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Apenas coerência

Ninguém discorda que os três Poderes (ou três funções do Poder) estejam vinculados e subordinados à Constituição Federal.

quarta-feira, 13 de maio de 2020

Atualizado às 13:00

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Importante fazer distinção entre ativismo judicial e controle judicial dos atos do executivo e do legislativo.

Ninguém discorda que os três Poderes (ou três funções do Poder) estejam vinculados e subordinados à Constituição Federal.

Também ninguém discorda que deva haver harmonia e independência entre os Poderes e que ultrapassar esse limite significa afronta ao artigo 2 da CF/88.

Também ninguém olvida que é a própria Constituição Federal que prevê os casos em que os Poderes exercem, pontualmente, as funções típicas uns dos outros. Alguns exemplos: Judiciário legisla ao editar súmulas vinculantes; Legislativo julga no caso de impeachment; Executivo legisla ao editar medidas provisórias, com força de lei.

Da mesma forma é a Constituição Federal que permite, expressamente, que o Judiciário declare a nulidade de leis, exercendo, assim, controle de constitucionalidade. Ou seja, se leis podem ser declaradas nulas pelo Judiciário, atos normativos (decretos, por exemplo) de "menor peso" do Executivo podem ser, em tese, submetidos ao controle do Judiciário, não para discutir a discricionariedade ínsita ao seu mérito, mas para aferição de sua harmonia ou não com os princípios constitucionais.

O que não se permite é que o Judiciário declare nula(o) uma lei ou ato com base em discordância político-ideológica ou fundamento de ordem meramente moral. Por exemplo, apesar de ser radicalmente contra a discriminação a homossexuais, entendo que houve ativismo judicial do STF ao criar um tipo penal de "crime de homofobia", pois essa é função típica do legislativo e não da Corte de Justiça; da mesma forma, o STF feriu a separação de poderes ao "fazer dosimetria ou filtragem de crimes" em decreto de indulto natalino, ato privativo do presidente da República.

Com relação ao "caso Ramagem", a fundamentação básica da decisão do ministro Alexandre de Moraes se alicerça na defesa dos princípios da impessoalidade e da moralidade, previstos no "caput" do artigo 37 da CF/88. Entendeu o ministro que sendo o delegado Ramagem um dos melhores amigos da família Bolsonaro, fato este incontroverso e admitido por todos, e sendo a família investigada pela PF em alguns inquéritos, referida nomeação estaria ferindo os princípios acima aludidos, principalmente porque o presidente admitiu, em seu pronunciamento do dia 24.04.20, às 17h, que queria mesmo exercer influência política na PF e obter informações sobre procedimentos sigilosos, necessitando, assim, segundo palavras dele, de alguém com quem pudesse interagir.

Perceba-se que o ministro não fez exercício de futurologia, como dizem alguns, mas apenas promoveu um simples exercício de subsunção do fato à norma, num claro silogismo, com premissas e conclusão jurídicas. Imagine-se, por exemplo, que o Dr. Ramagem já fosse o Diretor Geral da PF, mesmo antes da eleição do atual presidente. Nesse caso, com certeza ele teria que se declarar no mínimo suspeito para a condução de qualquer inquérito e/ou investigação que envolvesse algum amigo íntimo seu.

Há, ainda, a decisão proferida pelo ministro Gilmar Mendes, que impediu Lula de tomar posse como ministro, no famoso episódio em que há uma interceptação telefônica da então presidente Dilma, falando claramente para ele usar o ato de nomeação que o funcionário Bessias estava levando para, com isso, evitar eventual prisão que estava iminente. Nenhuma dúvida do desvio de finalidade no ato de nomeação, afinal, referida nomeação dar-se-ia com o único objetivo de evitar uma prisão, ferindo frontalmente os mais elementares princípios do mesmo "caput" do artigo 37 da CF/88.

Mas o Direito não é uma ciência exata. Há opiniões, também jurídicas, respeitadíssimas, em sentido totalmente contrário ao que ora eu expresso, como, por exemplo, dos geniais Lênio Streck e Yves Gandra Martins. Mas quero pontuar que nossa divergência não reside na distinção teórica do que seja ativismo e controle judicial legítimo. Nisso concordamos. Nosso contraponto se situa no campo da análise dos fatos, da hipótese de incidência e de sua subsunção ou não às normas constitucionais. Nessa análise, que passa pelo plano empírico, é que reside um pensar diferente, mas, repito, sempre respeitoso! Difícil mesmo é ver coerência em quem não defenda a decisão do ministro Gilmar Mendes e, ao mesmo tempo, defenda a do ministro Alexandre de Moraes ou o contrário...

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*Zaiden Geraige Neto é doutor, mestre e graduado em Direito pela PUC/SP, Professor de mestrado e doutorado da Universidade de Ribeirão Preto, MBA pela FGV.

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