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Penhora de quotas sociais - Possíveis repercussões

Em vistas de garantir a satisfação do crédito o Código Civil preconiza a possibilidade de se realizar a penhora diretamente nas quotas sociais.

sexta-feira, 29 de maio de 2020

Atualizado às 10:19

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Introdução

Tem se tornado cada vez mais frequente a utilização de Sociedades Empresariais, sobretudo a de responsabilidade limitada, para diversas finalidades, incluindo o aumento do empreendedorismo e atividades empresariais diversas.

Holdings empresariais e até mesmo familiares tem se tornado cada vez mais comuns, de modo que os bens particulares passam, em muitos casos, a integrar o patrimônio da empresa, da pessoa jurídica, como uma forma de integralização do capital social da empresa, de acordo com a quantidade de quotas sociais.

Em vistas de garantir a satisfação do crédito o Código Civil preconiza a possibilidade de se realizar a penhora diretamente nas quotas sociais, conforme se verifica do texto do art. 1.026 do Código Civil:

Art. 1.026. O credor particular de sócio pode, na insuficiência de outros bens do devedor, fazer recair a execução sobre o que a este couber nos lucros da sociedade, ou na parte que lhe tocar em liquidação.

É certo que o próprio artigo confere certa "ordem de prioridade" na realização da penhora, de modo que, somente na insuficiência de outros bens, ou seja, após confirmada a insolvabilidade do devedor particular, a penhora poderá recair primeiramente nos lucros da sociedade, e por fim, indica do artigo de lei que será possível recair quanto a liquidação.

No tocante à liquidação, temos a previsão do parágrafo único, que assim dispõe:

Parágrafo único. Se a sociedade não estiver dissolvida, pode o credor requerer a liquidação da quota do devedor, cujo valor, apurado na forma do art. 1.031, será depositado em dinheiro, no juízo da execução, até noventa dias após aquela liquidação.

O mencionado artigo 1.031 trata justamente da resolução da sociedade em relação à apenas um sócio. No caso da presente pesquisa, a resolução em relação ao sócio devedor, que sofre a constrição judicial de seus credores diretamente em suas quotassociais.

Assim, a presente pesquisa visa abordar as repercussões dessa possibilidade de penhora das quotas sociais de um dos sócios, que possui débito em face de terceiro, sobretudo pelo fato de que tal penhora poderá afetar a terceiros, no caso, aos demais sócios da sociedade.

Formas de penhorar as quotas empresa

A penhora, de forma genérica, segue uma ordem de preferência, sobretudo em observância ao princípio da execução menos gravosa ao devedor, conforme se verifica no artigo 835 do Código de Processo Civil.

O referido artigo traz um rol de treze meios de penhora, previstos em treze incisos, por ordem de preferência, sendo o primeiro deles, a previsão de penhora em dinheiro, em espécie ou em depósito bancário. Em seguida, trata de títulos e bens materiais, como bens móveis ou imóveis. No inciso IX, o que mais interessa à presente pesquisa, trata da possibilidade de penhora das "ações e quotas de sociedades simples e empresárias".

Desta forma, antes de se realizar a penhora de "ações e quotas" empresariais, o credor deverá obedecer, primeiro, todo o rol previsto no artigo 835 do Código de Processo Civil e, em relação à penhora das quotas em si, deverá observar o quanto previsto no artigo 1.026 do Código Civil, que em seu caput estabelece também uma hierarquia a ser observada.

A despeito da previsão legal em relação à penhorabilidade das quotas sociais, há na doutrina entendimentos da impenhorabilidade das quotas sociais, conforme dispõe o jurista Rubens Requião, ao estabelecer:

Entre o sócio e a sociedade ergue-se a personalidade jurídica desta, com a sua consequente autonomia patrimonial. Por isso, pertecencendo o patrimônio à sociedade, não pode o credor particular do sócio penhorá-lo para garantia do seu crédito1.

A ideia exposta por Rubens Requião é no sentido de que uma vez integralizado o valor do sócio no capital social, deixa de fazer parte de seu patrimônio pessoal, e passa a ser de propriedade da Pessoa Jurídica estabelecida.

De outra mão, há na doutrina defesa da penhorabilidade das quotas sociais, haja vista tratar-se de direito do individual do devedor perante a sociedade em que é sócio, o que torna penhorável tal crédito do devedor.

A jurisprudência, por sua vez, tem aceito a penhorabilidade das quotas sociais do devedor principal, em concordância com a previsão legal.

AGRAVO DE INSTRUMENTO LOCAÇÃO AÇÃO DE DESPEJO CUMULADA COM COBRANÇA FASE DE CUMPRIMENTO DE SENTENÇA - Penhora de quotas sociais pertencentes ao devedor principal Possibilidade Expressa permissão legal contida no art. 835, IX, do CPC/2015 Medida voltada à satisfação de débito pessoal do sócio e que nem sequer afronta a "affectio societatis" Precedentes Decisão mantida RECURSO NÃO PROVIDO. (Agravo de Instrumento 2022521-07.2020.8.26.0000 - relator Luis Fernando Nishi. 32ª Turma de Direito Privado TJSP)

Em que pese a decisão tenha dito que "nem sequer afronta a affectio societatis", não significa necessariamente que, caso afetasse, a penhora seria negada pelo juízo.

Daí porque entende-se importante estudar as repercussões da autorização judicial de constrição de quotas sociais do devedor principal, haja vista que, além de afetar o patrimônio de pessoa jurídica e, portanto, afeta a terceiros envolvidos, a penhora de quotas pode também afetar no controle da sociedade.

Repercussões

Conforme narrado, a penhora de ações ou quotas sociais pode acarretar em inúmeras repercussões, haja vista não se tratar mais somente de bem sob o domínio do exclusivo do devedor, mas sim de bem já transferido para o domínio da Pessoa Jurídica que, por sua vez, envolve outros sócios, administradores, clientes, acionistas, investidores, etc.

Diversos terceiros são diretamente interessados na saúde financeira e patrimonial da sociedade empresária, seja ela uma sociedade por ações, aberta ou fechada, seja ela uma sociedade limitada.

Com relação à sociedade, nos termos do artigo 876, §7º, ocorrida a penhora, a sociedade será intimada, a fim de que os demais sócios possam exercer direito de preferência, caso queiram.

Nesta hipótese, caso os demais sócios exerçam o direito de preferência, as haverá repercussões, no mínimo, em relação à divisão das quotas sociais daquela sociedade, podendo, inclusive, ensejar na exclusão do sócio devedor, cujas quotas foram penhoradas.

Tal procedimento está melhor destacado nos incisos parágrafos do artigo 861, que regulamentam a penhora de quotas ou de ações das sociedades personificadas.

Resumidamente, o artigo destaca que, no prazo de 03 (três) meses, a sociedade apresente balanço especial, ofereça as quotas para os demais sócios, caso os sócios não demonstrem interesse, deve-se liquidar as quotas e depositar em juízo o valor apurado da quotas.

Ainda, nota-se que o artigo procura minimizar os impactos da penhora das quotas sociais, conforme se verificar de seus parágrafos, ao indicar que a própria sociedade pode adquirir tais quotas, sem que para tanto se reduza o capital social, com a utilização de reservas. Destaca também que para a liquidação, poderá se valer a sociedade de administrador. Por fim, indica que se nenhuma das hipóteses forem viáveis, poderão ser leiloadas as quotas.

Uma das principais preocupações em relação à adjudicação das quotas seria em relação à participação do exequente, ora adjudicante, nos atos da sociedade, como se este pudesse substituir o sócio devedor, que teve suas quotas sociais penhoradas.

No entanto, tal preocupação não deve merece ser sustentada, uma vez que embora as quotas sejam objeto de penhora, em que pese existam entendimentos contrários, conforme narrado alhures, a participação do sócio tem caráter personalíssimo, de modo que não há como o Estado atingir tal característica.

Ou seja, fica adstrito ao quantum, e daí a necessidade de se realizar inúmeras etapas para a adjudicação compulsória, dentre elas, os trâmites para a liquidação das cotas.

Conclusão

Conforme exposto na presente pesquisa, embora seja assunto que desperte entendimentos divergentes, sua aplicação é, de certa forma, pacificada, sobretudo em razão de estar previsto no código civil, enquanto direito material que de fato o é, como no código de processo civil, em razão da necessidade de se regulamentar sua aplicação, a fim de que se tenham as diretrizes necessárias para efetivar a referida penhora.

Nada obstante, conclui-se também que as questões suscitadas por aqueles que entendem ser impenhorável a quota social possui considerável razão de existir, e não é para menos, visto que o assunto ainda é levado aos tribunais, a fim de se obter a tutela jurisdicional do Estado com relação ao tema.

Isso porque, embora não se tenha uma participação indesejada de um terceiro desconhecido, credor do sócio devedor, na sociedade construída pelos demais sócios.

Além de extrapolar o direito do exequente, no que diz respeito à participação personalíssima do sócio devedor, tem-se que tal circunstância infringiria frontalmente o princípio do affectio societatis.

De todo modo, conforme narrado acima, inexoravelmente a adjudicação compulsória, após ter sido realizada penhora de quotas sociais, certamente acarretará as mais diversas repercussões em relação à atuação do sócio executado e sua sociedade, seja ela limitada, por ações fechada ou aberta, sendo que se aberta, sequer aplica-se a condição especial de adjudicação.

É certo que o legislador poderia, no diploma processual, ser mais específico e mais abrangente em relação à proteção da sociedade empresária, haja vista sua função social e a participação de inúmeros terceiros interessados nesta relação.

Contudo, entende-se que tal tarefa não pode ser considerada tão simplista, tendo em vista que, de outro lado, deve-se proteger o direito do credor e evitar a malfadada blindagem patrimonial. Assim, a aplicação do instituto da penhora em ações ou quotas sociais é de fato necessária, ainda que acarrete diversas repercussões para a sociedade em questão.

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1 REQUIÃO, Rubens apud ALMEIDA, Amador Paes de, Execução de Bens dos Sócios, 8ª. Edição, São Paulo: Saraiva, 2007, p.107

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*Eduardo de Oliveira Aranda é advogado graduado pela Universidade São Judas Tadeu. Pós-graduado em Direito Civil,Processo Civil e em Direito Empresarial.

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