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Retorno à atividade produtiva em face da pandemia do covid-19

Protocolo comum de regulamentação de medidas destinadas ao combate e contensão da difusão do vírus covid-19 nos locais de trabalho de 24.04.20 assinado pelo Governo italiano, várias organizações de representação patronal e centrais sindicais de trabalhadores

segunda-feira, 8 de junho de 2020

Atualizado em 9 de junho de 2020 09:46

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A Itália foi o epicentro da pandemia do covid-19 na Europa e impôs o distanciamento social por dois meses. O retorno à atividade produtiva foi regulado a partir do diálogo entre governo, representantes da classe patronal, representantes dos trabalhadores e autoridades da saúde. A convite do primeiro ministro italiano Giuseppe Conte e dos ministros do Trabalho e Políticas Sociais, do Desenvolvimento Econômico e da Saúde, as partes sociais (governo, patrões e empregados) se reuniram diversas vezes para discutirem políticas de enfrentamento da pandemia. Este diálogo permanente, fundado nos princípios da negociação coletiva tripartite consagrados pelas convenções internacionais da OIT, em especial a de número 98, resultou no Protocolo comum de regulamentação de medidas destinadas ao combate e contensão da difusão do vírus covid-19 nos locais de trabalho. O documento foi firmado em 14.03.20 e compartilhado em 24.04.20 entre governo, entidades de representação patronal e de trabalhadores, em vista da chamada "2ª. Fase" de enfrentamento da pandemia iniciado em 04 de maio de 2020 com o retorno de inúmeras atividades no setor de manufatura, construção civil e comércio.

Procurei neste trabalho de livre tradução selecionar alguns itens definidos no Protocolo que poderiam ser implementados pelas empresas de manufaturas no Brasil, mas que exigem estudos, investimentos, treinamento e muito diálogo com as partes sociais envolvidas diretamente nas relações de trabalho.

Na Itália o Governo dá suportes às empresas e trabalhadores por meio de recursos de seguro social, renda mínima e ajudas financeiras que facilitam a adoção do Protocolo até que as empresas consigam se adaptar à nova realidade imposta pela pandemia. Trata-se de um país democrático que conta atualmente com um governo.

1. Premissas:

  • O Protocolo contém orientações gerais acordadas entre as partes para facilitar a adoção de protocolos de segurança anticontágio por parte das empresas.
  • A continuidade das atividades produtivas pode acontecer apenas na presença de condições que assegurem aos trabalhadores um nível de proteção adequado.
  • O desrespeito ao Protocolo em detrimento de adequado nível de proteção dos trabalhadores deve determinar a suspensão das atividades até que os problemas sejam superados.
  • Com o objetivo prioritário de conjugar o prosseguimento da atividade produtiva e a garantia de salubridade e segurança nos ambientes de trabalho, as empresas devem buscar a adoção de trabalho à distância, redução ou suspensão de atividades, reorganização extraordinária de rotinas, sempre com o intuito de conter a difusão do vírus.
  • Recomenda-se prévio diálogo com os representantes sindicais e das CIPAS.

2. Recomendações

  • Buscar ao máximo utilizar a modalidade home office para as atividades que possam ser desenvolvidas no domicílio do empregado ou à distância.
  • Incentivar férias, licenças, compensação de banco de horas sempre que possível.
  • Suspensão das atividades empresariais e dos departamentos não essenciais à produção
  • Adotar protocolos de segurança anti-contágio e, onde não for possível respeitar a distância interpessoal de um metro como principal medida de contenção, adotar dispositivos de proteção individual.
  • Promover operações de higienização no local de trabalho ao menos duas vezes por dia
  • Movimentos dentro dos vários locais de trabalho devem ser limitados assim como o acesso às áreas comuns
  • Para todas as atividades não suspensas, é necessário o uso máximo de métodos de trabalho ágeis

3. Providências por parte da empresa:

  • Entregar para todas as pessoas que ingressam na Empresa, material informativo sobre as regras de segurança da Empresa e as recomendações das autoridades de saúde
  • Anexar regras de segurança em locais de acesso e visíveis.
  • A empresa deve fornecer informações adequadas sobre os deveres dos empregados no contexto laboral de prevenção ao contágio, devendo esclarecer sobre as medidas de segurança adotadas pela empresa e as regras que deverão ser seguidas pelos empregados, para que não restem dúvidas sobre como devem proceder.

4. Deveres dos empregados:

  • Na ocorrência de febre (além de 37.5°) ou outros sintomas de gripe, o empregado tem o dever de informar o médico da empresa, não podendo ingressar ou permanecer na empresa nestas condições
  • Informar o médico da empresa se ingressou em ambiente perigoso (zonas de risco, ou contato com pessoas positivadas no covid-19 nos últimos 14 dias)
  • Respeitar todas as normas das autoridades sanitárias e da Empresa ao ingressar no ambiente fabril, em particular, manter a distância de segurança, observar as regras de higiene das mãos, manter conduta adequada quanto à higiene em geral e usar máscaras.
  • Informar imediatamente seu superior imediato ou o médico da empresa sobre a presença de sintomas de gripe durante o desempenho do trabalho, tendo o cuidado de permanecer em distância adequada das pessoas presentes

5. Regras para ingresso na empresa:

  • Antes de ingressarem na empresa os empregados ou terceiros devem ser submetidos a controle de temperatura corporal. Se a temperatura for superior a 37,5°, o acesso ao local de trabalho não será permitido. A pessoa deverá ser temporariamente isolada, equipada com máscara e encaminhada ao atendimento médico para as providências necessária.
  • A empresa deve informar preventivamente sobre a proibição de acesso nas dependências da empresa de quem tenha tido contato com pessoas contaminadas pelo vírus ou frequentado zonas de risco.
  • O ingresso de pessoas que tenham sido positivadas por covid-19 deve ser precedido de certificação que comprove a negativação da doença.

6. Modalidades de acesso aos prestadores de serviços:

  • Individualizar procedimentos de ingresso, trânsito e de saída, mediante modalidades, percursos e horários predefinidos, com o intuito de reduzir as possibilidades de contato com o pessoal permanente da empresa
  • Motoristas esternos devem permanecer a bordo dos seus veículos, não podendo acessar os escritórios. Sempre que possível devem ser atendidos em seus veículos. Na impossibilidade, devem sempre manter a distância de segurança de um metro.
  • Os trabalhadores de carga e descarga deverão manter entre si a distância de um metro.
  • Para o pessoal externo, a Empresa deve destinar locais de higiene próprios, sendo proibido ao pessoal externo utilizar-se das instalações dos empregados
  • Reduzir o quanto possível o acesso de visitas e se isso for necessário a visita  deverá submeter-se a todos os procedimentos de segurança destinados aos empregados.
  • No caso de transporte próprio da Empresa, devem ser garantidas todas as regras de distanciamento mínimo, higiene das mãos ao ingressar no veículo e uso de máscaras.
  • Essas normas se aplicam às empresas terceiras e aos seus empregados que prestam serviços nas dependências da empresa.
  • A empresa terceira deverá dar pleno conhecimento aos seus empregados, sobre  as normas de segurança da empresa tomadora, devendo atuar firmemente na fiscalização e cumprimento dessas normas.
  • A empresa terceira deverá comunicar imediatamente a tomadora se um seu empregado for positivado com covid-19

7. Limpeza e desinfecção dos locais de trabalho

  • A empresa deverá efetuar a limpeza diária e higienização periódica das instalações, ambientes, estações de trabalho e áreas comuns.
  • No caso da presença de uma pessoa com covid-19 dentro das instalações da empresa, a limpeza, a higienização e a desinfecção dos itens acima, deverão ser feitas imediatamente.
  • Limpeza com detergentes adequados no final do turno e higienização periódica de teclados, telas sensíveis ao toque e mouses deve ser garantida, tanto nos escritórios quanto nos departamentos de produção.

8. Precauções de higiene pessoal

  • É obrigatório a todas as pessoas presentes na empresa a adoção das medidas de precaução higiênica, em particular, a higienização das mãos com água e sabão ou álcool em gel quando for o caso.
  • A empresa deve tornar acessível a todos, locais para a higienização das mãos com água e sabão ou álcool em gel, inclusive nas portarias de acesso às dependências da empresa.

9. Equipamento de proteção individual

  • As máscaras deverão ser utilizadas de acordo com as indicações da OMS
  • Dada a emergência e a dificuldade de obtenção das máscaras e com o intuito de evitar a propagação do vírus, poderão ser utilizadas máscaras indicadas pelos órgãos das autoridades de saúde.
  • É recomendado o uso de sabão líquido detergente segundo as orientações da OMS (Clique aqui)
  • Se o tipo de trabalho impuser distância inferior a um metro e não seja possível outra solução, será obrigatório o uso da máscara e outros dispositivos de proteção (luvas, óculos, protetores auriculares, uniforme etc.)
  • Todos que compartilham espaços comuns, deverão usar a máscara

10. Gestão dos espaços comuns

  • O acesso aos espaços comuns, incluindo refeitórios, área de fumantes e vestiários deve ser quotizado e devem ser previstos: ventilação contínua dos locais, tempo reduzido de permanência, manutenção da distância de segurança de um metro entre as pessoas no interno desses espaços
  • A empresa deve prover a organização e desinfecção dos vestiários e providenciar lugares para o depósito dos uniformes para garantir condições higiênicas e sanitárias dos empregados.
  • É necessário garantir a desinfecção periódica e a limpeza diária, com detergente adequado, dos refeitórios, máquinas de distribuição de sucos e lanches.
  • A empresa deve encontrar solução adequada para impedir o compartilhamento de embalagens de condimento como vidros de azeite, vinagre, pimenta etc.

11. Organização empresarial - turnos, trabalho em domicílio ou a distância, remodelação dos níveis produtivos. (Obs.: estas medidas, na Itália, devem ser tomadas por meio de negociação sindical):

  • Fechar todas as repartições e departamentos não dependentes da produção e que possam ser desenvolvidos em domicílio ou à distância. Esta modalidade de trabalho deve continuar prioritária, desde que sejam garantidas ao trabalhador a infraestrutura e a modulação do tempo de trabalho e descanso.
  • Utilizar ao máximo recursos de abstenção do trabalho sem perda de salário (banco de horas, antecipação de férias, trabalho em domicílio).
  • Remodelar os processos produtivos.
  • Assegurar um plano de turnos dos empregados da área produtiva com o objetivo de diminuir ao máximo os contatos e criar grupos autônomos, distintos e que possam ser visualmente identificáveis.
  • Suspender ou cancelar todas as viagens de trabalho, nacionais ou internacionais
  • Respeitar o distanciamento social no espaço de trabalho, buscando soluções inovadoras como a alteração de layouts, redefinição de processos produtivos que favoreçam o distanciamento social, reduzindo o número de pessoas ao mesmo tempo e no mesmo lugar de trabalho e flexibilizando horários para evitar encontros na entrada e saída.
  • É essencial evitar aglomeração social no percurso de casa para o trabalho e vice versa., por isso incentivar formas de transporte para o trabalho com adequado distanciamento social tais como uso do próprio carro, vans ou ônibus fretados.

12. Gestão da entrada e saída dos empregados

  • Ingresso e saída escalonada para evitar aglomeração nos locais comuns (portaria, vestiário e refeitórios)
  • Onde for possível, destinar uma porta de entrada e outra de saída dos locais comuns, devidamente sinalizadas e guarnecidas de pias com água e sabão para higienização das mãos.

13. Deslocamento interno, reuniões, eventos e treinamentos

  • Os deslocamentos no interior da empresa devem ser limitados ao mínimo indispensável e observar as regras de segurança estabelecidas pela empresa.
  • São proibidas as reuniões presenciais. Se for o caso de reuniões com conotação de "necessidade e urgência" e, não sendo possível a reunião on line, deverá ser reduzido ao mínimo o número de participantes que deverão manter o distanciamento interpessoal e a adequada higienização do local de reunião.
  • Suspender e cancelar todos os eventos de treinamento interno na modalidade de aula, mesmo os obrigatórios, devendo, sempre que possível, ser promovida a formação a distância, inclusive para os empregados em home-office.

14. Gestão de uma pessoa com sintomas de contaminação na empresa

  • Caso um empregado em serviço apresente febre e sintomas de infecção respiratória como tosse, deve declarar essa condição imediatamente ao RH, que deverá providenciar o isolamento adequado do empregado com sintomas e dos outros que tiveram contato com ele.
  • O trabalhador deverá receber imediatamente uma máscara caso não a esteja portando.
  • A empresa deverá avisar as autoridades sanitárias, para controle de eventuais "contatos próximos" do trabalhador infectado, para que possam aplicar eventuais medidas de quarentena.

15. Vigilância sanitária

  • O protocolo ora resumido, prevê várias medidas a serem adotadas pela vigilância sanitária, como orientação e trabalho em colaboração com as empresas, fiscalização contínua, proposição de medidas de segurança e adequações do local de trabalho, atenção aos trabalhadores vulneráveis com base na idade, condição física etc.

16. Comitê de atualização do protocolo de regulamentação

  • Constituir na empresa um comitê para aplicação e fiscalização das regras do protocolo anti-covid-19, composto por representantes da empresa, da CIPA e do sindicato, assim como especialistas em saúde.
  • Nas empresas em que não é possível a constituição de um Comitê interno, o protocolo prevê a criação de um Comitê Regional composto por representantes dos órgãos de saúde, dos sindicatos e das cipas.

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*Eliana Borges Cardoso é advogada, mestre em Direito do Trabalho pela USP, professora e coordenadora do Curso de pós-graduação latu sensu em Direito e Relações do Trabalho da Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo. Consultora Trabalhista, sócio do escritório Cardoso, Egami & Yamamoto Advogados Associados.

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