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O pensamento sistêmico e sua efetividade através dos acordos em tempos de covid-19

Afinal, quando se fala em conflito, é preciso lembrar que não existe contenda não elegível a algum tipo de composição.

quinta-feira, 14 de maio de 2020

Atualizado às 09:40

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Como acontece de tempos em tempos na história da trajetória humana, subitamente o imprevisível - tão inerente à vida e à existência - trouxe abaixo as metas, planos e até mesmo as contingências, tanto de indivíduos e organizações, como de nações inteiras. A premissa de "estar no controle" carrega em si uma boa dose de ilusão. Tempos difíceis, onde o convite ao novo urge.

Não há dúvidas de que, a despeito de todas as inéditas dificuldades e do medo que está sendo vivenciado por todos, inclusive com a ocorrência de atos oportunistas de alguns, a pandemia do covid-19 trouxe iniciativas que trazem alento e renovam as esperanças na humanidade, enquanto espécie.

Do micro ao macro, vizinhos se dispondo a fazerem compras e afazeres para que os mais idosos fiquem em casa, empresas concedendo descontos em faturas e disponibilizando serviços, produtos e conteúdos gratuitos para amenizar os efeitos da quarentena, o Poder Público editando rápidas medidas para subsidiar aqueles que tiveram súbita perda de renda, além de conceder prorrogações para o cumprimento de obrigações. Estas, dentre muitas outras medidas que se viram nos últimos dias, demonstram a presença de um lento processo de maturidade nas questões da coletividade, refletido através de um pensamento sistêmico, que merece ser comentado.

A Teoria Geral de Sistemas, surgiu com os trabalhos do biólogo austríaco Ludwig Von Bertalanffy, publicados entre 1950 e 1968. Muito embora tenha nascido sob o enfoque da biologia, a Teoria Geral dos Sistemas rapidamente passou a ser utilizada em outros campos do conhecimento, pois seus axiomas encontram aplicação em absolutamente tudo, permitindo a inter-relação e integração de assuntos que são, na maioria das vezes, de natureza completamente diferentes.

Em brevíssima síntese, essa teoria nos mostra que tudo o que existe, sejam coisas, indivíduos ou organizações, pertencem a sistemas. Vivemos, somos e participamos de sistemas. Assim, nosso corpo, nossa família, nosso trabalho e tudo mais que nos rodeia no universo, constitui um sistema, e este pode ser conceituado superficialmente como sendo uma estrutura organizada, em interação entre as partes e com o meio. Um sistema pressupõe interdependência entre as partes, e tem dentre seus pressupostos basilares o maior deles: O Todo é maior do que a soma entre as partes!

Aqui está a premissa do pensamento sistêmico, que talvez tenha levado uma grande quantidade de pessoas, empresas, profissionais e outras organizações a pensar para além de seus próprios interesses individuais nesta pandemia, excetuados é claro aqueles que já agem desta forma movidos por intentos solidários mais altruístas.

Feitas estas breves, porém necessárias, digressões chega-se ao ponto fulcral do presente texto. É certo que o sistema de administração e distribuição da Justiça, em especial o Judiciário, sofrerá acentuados efeitos decorrentes da pandemia do coronavírus. Seja pelo aumento de ações judiciais que discutirão os efeitos desta pandemia nos contratos de toda natureza (teoria da imprevisão), seja pelo aumento do tempo de duração de processos que a demanda estancada criada pela suspensão dos prazos causou, ou por qualquer outro motivo decorrente da devastação na economia causada pelo covid-19, é certo que este evento de força maior poderá trazer ainda maior demora na entrega da prestação jurisdicional pelo Estado-Juiz.

Como consequência, não só o sistema de Justiça, mas todos aqueles que dependem da sua atuação serão atingidos. Afinal a demora na resolução de um processo judicial traz muitos inconvenientes às pessoas e empresas, afetando provisões, aumentando custos e despesas e causando desgastes emocionais de toda ordem, dentre muitos outros efeitos nefastos. 

Há tempos o Legislador e o Judiciário vêm trabalhando para alterar o paradigma da judicialização dos conflitos, atendendo assim a um anseio da sociedade, sempre ávida por uma solução mais rápida e efetiva dos problemas. O novo código de processo civil vigente desde 2016 trouxe muitos incentivos para as medidas alternativas de resolução de conflitos, inclusive encarecendo os custos de um processo judicial e criando pautas específicas para as tentativas de solução consensual. A lei 13.140/2015 que dispõe sobre a mediação, constituiu outro marco neste sentido.

Tendo em vista todas estas possibilidades, tem-se que no cenário atual as soluções conciliatórias constituem o caminho mais curto, efetivo e menos oneroso para a resolução das demandas judiciais, e deverão ser cada vez mais amplamente incentivadas por todos os players, especialmente pelo próprio Judiciário, que tem buscado alternativas para a resolução das lides, como institucionalização da utilização do Whatsapp para atos processuais em alguns juízos, a viabilização da realização de audiências por videoconferência, inclusive uma fazendo uso de plataforma emergencial de videoconferência para atos processuais, recém lançada pelo CNJ para auxílio no trâmite dos processos neste período de quarentena.

Na via extrajudicial, as plataformas de ODR (Online Dispute Resolution) já vinham se concretizando como uma via eficiente na resolução de conflitos, por propiciarem um método auto compositivo onde as partes recuperam o diálogo direto, trazendo boas chances de uma resolução muito mais célere e barata do litígio. E agora, em tempos de quarentena, essas plataformas passam a ter papel fundamental, tendo em vista oferecerem um ambiente totalmente digital e confiável para as tratativas na busca da resolução de conflitos.

Evidentemente o mais importante é que as partes no processo, sejam pessoas físicas ou jurídicas, se invistam do pensamento sistêmico, sobretudo neste momento em que este "inimigo comum" chamado covid-19 assim convida, e cientes da sua interdependência e inter-relação, se disponham a abdicar de algo para que a conciliação possa se efetivar, beneficiando o todo: Partes, Estado-Juiz e Economia.

Afinal, quando se fala em conflito, é preciso lembrar que não existe contenda não elegível a algum tipo de composição. Não se pode dizer o mesmo em relação às partes. E sendo portanto, uma questão ligada ao fator humano, sempre será possível uma solução mais efetiva, desde que baseada em uma mudança de mentalidade.

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*Caio Montano Brutton é especialista em Direito das Relações de Consumo, membro da Comissão de Direito Sistêmico da OAB-MG, é sócio do Fragata e Antunes Advogados.

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