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O papel do julgador de recuperações judiciais em fase de cumprimento de plano frente à crise da covid-19: Breves reflexões

Mariana Costa title=Mariana Costa, Mayara Roth Isfer Osna e Haroldo Malheiros Duclerc Verçosa.

É inegável a gravidade e a excepcionalidade do momento atual, o que impõe ao julgador uma atuação sensível

quarta-feira, 6 de maio de 2020

Atualizado às 10:13

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Tão logo o Poder Público, através do decreto legislativo 6 de 20 de março de 2020, declarou a existência de estado de calamidade pública em razão da pandemia causada pela covid-19 e impôs as medidas de isolamento social compreendidas como cabíveis, as atividades empresariais foram afetadas quase que em sua integralidade. Referido ato legislativo foi acompanhado de diversos Decretos estaduais, ocasionando a suspensão de todos os serviços e atividades não essenciais e que não atendam necessidades inadiáveis da população.

Como consequência direta e imediata, os empresários brasileiros passaram a enfrentar crise sem precedentes - ao menos nas últimas décadas - em razão da redução drástica do faturamento.

Referida crise atingiu, de modo talvez ainda mais impactante, empresas que já haviam reconhecido, anteriormente à pandemia, vivenciar momento econômico-financeiro delicado e optaram pelo ajuizamento de medida recuperacional, nos termos da lei 11.101/05.

Atuando de modo a minimizar os impactos provenientes dessa conjuntura no âmbito empresarial, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aprovou a recomendação 63, a qual trouxe uma série de medidas preventivas à crise econômica decorrente das determinações envolvendo o distanciamento social.

Dentre as recomendações, merece especial atenção aquela prevista no artigo 4º, segundo a qual podem os juízos de recuperação empresarial autorizar a devedora que esteja em fase de cumprimento do plano previamente aprovado a apresentar plano modificativo, a ser submetido novamente à Assembleia Geral de Credores, em prazo razoável. Isso, segundo o dispositivo, desde que a recuperanda comprove a existência de nexo entre a redução da capacidade de cumprimento das obrigações e a crise decorrente da pandemia, bem como o devido adimplemento de todas as obrigações assumidas no plano então vigente.

Vale pontuar, acerca desse aspecto, que a possibilidade de apresentação de plano modificativo não é algo novo, inaugurado pela citada recomendação do CNJ. Trata-se de prática bastante comum em recuperações judiciais. Veja-se que o próprio artigo 35, inciso I, alínea 'a', da lei 11.101/05 já dispõe ser competência da Assembleia Geral a "aprovação, rejeição ou modificação do plano de recuperação judicial apresentado pelo devedor". Ademais, o caráter negocial da recuperação igualmente permite a modificação do plano, sem que sejam admitidos limites temporais para tanto. Ora, havendo aceitação por parte dos credores, não parece haver qualquer prejuízo na alteração daquilo inicialmente definido1.

Apesar disso, desde a aprovação da recomendação 63, os Tribunais Pátrios foram invadidos por demandas pleiteando o referido benefício.

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1 Acerca da questão, Julio Kahan Mandel: "Ou seja, a LFR já prevê que o Plano apresentado pode ser modificado para buscar a sua aprovação na Assembleia Geral de Credores (AGC). Mas, e após a realização da AGC e da homologação do Plano aprovado? Ora, a lei não somente prevê que a AGC tem poderes para modificar o Plano, como para deliberar sobre qualquer outra matéria de seu interesse, como previsto no item "f" do mesmo artigo. Neste sentido, não há dúvida de que uma nova AGC possa ser convocada para ajustar o Plano já aprovado. (.) Mas pode o devedor requerer a convocação de AGC para deliberar a alteração do seu Plano já homologado? Ora, quem melhor conhece o que está acontecendo na recuperanda do que o próprio devedor? E se ele entende que para cumprir com o objetivo teleológico da LRF o Plano precisa de ajustes, qual o problema em convocar seus credores e abrir uma saudável discussão? Tal medida é bem-vinda e deve ser vista com boa-fé, mesmo porque os credores, na AGC convocada com o fim de ajustar o Plano, poderão aprovar ou não esta ideia, ou até melhorá-la." (MANDEL, Julio Kahan. Da alteração do plano de recuperação judicial aprovado pelos credores. In: TOLEDO, Paulo Fernando Campos Salles de; SATIRO, Francisco (coord.). Direito das empresas em crise: Problemas e soluções. São Paulo: Quartier Latin, 2012. p. 193-212, p. 197-198).

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*Mariana Costa é mestre em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco. Graduada em Direito pela Faculdade Pernambucana de Cultura e Ensino. Oficiala de Justiça no Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco. Professora de Direito Empresarial na UNIBRA e na SOPECE.

*Mayara Roth Isfer Osna é mestre em Direito pela Universidade de São Paulo. Graduada em Direito pela Universidade Federal do Paraná. Graduanda em Ciências Contábeis pela FIPECAFI. Associada da Advocacia Felippe e Isfer

*Haroldo Malheiros Duclerc Verçosa é sócio de Duclerc Verçosa Advogados Associados. Professor Sênior de Direito Comercial da Faculdade de Direito da USP.

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