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A adoção de medidas pré-processuais no provável cenário de aumento de demandas judiciais durante a pandemia do covid-19

Como consequência natural, as medidas necessárias para contenção do covid-19 impactaram diretamente nas atividades empresariais de produção e circulação de bens e serviços.

segunda-feira, 4 de maio de 2020

Atualizado em 26 de janeiro de 2021 11:42

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Diante do atual contexto econômico, em que foi necessária a adoção de medidas de distanciamento social e quarentena por parte de todos os estados brasileiros, com a restrição da circulação de pessoas e do exercício de atividades econômicas consideradas não essenciais, a ocorrência de um colapso da atividade econômica era algo, de certa forma, já previsto por todos.

Como consequência natural, as medidas necessárias para contenção do covid-19 impactaram diretamente nas atividades empresariais de produção e circulação de bens e serviços, o que desencadeou, entre outros, o inadimplemento de inúmeras obrigações contratadas e, por conseguinte, o aumento do número de ações judiciais objetivando o cumprimento dessas.  

À título de exemplo, importante mencionar que foram ajuizadas 180 (cento e oitenta) ações entre os dias 16 de março e 20 de abril, isso somente nas três varas empresariais da comarca de São Paulo1, o que evidencia a atual judicialização em massa dos conflitos envolvendo contratos empresariais, demandas societárias, recuperações judiciais e pedidos de falência.

Em razão dessa elevada demanda, e buscando evitar um futuro colapso do judiciário, atrelado ao econômico, os Tribunais de Justiça do Estado de São Paulo e Paraná mobilizaram esforços para estabelecer uma via pré-processual de auto composição, específica às demandas empresarias, e com funcionamento inteiramente remoto.

O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ/SP) teve como iniciativa a criação de um "projeto-piloto de conciliação e mediação pré-processuais para disputas empresariais decorrentes dos efeitos da covid-19" provimento CG 11/20)2, que funcionará até 120 (cento e vinte) dias após o encerramento do Sistema Remoto de Trabalho, instituído no provimento CSM  2.549/203 e prorrogado pelo provimento CSM 2.554/204.  

Previamente à explicação do procedimento criado pelo provimento CG 11/2020, cabe ressaltar a diferença entre os dois meios distintos de solução de conflitos mencionados acima: a mediação e a conciliação.

Na mediação há a figura de um terceiro, neutro e imparcial, denominado mediador, que auxilia as partes a buscarem, por elas próprias, a solução para o conflito existente, agindo o mediador como uma espécie facilitador. Enquanto que, na conciliação, o terceiro denominado conciliador interfere de forma mais direta no litígio, podendo inclusive trazer sugestões de solução para o conflito, orientando e ajudando as partes.

Isso dito, dispõe o projeto-piloto que os empresários, sociedades empresárias5, e demais agentes econômicos, desde que envolvidos em negócios jurídicos relacionados à produção e circulação de bens e serviços, poderão formular requerimento de participação por e-mail6, listando o pedido e a causa de pedir, bem como as partes envolvidas e documentação. Ressalta-se que a causa de pedir necessita estar obrigatoriamente relacionada às consequências da pandemia da covid-19, ou seja, o impacto precisa ter sido criado/aumentado pela pandemia atual.

Após recebido o pedido por e-mail, será designada a audiência de conciliação no prazo máximo de 7 (sete) dias, o que se mostra compatível com a urgência da situação atual, e será conduzida, de forma virtual, por juiz de direito participante do projeto. Na hipótese de a conciliação restar infrutífera, o pleito será encaminhado a um mediador, escolhido de comum acordo pelas partes, ou designado pelo magistrado, se não obtido consenso, devendo ser observando, para a mediação, o disposto nos artigos 14 e seguintes da lei 13.140/157, bem como a resolução 809/198 do Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

Com a conclusão do acordo, caso as partes cheguem a um consenso, esse será homologado pelo juiz e terá valor de sentença, constituindo título executivo judicial.

Por sua vez, o Tribunal de Justiça do Estado do Paraná (TJPR) aprovou a criação de um Centro Judiciário de Soluções de Conflitos e Cidadania (Cejusc) da Recuperação Empresarial, que iniciou seu funcionamento no dia 23 de abril, no Fórum da Comarca de Francisco Beltrão9, de modo a evitar que empresas com dificuldades financeiras declarem falência.

De acordo com o TJPR, "os novos CEJUSCs, que são unidades especializadas em aplicar técnicas alternativas de solução de conflitos, como a conciliação e a mediação, terão modalidades inéditas no Brasil e serão capazes de aprimorar os serviços prestados à população, garantindo maior eficiência e celeridade."10

Contudo, somente poderão utilizar o Cejusc da Recuperação Empresarial os empresários - sejam pequenos, médios ou grandes - que cumprirem com os requisitos da lei 11.101/05 para entrar com pedido de Recuperação Judicial11, quais sejam: (i) exercer atividade regular há mais de dois anos; (ii) não ser falido e, se foi, estejam declaradas extintas as responsabilidades daí decorrentes; (iii) não ter,  há menos de cinco anos, obtido concessão de recuperação judicial; e (iv) não ter sido condenado e/ou não ter como administrador ou sócio controlador pessoa condenada por crime falimentar.

Com um custo muito menor que o processo judicial, os empresários que cumprirem os requisitos elencados acima poderão solicitar o ingresso ao Cejusc no valor fixado atualmente de R$ 187,05 (cento e oitenta e sete reais e cinco centavos).

Destaca-se que, por se tratar de uma fase pré-processual, as empresas que não cumprirem com os requisitos necessários, e/ou que não conseguirem chegar a um acordo com os seus credores, não terão como consequência a decretação de sua falência. Não obstante, as que já estão em processo de recuperação judicial, igualmente poderão utilizar a mediação ou a conciliação para resolução dos conflitos.

Portanto, conclui-se que a opção pela via pré-processual apresenta vantagens tanto para os devedores, que poderão resolver os compromissos assumidos de forma compatível com sua capacidade atual, quanto para os credores, visto que serão adotadas soluções céleres e de baixo custo, possibilitando o recebimento mais rápido do crédito e, até mesmo, para o poder judiciário, visto que resultará em uma menor procura por este e, consequentemente, na redução das chances de colapso.

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1 Tribunais se preparam para grande demanda de recuperações judiciais.

5 Art. 99 Código Civil: Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços.

11 Art. 48. da lei 11.101/05.

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*Juliana da Rocha Rodrigues é advogada do escritório Gameiro Advogados.

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