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Como mitigar o reconhecimento das gueltas como verbas de natureza salarial

Entende-se por gueltas aquelas gratificações ou prêmios pagos com habitualidade por terceiro aos empregados de uma empresa, com a anuência do empregador no exercício de sua atividade-fim.

terça-feira, 19 de maio de 2020

Atualizado às 10:42

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Das gueltas. Conceito e natureza jurídica

Entende-se por gueltas aquelas gratificações ou prêmios pagos com habitualidade por terceiro aos empregados de uma empresa, com a anuência do empregador no exercício de sua atividade-fim. Ademais, estão atreladas ao objetivo de incentivar vendas de produtos ou serviços, durante o horário de trabalho.

Segundo a doutrina de Vólia Bomfim Cassar1, as gueltas constituem o seguinte:

"As gueltas também se caracterizam em forma de pagamento indireto para estimular as vendas ou a produção. Pode ser paga em valor fixo ou percentual. Guelta é a parcela pecuniária paga, por exemplo, por um laboratório farmacêutico ao vendedor ou balconista da farmácia para incentivá-lo a dar preferência nas vendas dos produtos ou remédios deste laboratório. Outra situação é a da empresa de cartão de crédito que oferece gueltas aos empregados do banco para as operações realizadas em relação aos produtos da empresa de cartão. Se pago com habitualidade, compõe a remuneração para todos os fins. desnaturá-la.

Corroborando com o entendimento doutrinário acima exposto, a doutrinadora Alice Monteiro de Barros2 conceitua gueltas da seguinte forma:

"As chamadas gueltas, pagas ao empregado com habitualidade a título de incentivo, têm feição retributiva, ainda que pagas por terceiro. A onerosidade reside na oportunidade que o empregador concede ao empregado para auferi-la, à semelhança do que ocorre com as gorjetas."

Com isso, infere-se que as gueltas são valores pagos aos empregados, não por seus empregadores, mas sim por terceiros, como forma de incentivo. É aquela vantagem concedida por um terceiro a um empregado de uma outra empresa, em razão de comercialização de produtos daquele que não é integrante do vínculo empregatício.

A natureza jurídica das gueltas, isto é, se integra ou não a base salarial, é assunto bastante questionável no ordenamento jurídico pátrio, tendo em vista que não há  qualquer dispositivo legal que trate acerca de sua natureza e efeitos.

Atualmente, existem duas correntes que se posicionam com relação à natureza jurídica das gueltas. Uma minoritária, que entende que essa parcela se trata tão somente de uma relação entre o empregado e o terceiro, não existindo qualquer obrigação de cunho empregatício e, consequentemente, não possui caráter remuneratório.

Nesse sentido, o TRT da 3ª Região entendeu que as gueltas não satisfazem os requisitos para serem consideradas salário, como podemos observar.

Ementa: GUELTAS NATUREZA JURÍDICA. A parcela denominada "guelta" não tem natureza salarial quando a prova dos autos sinaliza que era quitada pelos fornecedores no intuito de fomentar as vendas de seus produtos comercializados no estabelecimento comercial da reclamada através do incentivo pecuniário aos vendedores que privilegiavam determinada marca em detrimento das demais quando da oferta aos clientes. Destarte, na forma do disposto no artigo 457 da CLT, não se compreende na remuneração o pagamento de prêmios e vantagens, mesmo que habituais, que não eram quitados diretamente pelo empregador. RECURSO ORDINÁRIO RO 16159/02. TRT da 3ª Região.

Por outro lado, a corrente doutrinária e jurisprudencial majoritária defende que, por haver uma relação entre o terceiro e o empregador e pelo fato do relacionamento daquele com o empregado só ser viável em razão de um contrato de emprego, visto que ocorre durante o horário de trabalho, essa parcela teria natureza remuneratória.

Os defensores desse entendimento discorrem ainda que, em razão de sua estrutura e funcionamento, há uma forte tendência em compará-la à gorjeta, uma vez que corresponde à importância espontaneamente dada pelo cliente (terceiro) ao empregado, aplicando a disposição contida na Súmula 354 do TST3.

A jurisprudência exarada pelas cortes trabalhistas, inclusive pelo próprio Tribunal Superior do Trabalho, se inclina ao entendimento de que as gueltas possuem natureza salarial, não servindo de base de cálculo para as parcelas de aviso-prévio, adicional noturno, horas extras e repouso semanal remunerado, com base na súmula 354 do TST4, aplicada, analogicamente, ao presente caso.

Vejamos as ementas jurisprudenciais transcritas abaixo:

GUELTAS. REPERCUSSÃO. Predomina no âmbito desta Corte o entendimento de que as gueltas possuem natureza jurídica idêntica à das gorjetas, uma vez que decorrem de pagamentos efetuados por terceiros que integram à remuneração do empregado, não servindo, contudo, de base de cálculo para as parcelas de aviso-prévio, adicional noturno, horas extras e repouso semanal remunerado, nos termos da Súmula 354 do TST. Recurso de revista conhecido e provido. (ARR - 2600- 63.2014.5.02.0085, Relatora Ministra: Delaíde Miranda Arantes, Data de Julgamento: 31/05/2017, 2ª Turma, Data de Publicação: DEJT 09/06/2017).

RECURSO ORDINÁRIO. FARMÁCIA. PREMIAÇÕES POR METAS.     GUELTAS.     NATUREZA     JURÍDICA.     As     gueltas correspondem aos valores pagos por terceiros, distribuidores ou fornecedores, aos empregados de empresa atacadista, com o consentimento desta, com a finalidade de fomentar a venda ou produção de determinados produtos, propiciando ainda, ao empregador, auferir maiores lucros, em razão do acréscimo das vendas. Constituem-se, portanto, em forma de pagamento indireto, assemelhando-se às gorjetas, pois ambas correspondem a valores pagos por terceiros, isto é, estranhos à relação empregatícia, sendo que as gorjetas são comumente pagas pelos clientes, enquanto que as gueltas são pagas por um parceiro ou um fornecedor. No entanto, nas duas hipóteses, o empregado pode receber diretamente do terceiro ou indiretamente, por meio do empregador. Por possuírem a mesma natureza jurídica, deve ser aplicada às gueltas, analogicamente, a Súmula n. 354 do TST, de modo que integram a remuneração do empregado, não servindo de base de cálculo, porém, para as parcelas de aviso-prévio, adicional noturno, horas extras e repouso semanal remunerado. (TRT-13 - RO: 00005458920185130022 0000545-89.2018.5.13.0022, 1ª Turma, Data de Publicação: 13/02/2020).

AGRAVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.015/14 E REGIDO PELO CPC/2015 E PELA IN Nº 40/2016 DO TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO. GUELTAS. NATUREZA JURÍDICA. INTEGRAÇÃO À REMUNERAÇÃO. Não merece provimento o agravo no que concerne ao tema impugnado, pois não desconstitui os fundamentos da decisão monocrática pela qual se negou provimento ao agravo de instrumento das reclamadas, com fundamento na Súmula nº 333 do TST e no artigo 896, § 7º, da CLT. O artigo 457 da CLT dispõe que "compreendem-se na remuneração do empregado, para todos os efeitos legais, além do salário devido e pago diretamente pelo  empregador, como contraprestação do serviço, as gorjetas que receber". Com efeito, as gueltas, parcelas pagas por terceiros, têm a mesma natureza das gorjetas, já que são providas, in casu, pelo fabricante de baterias, como vantagem pecuniária a título de incentivo ao empregado. Nesse contexto, a jurisprudência desta Corte superior tem se firmado no sentido de que se aplica às gueltas, analogicamente , o entendimento consignado na Súmula nº 354 do TST, a qual prevê que as gorjetas integram a remuneração do empregado, não servindo de base de cálculo apenas para as parcelas de aviso-prévio, adicional noturno, horas extras e repouso semanal remunerado. Assim, tendo as gueltas natureza jurídica salarial semelhante à das gorjetas, devem integrar a remuneração para todos os efeitos legais, nos termos do artigo 457 da CLT e da Súmula nº 354 do TST, não servindo de base apenas para cálculo do aviso-prévio, do adicional noturno, das horas extras e do repouso semanal remunerado. Agravo desprovido. (TST - Ag-AIRR: 10785420165100102, Relator: José Roberto Freire Pimenta, Data de Julgamento: 23/10/2019, 2ª Turma, Data de Publicação: DEJT 25/10/2019) (g.n)

Nesse sentido, caso seja reconhecida, em juízo, a natureza remuneratória das gueltas, o efeito jurídico decorrente é a obrigação do empregador em utilizar essa parcela para fins de cálculo e pagamento das verbas trabalhistas como: remuneração mensal, décimo terceiro salário, férias e abono, FGTS e recolhimentos previdenciários, ou seja, integra-la à remuneração.       Por outro lado, não incidem em relação ao aviso prévio, adicional noturno, horas extras e repouso semanal remunerado.

Além disso, caso entenda-se que houve violação aos direitos do empregado, por não receber a sua remuneração completa, sendo lesionados por não poderem escolher de forma mais ampla com o que irão gastar a remuneração, pode-se ainda haver condenação por dano moral.

Há uma sensível corrente jurisprudencial que defende que, para que seja atribuída natureza salarial às gueltas, o respectivo pagamento deve ser feito de forma habitual.

Vejamos:

RECURSO DE REVISTA -GUELTAS. Esta Corte tem se posicionado no sentido de que, a parcela denominada gueltas equipara-se às gorjetas, uma vez que pagas por terceiros, e com habitualidade, como vantagem pecuniária a título de incentivo ao empregado, impondo-se a aplicação por analogia do entendimento exarado na Súmula nº 354 deste Tribunal Superior. Recurso de revista de que se conhece parcialmente e a que se dá provimento parcial. (TST - RR 0035900-87.2009.5.13.0012 - Sétima Turma; DEJT 25/05/2012, Rel. Min. Pedro Paulo Manus).

"AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. PAGAMENTO      POR      FORA.      GARANTIA     ESTENDIDA. "GUELTAS". Esta Corte Superior entende que a parcela denominada "guelta" equipara-se às gorjetas, por ser paga por terceiros e com habitualidade, como vantagem pecuniária a título de incentivo ao empregado, impondo-se a aplicação por analogia do entendimento exarado na Súmula nº 354 deste Tribunal Superior. Dessarte, estando a decisão regional em consonância com tal entendimento, incide ao caso o óbice  da  Súmula  nº  333  e  do  art.  896,  §  7º,  da  CLT.  Agravo  de instrumento conhecido e não provido" (AIRR-1717-09.2014.5.02.0056, 8ª Turma, Relatora Ministra Dora Maria da Costa, DEJT 04/10/2019).

O ordenamento jurídico trabalhista ainda não estabeleceu, de forma sólida, como se configura a habitualidade para fins de definição da natureza jurídica das contraprestações ofertadas no decorrer da relação de trabalho.

Embora o artigo 48 da MP 905/195, para fins de não reconhecimento de natureza salarial, estabeleça um período de quatro vezes no mesmo ano civil e, no máximo, de um no mesmo trimestre civil, entende-se não ser razoável se apoiar no referido dispositivo, antes da definitiva conversão mencionada medida provisória em lei.

Com isso, com base nas explanações acima tecidas, infere-se que:

I. No ordenamento jurídico pátrio, há uma corrente minoritária que entende que as gueltas se tratam, tão somente, de uma relação entre o empregado e o terceiro, não existindo qualquer obrigação de cunho empregatício e, consequentemente, não possui caráter remuneratório;

II. O entendimento predominante é que as gueltas possuem natureza salarial, e que, segundo o entendimento consolidado do Tribunal Superior do Trabalho, se equiparam às gorjetas, com base na Súmula 354 do TST, aplicada, analogicamente, ao presente caso;

III. Com base no referido entendimento sumular, mesmo se revestindo de natureza remuneratória, as gueltas não incidem sobre aviso prévio, adicional noturno, horas extras e repouso semanal remunerado; e

IV. O pagamento habitual das gueltas contribui para que seja reconhecido, em juízo, a natureza salarial da referida verba.

Para ler o artigo na íntegra clique aqui

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1 CASSAR, Vólia Bomfim.Direito do Trabalho." São Paulo: Método, 2014, 9ª ed, versão digital.

2 Barros de, Aline Monteiro. In: Calvo, Adriana. Manual do Direito do Trabalho. São Paulo: Saraiva, 2013.

3 SÚMULA 354. GORJETAS. NATUREZA JURÍDICA. REPERCUSSÕES. As gorjetas, cobradas  pelo empregador na nota de serviço ou oferecidas espontaneamente pelos clientes, integram a remuneração do empregado, não servindo de base de cálculo para as parcelas de aviso-prévio, adicional noturno, horas extras e repouso semanal remunerado.

4 Súmula nº 354 do TST. GORJETAS. NATUREZA JURÍDICA. REPERCUSSÕES (mantida) - Res. 121/2003, DJ 19, 20 e 21.11.2003. As gorjetas, cobradas pelo empregador na nota de serviço ou oferecidas espontaneamente pelos clientes, integram a remuneração do empregado, não servindo de base de cálculo para as parcelas de aviso-prévio, adicional noturno, horas extras e repouso semanal remunerado.

5 "Art. 5º-A. São válidos os prêmios de que tratam os § 2º e § 4º do art. 457 da Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-lei nº 5.452, de 1943, e a alínea "z" do § 9º do art. 28 desta Lei, independentemente da forma de seu de pagamento e do meio utilizado para a sua fixação, inclusive por ato unilateral do empregador, ajuste deste com o empregado ou grupo de empregados, bem como por norma coletiva, inclusive quando pagos por fundações e associações, desde que sejam observados os seguintes requisitos:

I. Sejam pagos, exclusivamente, a empregados, de forma individual ou coletiva;

II. Decorram de desempenho superior ao ordinariamente esperado, avaliado discricionariamente pelo empregador, desde que o desempenho ordinário tenha sido previamente definido;

III. O pagamento de qualquer antecipação ou distribuição de valores seja limitado a quatro vezes no mesmo ano civil e, no máximo, de um no mesmo trimestre civil;

IV. As regras para a percepção do prêmio devem ser estabelecidas previamente ao pagamento; e

V. As regras que disciplinam o pagamento do prêmio devem permanecer arquivadas por qualquer meio, pelo prazo de seis anos, contado da data de pagamento." (NR)

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*Carla Louzada Marques é sócia do escritório Petrarca Advogados.

*João Paulo Gregório é sócio do escritório Petrarca Advogados.

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