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Medidas trabalhistas pós pandemia: O que pode ser feito além das MPs 927 e 936

Sendo excepcionais, os institutos previstos nas MPs 927 e 928 têm validade limitada ao período de calamidade pública nos termos do decreto legislativo 06/20, ou seja, em princípio elas têm validade até 31.12.20.

quinta-feira, 28 de maio de 2020

Atualizado às 10:58

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Uma crise na saúde pública fez a economia do mundo parar, ou quase parar, subvertendo expectativas e trazendo para o primeiro plano uma preocupação social essencial: o emprego e a renda das pessoas num panorama de crise planetária.

O Direito do Trabalho, que é a área do Direito que trata dessa relação jurídica tão relevante - a relação de emprego -, foi então temporariamente anabolizado por meio das medidas provisórias 927 e 936, que forneceram a patrões e empregados um arsenal de possibilidades para fazer frente à crise - sempre com o objetivo de preservar a renda e o emprego.

Assim, a MP 927 estipulou a possiblidade de instituição do teletrabalho de forma unilateral, a antecipação de férias e feriados, a concessão de férias coletivas, a implantação de banco de horas específico, e a MP 936 previu a possibilidade de suspensão do contrato de trabalho e a redução proporcional de jornada e salário.

Sendo excepcionais, os institutos previstos nas MPs 927 e 928 têm validade limitada ao período de calamidade pública nos termos do decreto legislativo 06/20, ou seja, em princípio elas têm validade até 31.12.20.

Assim, há um prazo preestabelecido para a vigência daquelas medidas emergenciais previstas nas MPs 927 e 936.

Por outro lado, não se ignore que as últimas mais relevantes medidas provisórias sobre questões trabalhistas caducaram por não terem sido convertidas em lei no prazo previsto (MP 808 e MP 873), ou foi revogada por outra MP no último dia antes de caducar (MP 905). Há, portanto, uma dúvida legítima quanto à possibilidade política das MPs 927 e 936 conseguirem ser convertidas em lei elas também.

Isso significa que em algum momento, mais cedo ou mais tarde, as relações de emprego voltarão a ser reguladas pelo Direito do Trabalho tal como era antes dessas MPs, mas sem que o mundo tenha voltado a ser como era antes, porque a economia, tudo indica, continuará em crise ainda por algum tempo. Assim, essa nova realidade econômica e social que nascerá a partir da pandemia de Sars-Cov-2 deverá ser enfrentada, do ponto de vista da defesa da renda e do emprego, pelo Direito do Trabalho de sempre - sem anabolizantes. É preciso pensar em quais são as possibilidades a partir daí, se possível com alguma criatividade.

A MP 936 na verdade institui uma espécie do gênero "redução de salário" e uma outra espécie do gênero "suspensão do contrato de trabalho", pois sempre existiram as possibilidades tanto de reduzir a jornada quanto de suspender os contratos de trabalho, nos termos da lei e do entendimento da jurisprudência.

O que a MP 936 traz de especial é a participação do Governo Federal num ajuste tripartite, junto a empregadores e empregados, para pagamento do Benefício Emergencial, além da concessão de um período de garantia de emprego com prazo mínimo tabelado, e outras medidas acessórias1.

Mas nada impede que se celebre um acordo individual para suspensão do contrato de trabalho, de forma diversa daquela prevista na MP 936, e, portanto, mesmo depois da sua vigência. Esse tipo de suspensão não era raro em hipóteses de empregados com motivos particulares para deixar de comparecer ao emprego por um período de tempo, como por exemplo viagens para estudos, etc.

Da mesma forma, nada impede, tampouco, a redução de jornada e salário por meio de acordos e convenções coletivas nos termos do art. 7º, VI, da Constituição e aceitos pela jurisprudência do TST, fora do âmbito da MP 936. Na verdade, a questão da redução do salário e da jornada, ou só do salário, é uma questão tradicional na lei, prevista inicialmente no art. 503 da CLT, depois na lei 4.923/65, e ainda nas leis 13.189/15 e 13.456/17.

Nada obstante, a redução salarial é uma hipótese de aceitação bastante restrita pela jurisprudência, sujeitando o empregador normalmente a um risco elevado2

De todo modo a suspensão do contrato de trabalho ou a redução de salário, feitas fora dos parâmetros da MP 936 não implicará os eventuais benefícios da MP 936.

Porém, além disso, é relevante observar que embora a MP 927 venha igualmente a perder sua vigência, ou por caducidade, ou em razão do fim do estado de calamidade pública, o seu art. 1º parágrafo único poderá continuar a gerar efeitos mesmo depois de uma ou outra circunstância.

O art 1º parágrafo único da MP 927 determina que o estado de calamidade pública constitui hipótese de força maior, nos termos do disposto para fins trabalhistas. Ora, o estado de calamidade pública não vai deixar de ser, ou não deixará de ter sido uma hipótese de força maior depois que a MP deixar de vigorar. A pandemia de Sars-CoV-2 será sempre será uma hipótese de calamidade pública, para fins trabalhistas, agora ou depois.

Assim, com base nessa circunstância, é possível considerar a possibilidade de efetuar alterações contratuais, inclusive unilaterais, que possam ser justificadas em razão da força maior decorrente do estado de calamidade pública, ainda que essas alterações tenham efeitos para além da vigência da MP 927. Essas alterações podem até envolver o pacote de remuneração (prêmios, bônus, comissões, etc). O relevante é que exista uma razão objetiva para a mudança, e que essa mudança decorra daquele evento de força maior.

Convém ainda relembrar as inúmeras possibilidades de ajustes e alterações no contrato de trabalho previstas no art 611 A da CLT (a) individualmente, para os empregados que recebem mais do que o dobro o valor máximo do salário de contribuição do INSS e possuam diploma de curso superior, tal qual previsto no art 444 parágrafo único da CLT, (b) coletivamente, para os empregados em geral, por meio de acordo ou convenção coletiva.

A hipótese de força maior reforça as possibilidades do art 611 A da CLT, legitimando-as, se houver uma efetiva correlação entre as eventuais alterações e a crise decorrente da pandemia. Assim, por exemplo, uma alteração que já vinha sendo programada antes de março de 2020 não poder ser agora justificada em razão de força maior.

Em conclusão, a partir do término da vigência das MPs 927 e 936, mas com a continuidade de uma situação econômica e social crítica, haverá de continuar também a preocupação com emprego e renda. Será ainda um mundo hostil, e empregados e empregadores devem buscar mapear e identificar as possibilidades de novos ajustes com o objetivo de salvaguardar o emprego, por meio dos instrumentos disponíveis na lei.

Em qualquer hipótese, haverá maior segurança caso as alterações e adequações feitas por meio de acordos e convenções coletivas, mas algumas também podem ser feitas de maneira individual, e outras, ainda, de forma unilateral pelo empregador, desde que sejam objetivamente justificáveis, razoáveis, e respeitem os parâmetros da Constituição e da lei, especialmente os arts 444 parágrafo único e 611 A da CLT.

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1 Mesmo a questão da natureza indenizatória da ajuda compensatória prevista no art 9º da MP 936 seria defensável no caso de um acordo para suspensão do contrato de trabalho feito fora dos parâmetros da MP 936 e com a previsão de uma ajuda similar.

2 Veja-se por exemplo o julgado no TST RR - 1156-96.2011.5.04.0811, da 3ª Turma do TST, de 22.04.15, e cujo relator foi Ministro Agra Belmonte: "As Cortes Trabalhistas têm pacificado entendimento de que a redução salarial é possível, mas somente nas seguintes hipóteses: 1) por período determinado, ou seja, transitória; 2) se decorrer de situação excepcional da empresa, mormente na hipótese em que a conjuntura econômica não lhe for favorável; 3) se for respeitado o salário mínimo legal e/ou piso salarial da categoria profissional do trabalhador ;4) se for estabelecida por meio de negociação coletiva com a entidade representativa da categoria profissional e, por fim, 5) se houver contrapartida que comprove a redução salarial. (...). A jurisprudência desta Corte Superior tem entendimento no sentido de que a redução salarial por meio de norma coletiva deve vir acompanhada de uma contraprestação para o empregado, sob pena de configurar-se mera renúncia a direito. (...). Verifica-se, portanto, que a manutenção do emprego não é contrapartida exigida pela lei. A manutenção do emprego é a finalidade da lei, obtenível, no entanto, pelo expediente específico nele previsto, que é a redução proporcional da jornada, o que não ocorreu no presente caso, daí por que inválida, na forma como realizada. Recurso de revista conhecido por violação do art. 7º, VI, da Constituição Federal e provido.

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*Nicolau Olivieri é advogado, sócio do escritório Leal Cotrim Advogados e membro do IAB - Instituto dos Advogados Brasileiros.

 

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