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Regime de tributação de ganhos com variação cambial: Oportunidade diante do afastamento social e da crise política

Além de acompanhar os novos pacotes econômicos e fiscais trazidos pelas autoridades, as empresas devem ficar atentas aos mecanismos já existentes na legislação, mas que acabam menos prestigiados ou esquecidos por serem hipóteses de exceção.

segunda-feira, 18 de maio de 2020

Atualizado às 10:51

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Diante das adversidades trazidas com as políticas de distanciamento social e das mudanças no cenário político, há oportunidades que podem ajudar a suavizar os efeitos financeiros e econômicos negativos que decorrem do período de recessão e incertezas.

Além de acompanhar os novos pacotes econômicos e fiscais trazidos pelas autoridades, as empresas devem ficar atentas aos mecanismos já existentes na legislação, mas que acabam menos prestigiados ou esquecidos por serem hipóteses de exceção: como é o caso da possibilidade de alteração do regime de tributação das variações cambiais no curso de um ano-calendário.

A definição quanto ao regime aplicável para a tributação da variação cambial é informada às autoridades fazendárias logo no início do ano, com a entrega da primeira DCTF do ano, com competência para o mês de janeiro, sendo certo que a escolha quanto a este ponto é irretratável e válida até o final daquele exercício.

Neste momento, o gestor deve decidir se obedecerá a regra geral, e estará sujeito a (I) regra do regime de caixa, com oferecimento à tributação somente quando houver efetiva liquidação do ativo/passivo em moeda estrangeira com a respectiva perda/ganho decorrentes da realização; ou (II) se exercerá sua opção pelo regime de competência, reconhecendo para fins tributários os ganhos e perdas na medida em que são contabilizados, de acordo com a sequência dos fatos e evolução dos contratos.

A ideia é evitar que o contribuinte possa adequar suas antecipações e recolhimentos de Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ), Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), Programa de Integração Social (PIS) e Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) aos regimes de caixa de competência conforme a variação cambial lhe apresentar um efeito conveniente para fins fiscais. Uma vez feita a escolha, estaria a sociedade vinculada ao regime de caixa ou competência até o final do exercício que acabara de ser iniciado.

Deste modo, especialmente em vista da imprevisibilidade de uma pandemia como a que estamos vivendo, combinado com as consequências que derivam de desencontros políticos, o contribuinte por vezes se vê amarrado a uma decisão que foi pautada em um cenário completamente diferente do que se avizinha adiante.

Contudo, há uma exceção, prevista nos termos da medida provisória 2.158-35/01, art. 30 e na instrução normativa RFB 1.079/10, art. 5º. Segundo o que consta na legislação, nos casos de "elevada oscilação da taxa de câmbio", o contribuinte tem o direito de alteração do regime de competência para o regime de caixa no reconhecimento das variações monetárias, no decorrer do ano-calendário.

Tendo em vista a atipicidade do ano de 2020, no qual a variação do dólar vem sendo notícia quase que diária, a alta volatilidade da moeda estrangeira possibilita uma segunda chance de adequação do orçamento de gestores para as novas realidades e projeções.

De acordo com a já citada IN RFB 1.079/10, quando no período de um mês calendário, ou seja, no ínterim entre o primeiro e o último dia do mês, o valor do dólar para venda apurado pelo Banco Central do Brasil sofrer variação, positiva ou negativa, superior a 10%, estará constatada a variação mínima que serve como gatilho para a possibilidade de alteração (art. 5-A).

Analisando o atual ano calendário, tal situação foi verificada no mês de março, quando o dólar foi de R$ 4,49, em 02 de março, para R$ 5,19 no dia 31 do mesmo mês, superando, com alguma folga, a marca de 10% de variação.

Como não é necessária qualquer regulamentação específica adicional por parte das autoridades fazendárias quanto a esta alteração, ocorrendo a oscilação requerida, o contribuinte já está autorizado a formalizar a alteração do seu regime.

Neste cenário, as empresas devem efetivar tal alteração já para a competência do mês de abril. Entretanto, como a informação da alteração só é comunicada às autoridades fazendárias via DCTF, na prática, a modificação só é efetivamente formalizada com a entrega desta obrigação acessória original relativa ao mês seguinte (cfe. solução de consulta COSIT 208, de 2018). Não é possível retificar a DCTF quanto ao regime adotado.

Especificamente para 2020, considerando a dilação de prazos para entrega em razão exatamente da crise da covid-19, a DCTF de abril tem como prazo final de transmissão à RFB o 15º dia útil de Julho de 2020.

Com isso, os contribuintes ainda podem considerar a janela de oportunidade para a alteração do regime, sem esquecer, no entanto, que tal alteração valerá para todo o ano calendário.

Ressalte-se: os efeitos tributários serão experimentados para todos os meses anteriores. E assim como ocorre em janeiro, a alteração não poderá ser objeto modificação nos meses posteriores, salvo a ocorrência de novo cenário de "elevada oscilação da taxa de câmbio" em algum dos meses do mesmo ano calendário.

Desta maneira, quem possui ativos e/ou passivos registrados em moeda estrangeira precisa analisar se eventual mudança é vantajosa para sua operação. Especialmente as potenciais receitas decorrentes da variação cambial de ativos mantidos em moeda estrangeira, sobretudo para fins de PIS e Cofins não cumulativo, que possuem periodicidade mensal e o desconto de créditos sobre as respectivas despesas não possui previsão legal expressa e é cercado de discussões judiciais.

Apesar de no mês de Abril de 2020 não ter ocorrido uma variação de 10% na moeda estadunidense, o cenário em Maio tem, até agora, mostrado uma elevação bastante considerável.

O como o panorama sanitário/econômico/político segue instável, o gatilho da mudança poderá ser acionado ainda neste mês ou em meses vindouros, já que tanto variações positivas quanto negativas são riscos não descartados.

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t*Rafael Dinoá é sócio do escritório Rennó, Penteado, Reis e Sampaio Advogados e professor visitante da Fucape Business School, da Fundação Getúlio Vargas (FGV Direito Rio) e da PUC-Rio.





t*Gabriel Fiuza
é associado do escritório Rennó, Penteado, Reis e Sampaio Advogados.

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