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Os efeitos da relativização das patentes no mundo

Victor Sad de Souza e Bruna Tavares de Melo

Sob a ótica legal em contexto global, pode-se cogitar pela concessão de licença compulsória como instrumento prático para relativizar a exclusividade da patente ao seu titular.

terça-feira, 19 de maio de 2020

Atualizado às 09:40

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A escassez de equipamentos na Itália para atender pacientes com dificuldades respiratórias em decorrência do Covid-19 protagonizou o debate entre a imposição normativa dos direitos que envolvem a proteção de patentes versus o interesse coletivo na resolução de uma questão urgente. 

Partindo do breve conceito de que a concessão de uma patente assegura ao seu titular o direito exclusivo e temporário de explorar economicamente a sua invenção, uma válvula especial usada em respiradores para tratar de casos relacionados ao coronavírus foi objeto de discussão nesse sentido. Seu fornecedor, ora titular desse direito, com baixo estoque deste produto e impossibilitado de fabricá-lo a tempo de suprir a iminente necessidade, suscitou um hospital da cidade de Brescia a buscar ajuda com outrem. 

O pedido de socorro foi atendido pela startup italiana de engenharia Isinnova, que, mesmo sem expressa autorização do titular da patente e através de engenharia reversa, desenvolveu em poucas horas um protótipo da válvula para impressão em 3D, que foi aprovada nos testes feitos pelo hospital. Por cerca de 3 euros os voluntários conseguiram produzir a alternativa diante dos 11 mil dólares que o produto normalmente custa. 

Apesar de o método utilizado para chegar ao resultado pretendido pelo hospital ser usualmente vedado em operações de transferência de tecnologia, e independentemente de como as partes reagiram a tal prática, o caso narrado ilustra a forma com que a sociedade e as empresas têm  enfrentado as dificuldades na atual conjuntura face à escassez de equipamentos vitais ao tratamento da pandemia, debate este que se estende a nível mundial.

Assim, em casos extraordinários, como na atual pandemia, podem ser transpostas barreiras de acesso à informação científica em razão do gozo dos direitos oriundos da legislação fruto da produção inédita de tecnologias para combater a crise, a exemplo da concessão de licença compulsória de patentes?

A "Open COVID Pledge", organização que reúne voluntários das iniciativas públicas e privadas, debate o tema. Nessa plataforma é possível explorar, de forma gratuita e temporária, durante a crise, recursos disponibilizados por diversas universidades e empresas, e já conta com a assinatura de grandes agentes do mercado, como IBM, Microsoft e Facebook.

Já sob a ótica legal em contexto global, pode-se cogitar pela concessão de licença compulsória como instrumento prático para relativizar a exclusividade da patente ao seu titular. No entanto, nem todos os agentes globais têm esse instituto em seu Direito. Os Estados Unidos, por exemplo, apesar de serem um grande polo tecnológico e científico (com 57.840 pedidos de registro de patentes em 2019), não contam com a licença compulsória. A China, por sua vez, país que mais produz invenções patenteáveis no mundo - com 58.990 pedidos em 2019 -, prevê a possibilidade de aplicação desse instituto em casos de crise, mas ainda não foi efetivada. Logo, percebe-se que, mesmo que presente na legislação, a concessão de licença compulsória é incomum.

No Brasil, tramita na Câmara o PL 1462/2020, que sugere a alteração do artigo 71 da Lei de Propriedade Industrial, que trata da concessão de licença compulsória ao titular de patente em casos de emergência nacional ou interesse público. O PL busca acelerar a concessão de licenças compulsórias nesses contextos, bastando a declaração pela OMS constatando o estado crítico para aplicação automática não só ao titular da patente, mas também ao titular do simples pedido. 

Muito além do embate na esfera jurídico-institucional entre o interesse público e o privado, essa mudança na legislação, bem assim o compartilhamento voluntário de propriedade intelectual entre os membros da academia científica e a sociedade que está sendo feito de forma cooperativa, permite acelerar a compreensão da ação do vírus no organismo e, consequentemente, a criação de um método de combate à sua disseminação, a exemplo de uma vacina. Do contrário, poderia se levar a um custoso prolongamento da crise global. 

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*Victor Sad de Souza, atuante na área de Propriedade Intelectual da Urbano Vitalino Advogados.

*Bruna Tavares de Melo, advogada atuante na área de Propriedade Intelectual na Urbano Vitalino Advogados. 

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