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Essa conta não é do servidor público: PLP 39/2020 e o congelamento de salários

Larissa Rodrigues de Oliveira e José Norberto Pinheiro de Oliveira

Sem dúvidas o PLP aprovado pelo Plenário do Senado Federal reforça a condução ofensiva por parte do Governo Federal em relação ao funcionalismo público.

segunda-feira, 11 de maio de 2020

Atualizado às 11:15

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Nesse momento, está em apreciação no Plenário da Câmara dos Deputados o Projeto de Lei Complementar 39/2020, que trata do auxílio financeiros aos Estados e Municípios para enfrentamento do novo coronavírus.

Merece atenção por parte de todos os servidores públicos, o artigo 8º do texto aprovado, que estabelece o congelamento de salários dos servidores públicos federais até 31/12/2021, regula a contratação temporária e alcança a contagem do tempo de serviço para fins de anuênios, triênios, quinquênios, licenças-prêmio, dentre outros.

Do PLC 39/2020

Na noite de sábado o Plenário do Senado Federal aprovou o Projeto de Lei Complementar 39/2020 em caráter substitutivo à proposta original contida no Projeto de Lei Complementar 149/2020, proposto na Câmara dos Deputados e enviado para apreciação no âmbito do Senado Federal.

O cerne de ambos os projetos consiste em estabelecer a "cooperação federativa na área da saúde e assistência pública em situações de emergência de saúde pública de importância nacional ou internacional", conhecido como "Programa Federativo de Enfrentamento ao Coronavírus", com objetivo de assegurar aos Estados e aos Municípios auxílio financeiro advindo da União Federal.

Conforme exposição de motivos contida no texto inicial proposto no Senado:

"trata-se de regulamentar o processo de discussão e deliberação dessas medidas de saúde pública, com vistas a encontrar um regramento que, além de vincular todos os entes da Federação, garanta a unicidade de objetivos e de meios de atuação contra tais situações emergenciais".

Importa destacar que esse PLP aprovado pelo Senado, e agora em apreciação na Câmara, foi objeto de negociação prévia com o Poder Executivo, especificamente com o Ministério da Economia. Nesse contexto, foi acertado entre os Poderes Executivo e Legislativo a concessão de contrapartidas relativas à contenção de despesas com pessoal no âmbito do serviço público.

O ministro da Economia, Paulo Guedes, ao sustentar a necessidade de aprovação do projeto, voltou a atacar o funcionalismo público (que já vem sendo alvo de sucessivos ataques antes da pandemia do novo coronavírus) ao sustentar que "não pode faltar recurso para a saúde. Por isso não pode ter aumento de salário, nenhum outro uso do recurso que não seja relacionado ao coronavírus"1.

Assim, o Projeto de Lei Complementar (PLP) aprovado destinará R$125 bilhões aos Estados e municípios para combate a pandemia da Covid-19, através de repasses diretos e suspensão de dívidas, dentre outras medidas.

Do provável impacto para os servidores públicos em geral

O ponto nevrálgico (e infame) do projeto concentra-se no artigo 8º que, se aprovado na Câmara dos Deputados, estabelecerá o seguinte:

Art. 8º Na hipótese de que trata o art. 65 da Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios afetados pela calamidade pública decorrente da pandemia do Covid-19 ficam proibidos, até 31 de dezembro de 2021, de:

I - conceder a qualquer título, vantagem, aumento, reajuste ou adequação de remuneração de membros de Poder ou de órgão, de servidores e empregados públicos e militares, exceto quando derivado de sentença judicial transitada em julgado ou de determinação legal anterior à calamidade pública;

II - criar cargo, emprego ou função que implique aumento de despesa;

III - alterar estrutura de carreira que implique aumento de despesa;

IV - admitir ou contratar pessoal, a qualquer título, ressalvadas as reposições de cargos de chefia e de direção que não acarretem aumento de despesa, aquelas decorrentes de vacâncias de cargos efetivos ou vitalícios, as contratações temporárias de que trata o inciso IX do art. 37 da Constituição Federal, as contratações de temporários para prestação de serviço militar e as contratações de alunos de órgão de formação de militares;

V - realizar concurso público, exceto para as reposições de vacâncias previstas no inciso IV;

VI - criar ou majorar auxílios, vantagens, bônus, abonos, verbas de representação ou benefícios de qualquer natureza, inclusive os de cunho indenizatório, em favor de membros de Poder, do Ministério Público ou da Defensoria Pública e de servidores e empregados públicos e militares, ou ainda de seus dependentes, exceto quando derivado de sentença judicial transitada em julgado ou de determinação legal anterior à calamidade;

VII - criar despesa obrigatória de caráter continuado, ressalvado o disposto nos §§ 1º e 2º;

VIII - adotar medida que implique reajuste de despesa obrigatória acima da variação da inflação medida pelo IPCA, observada a preservação do poder aquisitivo referida no inciso IV do caput do art. 7º da Constituição Federal;

IX - contar esse tempo como de período aquisitivo necessário exclusivamente para a concessão de anuênios, triênios, quinquênios, licenças-prêmio e demais mecanismos equivalentes que aumentem a despesa com pessoal em decorrência da aquisição de determinado tempo de serviço, sem qualquer prejuízo para o tempo de efetivo exercício, aposentadoria, e quaisquer outros fins;

§ 1º O disposto nos incisos II, IV, VII e VIII do caput deste artigo não se aplica a medidas de combate à calamidade pública referida no caput cuja vigência e efeitos não ultrapassem a sua duração.

(...)

§ 5º O disposto no inciso VI do caput deste artigo não se aplica aos profissionais de saúde e de assistência social, desde que relacionado a medidas de combate à calamidade pública referida no caput cuja vigência e efeitos não ultrapassem a sua duração.

§6º O disposto nos incisos I e IX do caput deste artigo não se aplica aos servidores públicos civis e militares desde que diretamente envolvidos no combate à pandemia da Covid-19:

I - dos Estados, Distrito Federal e Municípios, das áreas de saúde e segurança pública; e

II - das Forças Armadas.

Em síntese, a aprovação do projeto CONGELA SALÁRIOS DE TODOS OS SERVIDORES E EMPREGADOS PÚBLICOS FEDERAIS, ESTADUAIS E MUNICIPAIS, de forma indiscriminada, ATÉ 31/12/2021; suspende a contratação de pessoal em determinadas hipóteses e suspende a contagem de tempo de serviço para efeitos de anuênios, quinquênios, licenças-prêmio e demais mecanismos equivalentes que aumentem a despesa com pessoal em decorrência da aquisição de determinado tempo de serviço.

Estão excluídos dessas previsões, em especial do congelamento de salário, os servidores públicos da área da saúde, segurança pública e Forças Armadas.

Ainda, conforme estabelece o inciso I, estão excetuadas as situações anteriores à decretação de calamidade pública (ocorrida em 20/03/2020) e casos de sentença judicial transitada em julgado.

Há tempos o funcionalismo público tem sido alvo de ataques por parte do ministro da Economia, como se os responsáveis pelas mazelas econômicas do país fossem as despesas de pessoal com servidores públicos, que têm envidado imensurável esforço para suportar o desmonte que vem sendo feito desde o início de 2019, sobretudo a partir da Reforma da Previdência.

O congelamento de salários no atual cenário significa, nada menos, que a redução indireta dos vencimentos, sobretudo dos servidores públicos federais que desde 1º de março sofreram aumento de desconto em seus contracheques em razão do aumento da alíquota previdenciária.

No seu mais recente ataque, o ministro da Economia afirmou: "precisamos também que o funcionalismo público mostre que está com o Brasil, que vai fazer um sacrifício pelo Brasil, não vai ficar em casa, trancado com geladeira cheia, assistindo a crise, enquanto milhões de brasileiros estão perdendo emprego"2.

De forma irresponsável, o governo tenta transferir à força de trabalho do serviço público uma responsabilidade que não lhe compete. Assim tem sido, como revela a aprovação da Reforma da Previdência, a tentativa de aprovar a Reforma Administrativas e outras investidas relacionadas às inúmeras tentativas de congelamento e redução salarial no âmbito do serviço público.

Não há dúvidas de que o Governo Federal poderia ter buscado em outras fontes de custeio, os recursos necessários para auxiliar Estados e Municípios. Entretanto, sempre pegando o caminho mais fácil, escolheu penalizar os servidores públicos.

A exemplo disso, é de se ver que a Lei Orçamentária Anual (LOA) para o ano 2020 estimou a destinação de aproximadamente 343 bilhões para emissão de títulos públicos, ao passo que estimou apenas 95 bilhões para a área da educação na manutenção e desenvolvimento do ensino.

A aprovação do PLP na forma em que se encontra, constitui a forma mais grave de penalização aos trabalhadores do serviço público brasileiro. Ao mesmo tempo que o congelamento é indiscriminado, uma vez que não considera todas as categorias que estão diretamente envolvidas no combate a covid-19, está claramente sendo utilizado como evidente disfarce por parte do Executivo para continuar a sacrificar a classe trabalhadora.

Em primeiro lugar porque o congelamento do salário, especialmente após o aumento de desconto alíquota previdenciária, configura redução indireta do salário. Redução esta que se dará de forma injustificada, em tempos onde todos estão empenhando sua força máxima de trabalho para combater a pandemia que nos assola.

Os docentes das Instituições Federais de Ensino (IFEs), por exemplo, independente da suspensão do calendário acadêmico, seguem firmes na realização de pesquisas científicas para fornecimento de dados e diretrizes fundamentais para a tomada decisões por parte dos governos federal, estaduais e municipais; no desenvolvimento e entrega de Equipamentos de Proteção Individual (EPI's) para os profissionais da saúde e outras diversas atividades que os colocam na linha de combate ao novo coronavírus. E nesse contexto, não poderiam ser excluídos do rol daqueles que estão diretamente envolvidos com a calamidade.

Trata-se de categoria do serviço público que, indubitavelmente, também integra a linha de frente no combate à covid-19.

Por sua vez, o inciso IX ao proibir a utilização do tempo de serviço até 31/12/2021 para "contar esse tempo como de período aquisitivo necessário exclusivamente para a concessão de anuênios, triênios, quinquênios, licenças-prêmio e demais mecanismos equivalentes que aumentem a despesa com pessoal em decorrência da aquisição de determinado tempo de serviço, sem qualquer prejuízo para o tempo de efetivo exercício, aposentadoria, e quaisquer outros fins", põe em controvérsia um direito fundamental de qualquer trabalhador: o direito à progressão funcional.

A aprovação do texto nesses termos, sem dúvidas, tende a causar severo prejuízo à vida funcional de cada um servidores públicos, incluindo os empregados públicos.

Novamente no tocante aos docentes das IFEs, veja-se que a progressão/promoção funcional é assegurada a cada interstício de 24 meses de efetivo exercício por nível. Por um lado, pode-se considerar que o texto aprovado não deverá obstar a contagem do tempo adquirido pelos docentes até 31/12/2021, tampouco obstará a concessão de progressão funcional a qualquer tempo dentro desse período. Ao mesmo tempo, e constituindo a controvérsia, o texto proíbe a utilização do tempo de serviço até 31/12/2021 para aquisição de direito decorrente de tempo de serviço. Ora, sendo a progressão/promoção funcional direito adquirido a partir do tempo de serviço, o texto abre margem para que tal direito venha a ser impedido. Sendo assim, estaríamos diante de claro enriquecimento ilícito por parte da Administração Pública.

O servidor público empenha toda sua força de trabalho em atividades científicas, acadêmicas e administrativas, favorecendo a Administração Pública e o interesse coletivo, sem receber a contrapartida expressamente prevista em lei, qual seja, a progressão funcional.

Sem dúvidas o PLP aprovado pelo Plenário do Senado Federal reforça a condução ofensiva por parte do Governo Federal em relação ao funcionalismo público.

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1 Guedes pede ao Senado aprovação de ajuda a estados com contrapartidas. Fonte Senado.

2 Servidor não pode ficar em casa com a geladeira cheia, enquanto milhões perdem o emprego, diz Guedes. Acesso em 3/5/20.

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*Larissa Rodrigues de Oliveira é formada em Direito pelo Centro Universitário de Brasília - UniCEUB, em 2015. Mestre em Direito Laboral pela Universidade de Coimbra (Portugal) com diploma revalidado pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Pós-graduanda em Direito do Trabalho e Previdenciário pelo UniCEUB. 

**José Norberto Pinheiro de Oliveira é advogado.

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