adolescente lei.

Sob a ótica da estrutura remuneratória das agências de propaganda, dois importantes tratamentos foram dispensados e merecem ser destacados:

I. O primeiro diz respeito à reafirmação do desconto-padrão como direito absoluto das agências. Com efeito, o art. 191, reafirmando o quanto já disposto desde 1965 no art. 11 da lei 4.680/65, dispõe que esta espécie de remuneração configura-se como receita exclusiva da agência, não podendo sofrer qualquer espécie de ingerência, quer do seu cliente, o anunciante - o Poder Público, no caso -, quer do veículo de comunicação;

II. O segundo refere-se à previsão expressa acerca da bonificação de volume, ou plano de incentivo, conforme denominação conferida pelo artigo 18 da Lei de Licitações de Publicidade2.Trata-se de importantíssima disciplina legal que, mais uma vez, afasta eventuais ingerências do cliente público na remuneração da agência de publicidade e propaganda que lhe presta serviço. Isto é, além do desconto-padrão, a agência também faz jus aos valores relativos aos planos de incentivos fornecidos pelos veículos de comunicação de acordo com o volume de material publicitário divulgado.

Todavia, apesar da sua veia inovadora, a Lei de Licitações de Publicidade poderia ter ido um pouco mais além e tratado também da remuneração incidente sobre a produção. É que, em que pese haja nos editais a previsão de remuneração para os serviços de produção por meio de honorários, na maioria das vezes, para fazer frente à concorrência, as agências de publicidade licitantes apresentam esta rubrica sem qualquer contrapartida financeira.

Poder-se-ia pensar, sobretudo levando-se em consideração que os serviços de produção demandam atenção e cuidados extremos por parte das agências, em uma espécie de remuneração para tais serviços, similar àquela dispensada para os veículos de comunicação.

Defendemos, assim, que o legislador poderia avançar e propor como contrapartida "desconto-padrão" relacionado aos serviços de produção. Tal circunstância, inclusive, resolveria problemas vivenciados na prática das licitações atualmente, em que muitas agências, a fim de garantir a sua contratação, acabam aceitando ser remunerados exclusivamente pelo desconto-padrão pago pelos veículos de comunicação, os chamados honorários de mídia, abrindo mão dos honorários incidentes sobre a produção, o que se revela como imenso prejuízo para o setor.

Apesar da nossa percepção do quanto ainda precisa evoluir a lei que ora completa uma década, o fato é que todas as inovações trazidas por ela tiveram a missão de, além de adequação às singularidades do setor, conferir moralidade e impessoalidade às contratações do serviço de publicidade governamental. E isto deve, sim, ser muito festejado, pois ela tem desempenhado o seu papel com maestria.

Nos primeiros momentos de sua vigência, dados os seus aspectos técnicos, recebeu algumas críticas por aqueles que não estavam familiarizados com as expressões próprias do setor publicitário, mas, hoje, passada uma década de sua existência, observamos que ela possui plena aceitação pelo mercado, haja vista que cada vez mais as agências optam por incluir a Administração Pública no seu portfólio de clientes

De outro lado, como goza também de ampla aplicabilidade pela União, Estados, Distrito Federal, municípios da federação e suas respectivas entidades da administração indireta (empresas públicas, sociedades de economia mista, autarquias e fundações públicas). A sua aplicação é revelada por meio por meio do volume financeiro movimentado pelo Poder Público em relação a tal espécie de contratação.

A partir da Lei da Transparência e a obrigatoriedade de divulgação de forma clara a quantidade e a qualidade do gasto público, podemos identificar alguns exemplos que demonstram a importância da lei que ora faz aniversário.

Com efeito, a lei já rendeu muitos frutos ao longo de sua existência. Sob a sua égide, o Poder Executivo Federal já desembolsou mais 1,5 bilhões de reais no período compreendido entre o ano de 2014 e o mês março de ano de 2020, que é o período até então disponibilizado no Portal da Transparência do Governo Federal.

A Caixa Econômica Federal, a seu turno, disponibiliza no seu Portal da Transparência dados financeiros a partir de junho de 2011, um mês após o início de vigência da Lei. De acordo com tal ferramenta, verificamos que o desembolso deste banco estatal sob a égide da lei 12.232/10 correspondeu ao montante um superior a 3,9 bilhões de reais3.

O Banco do Brasil, como outro exemplo, teve gastos com publicidade durante o período de 10 anos de vigência da lei em patamar superior a 2,9 bilhões de reais4.

Estes são apenas alguns pouquíssimos exemplos dos valores que o setor já movimentou nos últimos dez anos, aos quais devem ser somados ainda os gastos das demais entidades da administração indireta federal, dos Estados e dos municípios.

O fato é que há muito a ser comemorado, pois, depois de décadas de existência, o mercado publicitário finalmente foi contemplado com uma lei específica para as suas relações com o Poder Público. E, agora, ultrapassada a sua primeira década de vigência, vemos que ela veio para ficar, pois trouxe legítimo conforto tanto para o gestor público, quanto para as agências de publicidade, que não mais precisam ficar à margem da lei para atender as necessidades de comunicação do seu cliente estatal.

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1 Este é o teor do art. 19 da lei 12.232/10: Para fins de interpretação da legislação de regência, valores correspondentes ao desconto-padrão de agência pela concepção, execução e distribuição de propaganda, por ordem e conta de clientes anunciantes, constituem receita da agência de publicidade e, em consequência, o veículo de divulgação não pode, para quaisquer fins, faturar e contabilizar tais valores como receita própria, inclusive quando o repasse do desconto-padrão à agência de publicidade for efetivado por meio de veículo de divulgação. 

2 Este é o teor do artigo 18 da lei 12.232/10: É facultativa a concessão de planos de incentivo por veículo de divulgação e sua aceitação por agência de propaganda, e os frutos deles resultantes constituem, para todos os fins de direito, receita própria da agência e não estão compreendidos na obrigação estabelecida no parágrafo único do art. 15 desta lei. 

3 Ficaram de fora desta contabilidade os meses de maio de 2010, fevereiro, março e maio do ano de 2016 e o mês de abril de 2019, que não foram disponibilizados no Portal da Transparência da Caixa.

4 Ficaram de fora desta contabilidade os meses de julho a outubro de 2011 e o período de janeiro a abril de 2020, que não estão disponíveis no Portal de Transparência do Banco do Brasil.

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*Edvaldo Barreto Jr. é advogado especialista em direito publicitário, sócio fundador do escritório AB&DF Advocacia, mestre em direito, Procurador do Distrito Federal, autor de livros e artigos jurídicos.

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