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Riscos aos executivos em tempos de covid-19 - Implicações e orientações sob olhar da CVM - Contrato de identidade e os seguros "D&O" (Directors and Officers)

No campo normativo ou negocial, a pandemia é assumida como um verdadeiro desafio imposto a muitos executivos, que deverão adequar suas decisões a este novo cenário econômico e jurídico, de modo a buscar a repactuação de contratos, o estabelecimento de novas relações de trabalho e o fortalecimento de parcerias.

segunda-feira, 8 de junho de 2020

Atualizado em 9 de junho de 2020 09:47

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O seguro D&O ("Directors and Of?cers Liability Insurance") é de responsabilidade civil e protege o patrimônio de executivos - Diretores, administradores, Conselheiros e Gerentes de empresas - quando responsabilizados judicial ou administrativamente, por decisões que causaram danos involuntários (corporais, materiais ou morais) a terceiros, além disso, as apólices de D&O possuem cobertura para gerenciamento de crises e despesas de publicidade.

Este tipo de seguro pode ser um instrumento importante de proteção no cenário atual, onde decisões podem ser mal dimensionadas devido aos impactos econômicos que o covid-19 vem gerando e que poderá se agravar futuramente e acarretará discussões no âmbito jurídico em razão de danos não mensurados. Não obstante a depender dos seus termos e condições, muitas delas podem ser absorvidas pela apólice.

A pandemia do novo coronavírus apresenta-se como indesejado e inesperado acontecimento dos tempos atuais. E é mais que evidente que, no campo normativo ou negocial, a pandemia é assumida como um verdadeiro desafio imposto a muitos executivos, que deverão adequar suas decisões a este novo cenário econômico e jurídico, de modo a buscar a repactuação de contratos, o estabelecimento de novas relações de trabalho e o fortalecimento de parcerias.

As relações entre a Diretoria e o Conselho de Administração nas Sociedades Anônimas são reguladas de acordo com as diretrizes constantes da lei 6.404/76 e do Estatuto da Empresa. Aquele que for investido de mandato eletivo, como pessoa física e representante legal da pessoa jurídica, integra um dos Órgãos indispensáveis à existência da Sociedade Anônima, mantendo com a empresa relação jurídica de Direito Comercial.

Em resposta ao covid-19, as empresas estão desenvolvendo seus planos de contingência rapidamente. Algumas adaptam os planos existentes para lidar com esse surto, enquanto outras começam do zero.

A adequada observância de regras de governança e compliance desponta como providência indispensável nessa conjuntura de crise. Os riscos decorrentes dessa nova realidade são significativos, o que resulta na estrita e emergente necessidade da plena observância de regras e princípios que assegurem a preservação dos negócios, com os menores impactos financeiros, jurídicos e reputacionais possíveis.

Uma crise como o covid-19 pode ter impacto em todas as áreas da empresa. Uma supervisão sênior - e a coesão interna entre as equipes multifuncionais, fundamentada em preparação, treinamento e testes - é essencial para se alcançar bons resultados. Todos os membros da equipe - a começar pelo Comitê Executivo - devem saber quem está fazendo o quê. Treine as pessoas envolvidas na execução do plano para garantir que elas estejam prontas a qualquer momento.

No atual cenário, é inegável que as empresas encontrarão um ambiente econômico instável e repleto de desafios para a manutenção de suas atividades.  As medidas excepcionais adotadas por seus executivos, somadas à incerteza do ciclo econômico ora inaugurado, têm potencial para impactar os mais variados setores e/ou unidades.

Nesta direção, é muito possível que seja necessário repassar conceitos apresentados em treinamentos anteriores ou já previstos em códigos de conduta e readaptar rotinas internas.

Três participantes principais estão no centro de qualquer resposta a crises.

  • Equipes de relações públicas e comunicações: são responsáveis por elaborar e transmitir as mensagens da organização interna e externamente.
  • Equipes jurídica e regulatória: seu papel é entender as exposições a riscos da organização e aconselhar sobre respostas apropriadas.
  • Equipes de resposta operacional: elas lidam essencialmente com todo o resto - inclusive estabelecer os fatos que os outros dois grupos precisam para fazer seu trabalho.

Considere o que acontece não apenas hoje, mas amanhã e depois também. Isso pode envolver a alocação de recursos dedicados que serão liberados das pressões diárias do gerenciamento da crise. A perspectiva resultante mais ampla e de longo prazo pode ajudar a fazer a empresa sair da crise ainda mais forte e sustentável.

Ainda é cedo demais na história do covid-19 para executivos e organizações definirem o papel que terão nessa crise. Para ascender ao papel de heróis, por exemplo, é necessário escolherem tomar medidas que contribuam para o bem geral, sem pensar em outros interesses.

Decisões e ações tomadas nesses momentos difíceis ecoarão para muito além do nosso presente.

Em relação a responsabilidade advinda a regime Diretor Estatutário, temos que se tratar de Sociedade Anônima, e, no caso, não há presunção de responsabilidade, a teor do que dispõe o artigo 158, II, da lei 6.404/76: "Art. 158. O administrador não é pessoalmente responsável pelas obrigações que contrair em nome da sociedade e em virtude de ato regular de gestão; responde, porém, civilmente, pelos prejuízos que causar, quando proceder: I - dentro de suas atribuições ou poderes, com culpa ou dolo; II - com violação da lei ou do estatuto"

Nos termos do art. 1º, da lei 6.404/76, a responsabilidade dos sócios ou acionistas é limitada ao preço de emissão das ações subscritas ou adquiridas. Diante disso, nenhuma responsabilidade por débitos trabalhistas da empresa pode ser imputada a quem ocupou cargo de diretor na qualidade de empregado eleito, que não auferiu lucro, mas apenas percebeu salário como contraprestação pelo serviço prestado.

A CVM busca colocar um certo limite nesses acordos de proteção com preocupação de compliance. Não pode dar um cheque em branco ao executivo... em caso de dolo ou culpa grave do executivo ele não deve ter proteção. Mesma lógica dos seguros D&O.

A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) publicou em 25.09.18, seu parecer de orientação 38 ("PO/38"), no qual manifesta seu entendimento acerca dos deveres fiduciários dos administradores no processo de elaboração e celebração de contratos de indenidade.

O contrato de indenidade consiste em instrumento que vem sendo adotado por companhias para regular o ressarcimento de prejuízos financeiros de administradores, caso os mesmos venham a ser partes em processos judiciais, arbitrais ou administrativos relativos ao exercício de suas funções.

Dessa forma, as orientações do PO/38 tem como principal finalidade, promover o equilíbrio entre, de um lado, o interesse da companhia de proteger seus administradores contra riscos financeiros decorrentes do exercício de suas funções, atraindo e retendo profissionais qualificados, e, de outro lado, o interesse da sociedade de proteger seu patrimônio e de garantir que seus administradores atuem de acordo com os padrões de conduta deles exigidos.

Antes de entrar em suas recomendações, esclarece-se que a CVM pontuou no PO/38 as principais diferenças entre os contratos de indenidade e os seguros "D&O" (Directors and Officers), conforme abaixo destacadas.

Tipicamente, nos contratos de indenidade, a própria companhia se compromete integralmente com o pagamento, reembolso ou adiantamento de recursos referentes a custos e despesas de processos arbitrais, judiciais ou administrativos que envolvam atos praticados por seus administradores no exercício de suas funções.

Já nos seguros D&O, a companhia se obriga tão somente ao pagamento do prêmio fixado na apólice do seguro, cabendo à seguradora pagar o valor da indenização.

Na visão da CVM, como os contratos de indenidade podem trazer um impacto patrimonial substancial para a companhia bem como pode haver conflito de interesses por ocasião da sua elaboração/celebração, é preciso zelar para que tais contratos sejam executados em conformidade com as orientações constantes do PO/38

A CVM destacou que a concessão de indenização aos administradores com base no contrato de indenidade não deve ocorrer nos casos em que não tiverem sido observados os padrões de conduta legais a que estão sujeitos.

Nesse sentido, entende que não são passíveis de indenização, entre outras, as despesas decorrentes de atos dos administradores praticados: fora do exercício de suas atribuições; com má-fé, dolo, culpa grave ou mediante fraude; ou em interesse próprio ou de terceiros, em detrimento do interesse social da companhia.

Esclarece-se que devem ser também consideradas como despesas não indenizáveis, nos termos acima destacados: (I) os valores relativos a indenizações decorrentes de ação de responsabilidade prevista no artigo 159 da lei 6.404/76 e (II) o ressarcimento de prejuízos por administrador, no âmbito da celebração de termo de compromisso junto à CVM nos termos previstos no art. 11, §5°, II da lei 6.385/76.

A CVM recomenda que essas excludentes estejam clara e expressamente previstas no contrato de indenidade e, uma vez solicitado algum desembolso por parte da companhia por algum administrador no âmbito do referido contrato, seja procedida a aferição sobre sua incidência no caso concreto, antes de qualquer deliberação sobre a concessão ou não da indenização.

Além de impor restrições quanto à cobertura do contrato de indenidade, a CVM indicou, ainda, que a administração da companhia deve se certificar de que os termos do contrato incluam regras claras e objetivas sobre o procedimento de concessão de indenização, especificando:

  • O órgão da companhia que será responsável por avaliar se o ato do administrador se enquadra em algum dos atos e despesas não indenizáveis; e
  • Os procedimentos que devem ser adotados para afastar a participação dos administradores cujas despesas poderão vir a ser indenizadas no processo de avaliação acima.

Na visão da CVM, a companhia deverá se assegurar de que adotou procedimentos apropriados para garantir a adequada formalização do processo decisório, incluindo os motivos pelos quais se entendeu que o ato do administrador era passível de cobertura.

A CVM recomenda que a celebração de um contrato de indenidade seja precedida por prévio parecer circunstanciado pela Diretoria e aprovado pelo Conselho de Administração.

Ainda, o PO/38 determina que cabe aos administradores "avaliar, no caso concreto, a existência de conflito de interesses e a necessidade de adoção de procedimentos adicionais para proteger a independência das deliberações sobre a indenização, bem como garantir que sejam tomadas no interesse da companhia".

Nesse sentido, a CVM sugere o encaminhamento da matéria para deliberação em assembleia geral nos casos em que (a) a maioria dos administradores sejam beneficiários do dispêndio de recursos, (b) houver divergência sobre se o ato do administrador é passível de indenização, ou (c) a exposição financeira da companhia se mostre significativa, considerando os valores objeto de ressarcimento/reembolso previstos no contrato.

A adequada divulgação aos acionistas dos termos e condições dos contratos de indenidade, bem como o eventual envolvimento dos acionistas na decisão quanto a sua celebração, conforme aplicável, consistem em procedimentos importantes para mitigar eventuais riscos de conflitos de interesses e/ou permitir a correta avaliação pelo mercado de impactos financeiros no patrimônio da companhia que podem decorrer da celebração de tais compromissos.

Dessa forma, a CVM recomenda que seja realizada a divulgação de informações sobre:

  • Previsão estatutária ou não sobre indenidade;
  • Existência de valor-limite de indenização;
  • Período de cobertura;
  • Administradores que poderão celebrar o contrato;
  • Hipóteses excludentes do direito à indenidade;
  • Tipos de despesas cobertas; e (g) procedimentos a serem observados em relação às decisões de concessão ou não de indenização, incluindo órgão responsável e regras para mitigação de conflitos de interesse.

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*Renato Gouvêa dos Reis é advogado, especialista em Direito do Trabalho. Sócio do RGR Advogados & Consultores e professor dos cursos do Forum Cebefi.

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