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Soluções Práticas para a Recuperação Judicial e novos Barões de Mauá

Fica claro que a biográfica do Barão de Mauá, nos obrigada em tempos de pandemia a buscar soluções práticas e rápidas ao processo falimentar.

terça-feira, 26 de maio de 2020

Atualizado às 09:53

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O CNJ, por meio da Recomendação 63, de 31 de março de 2020, trouxe diversas recomendações aos juízos com competência para o julgamento de ações de recuperações judiciais e falências, o aconselhamento do órgão teve como norte a necessidade de adoção de medidas para a mitigação dos impactos causados pelo novo coronavírus, causador da Covid-19.1

Em síntese, as recomendações foram as seguintes: a) priorização no deferimento de pedidos de levantamento de valores em favor de credores e empresas recuperandas, b) suspensão da realização de assembleias gerais de credores presenciais, c) prorrogação do prazo de duração (stay period) estabelecido pelo art. 6º da Lei nº 11.101/2015, d) autorizar a possibilidade de apresentação de plano modificativo, e) continuar a realizar a fiscalização das atividades das empresas recuperandas, nos termos da Lei nº 11.101/2005 e f) avaliação com cautela o deferimento de medidas de urgência, decretação de despejo por falta de pagamento e a realização de atos executivos de natureza patrimonial, em face de empresas em recuperação judicial.

Sem desconsiderar a relevância de todas as recomendações, uma delas chama a atenção no que diz respeito à recomendação para que os juízos das recuperações continuem a realizar as assembleias gerais de credores, contudo de forma virtual, afastando assim a exigência legal da assembleia ser realizada de forma presencial como normalmente ocorre, certamente a recomendação tem como objetivo não prejudicar a manutenção das atividades empresariais das recuperandas e prolongar indevidamente o início dos pagamentos aos credores.

Nos parece que o Conselho Nacional da Justiça, quis evitar a quebra de diversas empresas em recuperação judicial, bem como não repetir um capítulo triste de nossa história como ocorreu com Barão de Mauá que, segundo conta a história, endividado pelas despesas realizadas na construção da ferrovia Rio-São Paulo, faliu justamente por conta de um excesso de formalismo que já para época era desnecessário e que, posteriormente, revelou  terem sido os desejos políticos de seus opositores  que contribuíram para sua falência.

Barão de Mauá, foi um dos maiores - senão  o mais emblemático - empresário brasileiro de todos os tempos, sendo um percussor no setor de capitação de recursos estrangeiros. Contudo, o fato de ter muitos credores estrangeiros sediados fora do Brasil, o impedia de evitar sua quebra já que a legislação vigente na época  - que regulamentava a concordata suspensiva o Decreto nº 738, de 25 de novembro de 18502 - exigia a presença dos credores nas assembleias de credores, não sendo aceito a representação dos credores por procuradores ou prepostos.3

Motivado a evitar sua quebra, tentou junto à Coroa a mudança na legislação, abrandando a exigência da concordância dos credores e admitindo a representação em assembleia por procuração. Suas intenções esbarraram em conselheiros palacianos que obstaculizaram seus objetivos, disseminando boatos e intrigas. Espalhavam que o povo dizia haver um imperador e um Rei, este o próprio Mauá. Temendo ser desmoralizado, Dom Pedro II abandonou Barão de Mauá à própria sorte.

De acordo com relatos, Barão de Mauá, tentou na justiça evitar sua falência, sem sucesso, sustentou ainda perante o Parlamento a necessidade da alteração no texto legislativo também sem sucesso, que somente veio a confirmar-se em 1882 por meio do Decreto-Lei 3.0654, permitindo a possibilidade de o credor ser representado por procurador ou prepostos no procedimento da concordata.

Falido, pagou todos os credores, tendo vendido até o último de seus bens particulares. Chegou a tornar-se depois, mais uma vez, um dos homens mais abastados do país.

Nesse contexto, o formalismo excessivo e a visão restritiva da lei vigente não podem, com toda certeza, acarretar a quebra de milhares de empresas em pleno século XXI, a diversidade de recursos tecnológicos podem e devem ser utilizados, seja na recuperação judicial ou mesmo na falência, afastando qualquer arguição de nulidade pelo simples fato da assembleia não ter sido realizada presencialmente.

Como melhor exemplo de eficiência o mecanismo da Assembleia geral de credores virtual, foi utilizada na recuperação judicial da construtora Odebrecht5, atualmente a maior recuperação judicial da história do Brasil.

Em meio ao desencadeamento da pandemia, houve decisão no sentido de que a Assembleia geral de credores fosse realizada por meio virtual, em consonância com as recomendações do Conselho Nacional de Justiça. Importante destacar um trecho da decisão do Juiz Dr. João de Oliveira Rodrigues Filho:

"(...)defiro o pedido de continuidade de realização da AGC do Grupo Odebrecht a ser realizado em ambiente virtual, com a metodologia e os protocolos estabelecidos pelo administrador judicial, nos termos de sua petição de fls. 29.048/29.053, devendo o auxiliar do Juízo engendrar todos os esforços para manutenção da transparência do ato e da higidez da manifestação de vontade dos credores."

Infelizmente, diante dessa decisão, ocorreu interposição de agravo de instrumento por alguns credorese, ao decidir o efeito suspensivo, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, por meio do relator Desembargador Alexandre Lazzarini, de forma irretocável consignou o seguinte:

"No tocante ao ambiente virtual, não se verifica qualquer irregularidade em sua realização, desde que o sistema funcione durante toda a reunião (o que só poderá conhecer após a realização do conclave), permitindo que todos possam exercer seu direito de voz e voto, com amplo acesso aos documentos apresentados durante a AGC. (...) defiro parcialmente a liminar pleiteada, a fim de proibir qualquer deliberação na AGC do dia 31/03/2020, incluída a deliberação sobre a consolidação substancial, podendo, porém, iniciarem-se os debates, com manifestação dos credores, possibilitando, assim, esclarecimentos sobre o novo plano apresentado, além da designação de sua continuidade. Nova assembleia, com a finalidade de deliberação, não deverá ocorrer em prazo inferior ao de 20 dias corridos (e não sujeitos a suspensão dos prazos processuais decorrentes da Covid 19), contados a partir da AGC de 31/3/2020".

A assembleia durou quase 7 (sete) horas, extensa, mas nada diferente do que ocorre em uma assembleia geral de credores presencial, indicando que possivelmente foi mais rápida que se fosse de forma não virtual.

Medidas como essas demonstram que a formalidade, modernidade e o avanço tecnológico podem sim caminharem juntos, sem que a lisura e a segurança jurídica sejam violados, exigindo por fim o esforço de todos os operadores do direito que devem se empenhar em envidar esforços para que o bem comum seja alcançado, no caso do processo de recuperação judicial a preservação da empresa e o direito do crédito do credor.

Por fim, uma menção também importantíssima é a recomendação para realização da fiscalização das atividades das empresas recuperadas, nos termos da lei de forma virtual ou remota, que também traz grande benefício aos credores, evitando assim o prolongamento desnecessário dos processos em curso.

Fica claro que a biográfica do Barão de Mauá, nos obrigada em tempos de pandemia a buscar soluções práticas e rápidas ao processo falimentar, afastando assim ideias ou posturas retrogradas que em nada contribuem para bom desfecho de um processo tão traumático como é a recuperação judicial.

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1 DJe/CNJ nº 89/2020, em 31/03/2020, p. 2-3

2 https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/historicos/dim/DIM0738.htm

3 OCHOA; WEINMANN, 2006. p. 130

4 https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/historicos/dpl/DPL3065-1882.htm

5 1057756-77.2019.8.26.0100

6 AI 2057008-03.2020.8.26.0000 e AI 2055988-74.2020.8.26.0000

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*Ronaldo Cavalcanti de Albuquerque é advogado e sócio da Lee, Brock, Camargo Advogados (LBCA). 

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