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Colômbia na OCDE. E o Brasil?

Relembrando as regras para o ingresso na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, a peculiaridade da participação da União Europeia e breves considerações sobre a situação brasileira

quarta-feira, 6 de maio de 2020

Atualizado às 10:17

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Em 28 de abril de 2020, a República da Colômbia se tornou o 37º país a se juntar à Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o sétimo desde 2010. No caso colombiano, esse é um processo que vem desde 2013, e - como aponta a própria OCDE1 - se intensificou com o convite formal à adesão em maio de 2018, depois de cinco anos de estudos e análises por parte de 23 comitês da Organização à harmonização das normas, políticas e práticas públicas com os padrões da OCDE. As áreas de debate e reforma incluíram anticorrupção, comércio internacional, governança em empresas de controle estatal, reforma do sistema judiciário, educação e qualificação, (informalidade no) mercado de trabalho, sustentabilidade do sistema de saúde, bem como políticas nacionais para a indústria química e de gestão de resíduos. Concluída sua acessão2, a Colômbia é agora o 3º país da América Latina e Caribe a se tornar membro da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, juntando-se a México e Chile - vale lembrar que a Costa Rica já adentra a fase final de seu processo de entrada.

Aproveitando a oportunidade, o presente (e breve) artigo propõe uma retomada das regras básicas ao ingresso na Organização - tendo em mente, sem dúvida, a pretensão brasileira de fazer parte do quadro de membros da OCDE3.

Adesão de novos membros

Conversão da Organização Europeia de Cooperação Econômica (OECE)4, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) passou a existir - substituindo sua antecessora - em 30 de setembro de 1961, quando da entrada em vigor da Convenção sobre a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (Convenção da OCDE)5. O marco temporal retrata, precisamente, o cumprimento do requisito do depósito de ao menos quinze instrumentos de ratificação até a referida data (Art. 14.3(b), Convenção da OCDE)6. Note-se dispor a Convenção que todos que a ela aderirem serão considerados membros da Organização (Art. 4) - a representação da União Europeia merece notas à parte, como se fará mais abaixo.

Inicialmente, cabe ao Conselho da OCDE7 definir acerca de convites ao ingresso de novos membros, uma vez considerados aptos a assumir as obrigações decorrentes da acessão à Convenção (Art. 16). Essa decisão do Conselho deve ser unânime, muito embora haja a possibilidade de se permitir abstenções, ficando a decisão final aplicável mesmo àquele que se absteve.

Em linhas gerais, o processo de ratificação da Convenção deve estar em conformidade com os requisitos constitucionais do Estado signatário (Art. 14.1, Convenção da OCDE), sendo o agente depositário a República Francesa - nos termos da Convenção, o governo francês (Art. 14.2). Ainda que o depósito conclua o processo de ratificação - e, portanto, efetive a adesão do Estado enquanto membro da Organização e tenha a si aplicável a referida Convenção -, não fica obstado ao Estado signatário (ainda não membro, ou ainda pleiteante) tomar parte nas atividades da OCDE sob condições a serem acordadas entre a Organização e o signatário (Art. 14.4), como é o caso do Brasil, já atuante em uma série de comitês e temáticas da Organização.

A qualquer membro, intentando encerrar sua participação na Organização, basta denunciar o tratado (a referida Convenção da OCDE), respeitados 12 meses de antecedência (Art. 17). Tanto nessa hipótese, quanto na de adesão de novo membro, caberá ao mencionado agente depositário comunicar o ocorrido a todos os demais membros e ao Secretário-Geral da Organização.

União Europeia

Atualizando os termos do Protocolo Suplementar 1 à Convenção da OCDE8, a União Europeia (UE), por meio da Comissão Europeia9, toma parte nos trabalhos da Organização10, indo muito além de mero observador. Com o compromisso de cooperar para a consecução dos objetivos fundamentais da OCDE, a UE mantém uma delegação permanente na Organização, assistindo na formulação do programa de trabalho entre as duas organizações. A União Europeia não contribui para o orçamento da Organização, e seu representante não tem direito a voto quando da adoção de atos pelo Conselho. Porém, seu representante pode ser eleito membro do gabinete de órgãos subsidiários e participar na elaboração de textos, inclusive de atos jurídicos, com o direito irrestrito de propor e sugerir mudanças. A presença da União Europeia na OCDE é muito frutífera aos países da UE que (ainda) não são membros da Organização - pois, de alguma maneira, sentam-se à mesa e propõem, mesmo que indiretamente, levando em conta suas demandas e interesses. Ademais, a contribuição da OCDE no desenvolvimento de pesquisas sobre políticas públicas e de dados estatísticos e de comparação econômica, fornece o material necessário para que aqueles países tenham embasamento sólido para analisar e monitorar suas políticas econômica, social e ambiental. A proximidade que o representante da EU tem do Secretariado11 também permite o acesso aos arquivos da Organização, além das pesquisas e análises realizadas pelo próprio Secretariado. Por fim, a OCDE proporciona à UE um fórum de compartilhamento de experiências, boas práticas e soluções, e acesso e participação em diálogos e consultas de alto nível com os mais variados atores do cenário mundial (a OCDE mantém relações de trabalho com mais de cem economias de não-membros).

Brasil

A relação de cooperação entre a República Federativa do Brasil e a OCDE vem do início dos anos 1990, quando a Organização inaugurou seus trabalhos frente a quatro países latino-americanos: Argentina, Brasil, Chile e México12. Além disso, o Brasil se juntou ao seu primeiro comitê da Organização, o do Aço, em 1996. Em 1997, tornou-se membro do Centro de Desenvolvimento. Desde então, seu envolvimento tem crescido exponencialmente, sendo hoje o parceiro-chave mais engajado da OCDE13. E, em maio de 2017, na Reunião Ministerial do Conselho da OCDE, apresentou seu pedido de adesão à Organização.

Recuando um pouco no tempo, em 2015, um acordo de cooperação foi assinado entre ambos, lançando um programa de trabalho conjunto em torno de prioridades comuns - resultando na Declaração Conjunta sobre o Programa de Trabalho Brasil-OCDE 2016-1714. Esse documento veio para dar suporte ao país na sua agenda de reformas e de políticas públicas. Foi então relançado um grupo de trabalho interministerial sobre a OCDE liderado pelo Ministério das Relações Exteriores do Brasil (MRE), criado originalmente em 2007, com o fito de orientar e monitorar a cooperação com a Organização. Reuniões e consultas periódicas com ministérios, órgãos e agências brasileiras enriqueceram a condução dos trabalhos, em termos de fluxo de informação e mobilização de recursos. Destaque ficou para o setor de educação (aproximação do PISA e demais programas da área), ciência e tecnologia (segurança digital e riscos à privacidade), empresarial (pequenas e medias empresas), previdência (análises sobre potenciais reformas), turismo (políticas e tendências), comércio internacional (serviços e comércio exterior), auditoria interna (governança, TCU) e tributação (Projeto BEPS, RFB).

Ênfase também foi dada à cooperação da OCDE com o Brasil no âmbito do G20, notadamente nas áreas de governança corporativa, anticorrupção e tributação. Na busca por soluções globais no âmbito do G20, a OCDE tem continuamente estimulado a cooperação com o Brasil15. No âmbito do Fórum Global sobre Transparência e Troca de Informações para Fins Fiscais (onde OCDE e G20 têm liderança), asseverou-se o compromisso com troca de informações (por pedido e automática) e com os padrões como estavam sendo desenvolvidos. Outros temas englobam segurança alimentar, volatilidade dos preços dos alimentos e produtividade na agricultura. O Brasil também se tornou membro ativo do Fórum Global sobre Excesso de Capacidade de Aço (criado em Hangzhou, China, em 2016) e copresidente do grupo de trabalho da área de infraestrutura do G20. No tocante a anticorrupção, desde 2000 o país integra a Convenção da OCDE sobre o Combate ao Suborno de Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais Internacionais16 (a convenção antissuborno da OCDE). Em 2016, foi estabelecido um programa regional da OCDE para cooperação com a América Latina, objetivando promover avanços nas agendas de reformas rumo aos padrões da Organização, contendo três prioridades (regionais): produtividade, governança e inclusão social. Esse programa regional tornou-se um interessante mecanismo à produção de dados estatísticos comparáveis, de diálogo político, de avaliação e de assessoria de políticas públicas, facilitando uma participação mais ampla dos países dessa região e garantindo maior acesso ao conjunto de informações que pode ser extraído da Organização. E essa é apenas uma visão geral do histórico de cooperação.

Agora a questão é: e o Brasil, quando se tornará membro?

Em primeiro lugar, o Brasil já participa das atividades da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico como convidado (Art. 12(c), Convenção da OCDE). Para aderir à Convenção, portanto à OCDE (Art. 4), é imprescindível ser convidado - o Brasil já está na "fila". Praxe a demonstração (e comprovação, em larga medida) do compromisso e implementação de mudanças normativas e de práticas domésticas de forma a alinhá-las aos padrões executados no âmbito da Organização.

Dada a exigência de unanimidade dos demais membros à acessão (Art. 16), requisito basilar no avanço do seu pleito, questiona-se desde já a futilidade de se buscar apoio desmedido em um membro (ou grupo destes) se tal ação poria o país em contraposição com outros. A obsessão pelo apoio dos Estados Unidos da América, como se tem noticiado desde o início do último Governo, bota tal atitude em xeque, tendo-se em vista os objetivos pretendidos, quanto mais ao se expor a uma série de concessões nas mais variadas esferas e canais do Direito Internacional na ingênua esperança de rápido acesso - definitivamente não é assim que a OCDE funciona.

E mais: celebra-se o dispositivo que prevê que decisões oriundas dos trabalhos da Organização somente vincularão cada dos membros desde que seus procedimentos constitucionais tenham sido observados (Art. 6.3). A problemática surge, em se pensando no Brasil, pelo mesmo dispositivo prever, em sua parte final, a possibilidade de execução provisória dos atos oriundos da Organização, contrapondo a posição brasileira quando da reserva ao artigo 25, da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados de 1969 (CVDT)17, que prevê justamente tal vigência provisória (antes da conclusão do processo de ratificação, nos termos da CVDT).

No mais, em termos financeiros, a contribuição demandada dos membros estaria longe de ser um empecilho18. E a possibilidade de acordar separadamente o regime de imunidades, isenções e privilégios, além de eventuais acordos de sede, como prevista no protocolo suplementar 2 à Convenção da OCDE19, por sua vez, soa bem interessante.

Em linhas conclusivas, a verdade é que a atual participação ativa do Brasil nos trabalhos da OCDE ainda assim não lhe atribui todas prerrogativas ao pleno exercício de sua participação, pois que não-membro. O chamamento constante da Organização ao incremento da cooperação, conjuntamente à procura da OCDE por parte de variados órgãos brasileiros de maneira direta20 atestam que, talvez, esteja se deparando com um movimento irresistível (de adesão à Organização). Em tempos de instabilidades - muitas vezes de motivação incompreensível - nos mais variados campos da vida humana, tende-se a duvidar da eficiência (quiçá da inevitabilidade) do multilateralismo enquanto propulsor do avanço das sociedades do globo. Nessas horas, evidentemente atentos aos acontecimentos do dia a dia, é imprescindível uma estratégia de longo prazo, somente plenamente realizável pela cooperação internacional nas mais distintas áreas de atuação (sabidamente cada vez mais entrelaçadas). Paradoxalmente, a pandemia que enfrentamos pode servir de estímulo e de barreira ao avanço na concretização do objetivo de aderir à OCDE. Mas o que importa é que, qual seja a decisão brasileira diante da questão, deve esta sopesar ônus e bônus, num planejamento não-imediatista, e ser fundamentada pela razão e pela busca do bem comum.

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1 Cf. Clique aquiAcesso em 03 mai. 2020.

2 Posteriormente aos procedimentos domésticos que autorizaram a ratificação (com o depósito do instrumento correspondente).

3 Convém destacar que já se encontra em fase final de revisão para publicação a dissertação de mestrado deste que escreve, onde essas e (muitas) outras questões são analisadas a fundo, em especial no tocante às peculiaridades da atuação da OCDE no Direito Internacional e nas suas relações com o Brasil.

4 Criada em 1948, no contexto do Plano Marshall, à reconstrução de uma região devastada pela II Guerra Mundial.

5 Disponível em: Clique aqui. Acesso em 03 mai. 2020.

6 Informações detalhadas sobre a data de adesão de cada membro disponíveis em: Clique aqui. Acesso em 03 mai. 2020.

7 Resumidamente, o Conselho é composto por todos os membros da Organização, e é o órgão de onde emanam todos os seus atos, com encontros em sessões de ministros ou de representantes permanentes (Art. 7, Convenção da OCDE), reuniões estas regulares, para discutir os principais trabalhos da Organização, compartilhar preocupações e tomar decisões por consenso.

8 Disponível em: Clique aqui. Acesso em 03 mai. 2020.

9 A Comissão Europeia é a instituição responsável por representar e amparar os interesses gerais da União Europeia, na sua totalidade, funcionando como seu governo. Sem ignorar o papel coordenador do Alto Representante da União para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança, vale notar a acentuação do aspecto volitivo da União passou a ser muito mais plausível após a atribuição de personalidade jurídica à UE, com o advento do Tratado de Lisboa (2007), como se pode ver, por exemplo, na sua atuação perante a OCDE.

10 Cf. OECD. European Union and the OECD. Disponível em: Clique aqui. Acesso em 03 mai. 2020.

11 Basicamente, o Secretariado é quem desempenha as atividades do dia a dia da Organização. Liderado pelo Secretário-Geral, é composto por diretorias e divisões que trabalham como formuladores de políticas, auxiliando na elaboração de políticas com base em evidências empíricas, em estreita coordenação com os comitês. As direções reportam ao Secretário-Geral, e os funcionários incluem técnicos das mais variadas áreas - economistas, juristas, cientistas, analistas políticos, sociólogos, estatísticos, profissionais de comunicação e especialistas em geral.

12 Cf. OECD. Active with BrazilDisponível em: Clique aqui. Acesso em 03 mai. 2020.

13 Vide nota anterior.

14 Vide OECD. Launch of Brazil-OECD Programme of Work 2016-2017. Disponível em: Clique aqui. Acesso em 03 mai. 2020.

15 Destaque, por exemplo, ao papel desempenhado nos debates acerca de temas ligados ao Pacote BEPS, onde o país passou a integrar o grupo diretor dos trabalhos.

16 OECD. Convention on Combating Bribery of Foreign Public Officials in International Business TransactionsDisponível em: Clique aqui. Acesso em 03 mai. 2020.

17 Disponível em: Clique aqui. Acesso em 03 mai. 2020.

18 Cf. OECD. Member Countries' Budget Contributions for 2017. Disponível em: Clique aqui. Acesso em 03 mai. 2020.

19 Disponível em: Clique aqui. Acesso em 03 mai. 2020.

20 O ano de 2019 testemunhou uma série de eventos nesse sentido, como o de revisão por pares envolvendo o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), ou o acordo sobre preço de transferência com a Receita Federal do Brasil (RFB), ou até as trocas de experiências com o Tribunal de Contas da União (TCU).

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*Raphael Molina é mestre em Direito das Relações Econômicas Internacionais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), membro associado do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT), sócio de Molina & Reis Sociedade de Advogados - Top Lawyers - Edição 2019/20.

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