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Dia Nacional da Mulher - Sororidade e Ancestralidade

Em tempos de pandemia da covid-19, o que as mulheres podem celebrar?

quinta-feira, 30 de abril de 2020

Atualizado às 11:01

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Dia 30 de abril é "Dia Nacional da Mulher", a comemoração foi instituída pela lei 6.791 de 9 de junho de 1980. Em tempos de pandemia da covid-19, o que as mulheres podem celebrar?

De acordo com a ONU Mulheres Brasil, "o impacto social do novo coronavírus está atingindo fortemente as mulheres, que representam 70% das pessoas que trabalham no setor social e de saúde. Elas também são três vezes mais responsáveis pelos cuidados não-remunerados em casa do que os homens"1.

Decerto, a pandemia reforça os efeitos que já eram existentes da desigualdade de gênero. A pandemia da covid-19 afeta desproporcionalmente as mulheres de várias maneiras. As fragilidades financeiras, o convívio social forçado com agressores, os postos de trabalho informais que ascendem, e a falta de acesso aos serviços essenciais de saúde, dentre outras tantas limitações, demonstram claramente que a pandemia afeta desproporcionalmente as mulheres no Brasil.

Desse modo, depois de tantas décadas de luta pelos direitos da mulher e contra a injustiça, a luta atual em meio a uma pandemia se faz cada vez mais essencial para nossa sobrevivência e para honrar nossa ancestrais.

Para inspirar essa luta e honrar nossa ancestrais, impende destacar que a celebração do Dia Nacional da Mulher marca a história da luta das mulheres para sensibilizar a sociedade por igualdade de direitos entre homens e mulheres no Brasil e no exterior. A data foi escolhida no Brasil em homenagem ao nascimento da mineira Jerônima Mesquita, em 30 de abril de 1880. Na década de 20, Jerônima, que voltava ao Brasil depois de ter vivido alguns anos na Europa, criou a Federação Brasileira pelo Progresso Feminino, conhecida como marco do feminismo brasileiro e frente da luta sufragista pelos direitos da mulher2.

Por oportuno, destaque-se que Jerônima Mesquita se encontrou dentro das causas sociais na Europa. Enfermeira e em meio à 1ª Guerra Mundial, teve experiências da Cruz Vermelha francesa e suíça, sendo uma das responsáveis por trazer a instituição humanitária para o Brasil. Em Paris, ela conheceu Bertha Lutz e Stela Guerra Duval. A amizade rendeu uma intensa atuação dentro do movimento feminista e na luta pelo direito das mulheres no Brasil. Juntas, fundaram a Federação Brasileira pelo Progresso Feminino - FBPF, em 1922, uma iniciativa para fomentar no país as pautas do movimento feminista e unir as mulheres em prol dessa luta. A Federação foi resultado da Liga para Emancipação Intelectual da Mulher, que desde 1919 já desempenhava papel similar3.

A propósito, para iluminar nossa luta nos dias atuais, destaque-se que em 14 de agosto de 1934, Jerônima Mesquita também esteve à frente de um importante documento à época, chamado de Manifesto Feminista. Por oportuno, destaque-se esse trecho:

"As mulheres, assim como os homens, nascem membros livres e independentes da espécie humana, dotados de faculdades equivalentes e igualmente chamados a exercer, sem peias, os seus direitos e deveres individuais, os sexos são interdependentes e devem, um ao outro, a sua cooperação. A supressão dos direitos de um acarretará, inevitavelmente, prejuízos pra o outro, e, conseqüentemente, para a Nação. Em todos os países e tempos, as leis, preconceitos e costumes tendentes a restringir a mulher, a limitar a sua instrução, a entravar o desenvolvimento das suas aptidões naturais, a subordinar sua individualidade ao juízo de uma personalidade alheia, foram baseados em teorias falsas, produzindo, na vida moderna, intenso desequilíbrio social; a autonomia constitui o direito fundamental de todo indivíduo adulto; a recusa desse direito à mulher é uma injustiça social, legal e econômica que repercute desfavoravelmente na vida da coletividade, retardando o progresso geral; as noções que obrigam ao pagamento de impostos e à obediência à lei os cidadãos do sexo feminino sem lhes conceder, como aos do sexo masculino, o direito de intervir na elaboração dessas leis e votação desses impostos, exercem uma tirania incompatível com os governos baseados na justiça; sendo o voto o único meio legítimo de defender aqueles direitos, a vida e a liberdade proclamados inalienáveis pela Declaração da Independência das Democracias Americanas e hoje reconhecidas por todas as nações civilizadas da Terra, à mulher assiste o direito ao título de eleitor"4.

A propósito, ressalte-se que apenas em 1932 as mulheres passaram a ter direito a voto no Brasil5. Muitas mulheres fizeram parte do grande movimento sufragista (direito a votar) que mudou essa realidade, e muitas outras continuaram na luta pelo direito das mulheres em todos os outros aspectos da vida social, econômica e política.

Inegavelmente, lugar de fala e representação política feminina é importante. Não podemos jamais esquecer disso. Um exemplo disso são dois projetos de lei que ganharam a mídia recentemente.

O primeiro é o PL 428/2020, que prevê distribuição gratuita de absorventes higiênicos em locais públicos, e que ganhou o apoio de deputadas e senadoras de diferentes partidos, além de profissionais de saúde e educação6.

E o outro, e o PL 1291/2020, que determina a obrigatoriedade do atendimento a todos os pedidos de socorro feitos por mulheres durante o período em que o Brasil vive a pandemia de covid-19, dentre outras medidas de combate e prevenção à violência doméstica no período de declaração de estado de emergência de caráter humanitário e sanitário em território nacional7.

De 1932 até 2020 o mundo mudou, a nossa forma de enxergar a vida mudou, os desafios e limitações também mudaram para as mulheres. 

Como um sopro de esperança, em meio a todas essas mudanças enfrentadas pelas mulheres, foi amplamente compartilhado recentemente um bilhete de uma pessoa que cedeu o próprio apartamento para mulheres que sofrem com agressões e não têm para onde escapar. O bilhete tem sido compartilhado nas redes sociais e faz um alerta também aos possíveis agressores: "Você não vai se esconder atrás da covid-19. Estamos de olho e chamaremos a polícia (...) Se precisar de ajuda, corra para cá. Apartamento 602. Você não está sozinha. Pode gritar, pedir socorro, a gente abre a porta para você"8.

No Dia Nacional da Mulher, se há razões para comemorar, em meio todas as dificuldades, é pela sororidade que ainda resiste. Indubitavelmente, "a Sororidade é uma possibilidade concreta. A sororidade ainda é poderosa"9.

Por tudo isso, devemos continuamos trabalhando juntas para conectar raças e classes. Devemos apoiar umas as outras. Devemos continuar estudando, pesquisando, e também produzindo. Devemos alcançar lugar de fala. Devemos ocupar espaços públicos e tornar real e efetiva nossa representação política. Devemos continuar trabalhando e lutando para ocupar as melhores posições no mercado de trabalho. Devemos exigir respeito aos nossos corpos. Devemos lutar com muito afinco pelo desenvolvimento de práticas antissexistas em nossa sociedade. Nós temos o dever de usar nossos privilégios e/ou habilidades para afastar o Brasil do machismo.

Em meio a pandemia, com todos os abusos e violências sofridos pelas mulheres no Brasil, falar em celebração não é realista. O feminicídio nunca esteve tão letal no Brasil. Não é o dia de festa. Hoje é o dia de buscar formas de se recarregar para luta. É o dia de se lembrar e se inspirar na luta de nossas ancestrais pelos Direitos adquiridos que agora usufruímos. Hoje é o dia de praticarmos sororidade feminina como forma celebração no Brasil do Dia Nacional da Mulher.

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1 Disponível aqui. Acesso em 27/4/2020.

2 Disponível aqui.

3 Disponível aqui.

4 Disponível aqui. Acesso em 27/4/2020.

5 Disponível aqui. Acesso em 27/4/2020.

6 Disponível aqui. Acesso em 27/4/2020.

7 Disponível aqui. Acesso em 15/4/2020.

8 Disponível aqui. Acesso em 27/4/2020.

9 HOOKS, Bell. O feminismo e' para todo mundo - Poli'ticas arrebatadoras (2018, Rosa dos Tempos).

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*Camila Carolina Damasceno Santana é advogada do núcleo de Tribunais Superiores do escritório Barbosa e Dias Advogados Associados. Aluna do Cours de civilisation française de La Sorbonne, em Paris, França.

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