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Contribuição previdenciária sobre o salário pago nos 15 primeiros dias do auxílio-doença: matéria pacificada ou passível de nova análise pelo STF?

Os embargos de declaração foram incluídos na pauta de julgamento virtual do STF, cuja sessão ocorrerá entre os dias 5/6/20 e 15/6/20.

sexta-feira, 5 de junho de 2020

Atualizado às 11:30

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Em 30/9/11, ao examinar a preliminar de repercussão geral nos autos dos recursos extraordinários ("RE") nos 611.505 e 892.238, o Supremo Tribunal Federal ("STF") entendeu que a discussão relativa à incidência da contribuição previdenciária sobre os valores pagos pelo empregador nos primeiros 15 dias do auxílio-doença não envolveria matéria de natureza constitucional. Assim, o Plenário afastou a possibilidade de fixação de tese de mérito no Tema 482 da Repercussão Geral, atribuindo a responsabilidade de pacificação da controvérsia à interpretação da legislação infraconstitucional.

Naquela ocasião, a ausência de repercussão geral foi definida por maioria: 4 ministros assentiram a inexistência de questão constitucional a ser dirimida pelo STF. Ficaram vencidos os ministros Marco Aurélio, Dias Toffoli e Gilmar Mendes. Não participaram do julgamento os ministros Cezar Peluso, Joaquim Barbosa e Cármen Lúcia. 

Note-se que, nos autos do RE 611.505, a União Federal (Fazenda Nacional) opôs embargos de declaração alegando a existência de erro na contabilização dos votos no julgamento para aferição da repercussão geral.

De acordo com a Fazenda Nacional, o julgamento do Plenário Virtual teria ocorrido em desconformidade com a previsão do artigo 102, § 3º, da Constituição Federal, que determina que a repercussão geral apenas poderá ser recusada pela manifestação de 2/3 dos membros do Tribunal1. Assim, a recusa da repercussão geral demandaria a manifestação de pelo menos 8 ministros.

Contudo, é importante notar que, na ocasião de julgamento dessa preliminar de cabimento da via extraordinária, já estava vigente o artigo 324, § 1º, do Regimento Interno do STF, segundo o qual, na hipótese de afastamento da preliminar de repercussão geral ante a declaração de matéria infraconstitucional, "(...) a ausência de pronunciamento no prazo será considerada como manifestação de inexistência da repercussão geral, autorizando a aplicação do art. 543-A, § 5º, do Código de Processo Civil."

Diante disso, entendemos que a ausência dos ministros Cezar Peluso, Joaquim Barbosa e Cármen Lúcia deve ser contabilizada como votos pela inexistência da repercussão geral, viabilizando o alcance do quórum mínimo para seu afastamento, tendo em vista a caracterização da maioria qualificada prevista na Constituição Federal.

Ainda, vale ter em mente que, à época do julgamento, o quórum de composição do STF era de apenas 10 ministros, e não de 11, atual composição plena da Corte. Isso porque, naqueles tempos, a ministra Ellen Gracie havia se aposentado e sua sucessora, ministra Rosa Weber, apenas tomou posse no final daquele ano corrente, em 19/12/11. 

A matemática, portanto, nos parece simples: 4 ministros votaram pela inexistência de repercussão geral e 3 ministros, embora não presentes, tiveram seus votos contabilizados pelo afastamento da questão constitucional, por força da previsão regimental. Logo, 7 ministros, em um universo de 10, reputaram a inexistência da repercussão geral. Não há, assim, qualquer vício ou irregularidade no quórum de votação, tendo em vista a consecução da maioria qualificada dos ministros então ativos e membros da Corte à época. 

De toda forma, a nosso ver, a possibilidade de revisão de uma repercussão geral por parte do STF, quase 10 anos após a afirmação da sua negativa, implicaria cenário de grave insegurança jurídica. Isso porque, além de se tratar de entendimento ratificado pelo próprio STF em uma série de precedentes, em 2014 o Superior Tribunal de Justiça ("STJ") decidiu a matéria em sede de recurso repetitivo favoravelmente aos contribuintes, afastando a incidência de contribuição previdenciária sobre os valores pagos pelo empregador nos primeiros 15 dias do auxílio-doença, haja vista a sua natureza indenizatória (vide Recurso Especial 1.230.957/RS, Tema 737 do STJ).

Após a pacificação da matéria pelo STJ em 2014, a própria Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional editou em 2017 a Nota PGFN/CRJ 115/17, dispensando a interposição de recursos sobre a matéria, haja vista o posicionamento do STJ e especialmente considerando que o STF já havia recusado a repercussão geral. Ademais, no contexto da pandemia COVID-19, a própria Receita Federal recentemente editou a Nota Orientativa 21/20 que autorizou a exclusão do valor do salário pago nos 15 primeiros dias do auxílio-doença da base de cálculo das contribuições previdenciárias, no âmbito do eSocial. Assim, é possível afirmar que os contribuintes estavam bastante seguros da pacificação do tema.

Os embargos de declaração foram incluídos na pauta de julgamento virtual do STF, cuja sessão ocorrerá entre os dias 5/6/20 e 15/6/20. Esperamos que o STF afaste a alegação de erro na contabilização dos votos e confirme, novamente, a inexistência de repercussão geral. Caso contrário, a matéria já sedimentada há anos poderá ser revisitada no mérito, causando séria instabilidade no ordenamento jurídico. Por isso, vale acompanhar de perto os próximos desdobramentos.

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1 Art. 102, § 3º No recurso extraordinário o recorrente deverá demonstrar a repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso, nos termos da lei, a fim de que o Tribunal examine a admissão do recurso, somente podendo recusá-lo pela manifestação de dois terços de seus membros.  

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*Cristiane I. Matsumoto é sócia do escritório Pinheiro Neto Advogados.

*Mariana Monte Alegre de Paiva é associada do escritório Pinheiro Neto Advogados.

*Nayanni Enelly Vieira Jorge é associada do escritório Pinheiro Neto Advogados.









*Este artigo foi redigido meramente para fins de informação e debate, não devendo ser considerado uma opinião legal para qualquer operação ou negócio específico. 

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