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Impactos tributários relacionados as doações de mercadorias e dinheiro em tempos de covid-19

Eduardo F. de Souza Weyll e Isadora Monteiro Menezes

Diante da complexidade da legislação tributária as empresas que realizam as ditas doações têm encontrado dificuldades para entender como se enquadram as suas operações no que concerne a incidência dos tributos diretos e indiretos e quais são os seus reflexos.

sexta-feira, 12 de junho de 2020

Atualizado em 15 de junho de 2020 08:00

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Nesse momento de dor e luto por conta do novo coronavírus, a solidariedade e o altruísmo estão sendo importantes ferramentas de mitigação dos impactos sociais relacionados a pandemia. Isso porque, diversas pessoas físicas e jurídicas em sentimento de solidariedade buscam através de gestos de benevolência auxiliar no combate à doença, seja através de doação de dinheiro, seja através de doações de mercadoria.

Com o passar dos dias nos deparamos com o aumento das notícias de grandes doações efetuadas por empresas privadas, e em alguns casos, inclusive é feito ajuste na matriz de produtos e parque fabril para produção e consequente doação.

De acordo com o Monitor das Doações Covid-191, que agrega os dados públicos sobre iniciativas filantrópicas voltadas ao enfretamento a doença, empresas e pessoas físicas doaram até 30 de abril de 2020 cerca de 3,9 bilhões de reais.

Diante da complexidade da legislação tributária as empresas que realizam as ditas doações têm encontrado dificuldades para entender como se enquadram as suas operações no que concerne a incidência dos tributos diretos e indiretos e quais são os seus reflexos.

Sob essas premissas, este artigo busca dirimir pragmaticamente de que forma os tributos incidem ou não em cada situação quando o doador for pessoa jurídica.

É importante estabelecermos previamente a definição do instituto da doação, em razão de serem dela os respectivos reflexos tributários objeto deste estudo, por força do artigo 110 da lei 5.172/66 (Código Tributário Nacional)2, que determina que a legislação tributária definirá os efeitos tributários a partir da definição dada pelo direito privado para os institutos de direito privado.

Nas palavras de Flávio Tartuce3, seguindo o que estabelece o art. 538 do Código Civil, a doação ocorre quando:

"o doador transfere do seu patrimônio bens ou vantagens para o donatário, sem a presença de qualquer remuneração. Trata-se de ato de mera liberalidade, sendo um contrato benévolo, unilateral e gratuito"

Superado o entendimento jurídico do que é doação, passemos a análise tributária.

1. Da doação de mercadoria

As empresas que são tributadas pelo ICMS e IPI, ao promoverem a doação de suas mercadorias a entidades filantrópicas ou órgãos governamentais estão sujeitas a tributação de ICMS e IPI.

Conforme a legislação infraconstitucional vigente, isso ocorre porque a saída de produto ou mercadoria de estabelecimentos comercial ou industrial se configura como fato gerador desses impostos, não levando em consideração o motivo da respectiva saída ou a ausência de contraprestação.

1.1 ICMS

Essa regra pôde ser evidenciada na doação de remédios que não puderam ser comercializados pela Industria farmacêuticas ao Estado de São Paulo, no ano de 2017. Essa doação, a princípio, ocorreria com o devido pagamento do imposto, todavia, o Estado promulgou Decreto que isentou os laboratórios de pagarem o imposto de ICMS. Logo, caso não tivesse havido a regulamentação para isentá-los do imposto, o ICMS seria devido.

Contudo, há uma única exceção admitida pela legislação do ICMS: quando as doações são efetuadas a entidades governamentais ou assistenciais, reconhecidas como de utilidade pública, para assistência de vítimas de calamidade pública decretada por ato de autoridade competente. 

Nesses casos, a legislação prevê nos requisitos do artigo 14 do Código Tributário Nacional, conforme Convênio ICM 26/75, prorrogado pelo Convênio ICMS 151/94, que essas doações serão isentas de ICMS, não havendo, portanto, a exigência de estorno do crédito em relação a entrada de mercadorias ou insumo objetos das saídas isentas, como também é assegurada a manutenção do crédito do imposto. 

Sendo satisfeitos os requisitos, tais como, ser portadora do Certificado de Entidade de Fins Filantrópicos fornecido pelo Conselho Nacional de Serviço Social, a desoneração se aplica. Caso contrário, a base de cálculo do ICMS da doação que não estiver abarcada pela isenção será o valor da operação de que decorrer a saída da mercadoria, acrescido da parcela do IPI, quando for o caso, consoante artigo 13, inciso I, da lei complementar 87/96. Ressalva-se que como base de cálculo pode ser utilizado o valor de custo ou de aquisição do produto, desde que seja o valor efetivo da respectiva operação. 

Salienta-se, também, que caso a mercadoria seja proveniente de outro Estado, o estabelecimento destinatário deverá, se for o caso, recolher a diferença entre as alíquotas interna e interestadual do ICMS, aplicando-se, inclusive sobre o valor da prestação do serviço de transporte. 

Em sendo assim, observa-se que a saída a qualquer título de mercadoria de estabelecimento contribuinte, configura fato gerador do imposto, exceto se houver alguma disposição específica na legislação em contrário.

Portanto, em regra, a operação de doação, configura fato gerador do imposto, no entanto, o contribuinte deverá observar se na operação específica a ser realizada haveria alguma hipótese específica de isenção frente ao produto ou as pessoas envolvidas em tal operação.

1.2 IPI

Diante da redação dos art. 35 e 39 do RIPI, a saída de mercadoria do estabelecimento industrial ou equiparado, configura fato gerador do imposto, independentemente do título jurídico adotado para a operação.

Assim sendo, devido a inexistência de previsão específica que afaste tal regra na operação de doação, tem-se que resta configurado o fato gerador do imposto, estando, portanto, sujeita a doação a regra geral de tributação do produto. Por conta disso, o não pagamento dependerá de edição de atos normativos a ser realizada pelo poder Executivo, conforme se preceitua no art. 150, § 1, da CRFB.

Deste modo, com não há previsão específica que afasta de tal regra de incidência na operação de doação, temos que esta configura fato gerador do imposto, estando sujeita assim a regra geral de tributação do produto. E por isso, o não pagamento dependerá de edição de atos normativos a ser realizada pelo poder Executivo, conforme se preceitua no art. 150, § 1, da CRFB.

Nesse sentido, em razão da covid-19, o Governo Federal editou o decreto 10.285/20, onde se estabeleceu que as alíquotas do IPI passariam a zero sobre os produtos destinados ao combate do Coronavírus, que estivessem listados na referida regulamentação, estando, dentre eles, gel antisséptico, luvas e outros.

Caso não esteja elencado na lista prevista no Decreto, as alíquotas permanecem as mesmas. Para esses, e todos os demais casos de doação ou cessão gratuita de mercadoria sem desoneração, a base de cálculo do IPI será o valor da operação de que decorrer a saída do estabelecimento, consoante artigo 131, inciso II, decreto 4.544 de 2002. 

1.3 PIS e Cofins

As Contribuições de PIS e da Cofins tem como fato gerador a geração mensal de receita bruta de vendas e serviços da pessoa jurídica, independentemente de sua denominação ou classificação contábil.

Nesse viés, pontua-se que para a empresa que doa mercadorias, a sua operação não é classificada como "receita", mas sim como "despesa". Importante ressaltar que a natureza sempre será de despensa, não importando se a despesa é passível de dedução de base de cálculo de IR e CSSL. Por essa razão, não existe a tributação de PIS e Cofins, uma vez que a doação e cessão gratuita de bens não compõem a receita bruta mensal da empresa doadora.

No que tange aos créditos referentes as mercadorias que foram adquiridas para revenda e não foram revendidos, por terem sidos doados, em regra (não havendo legislação específica permitindo a manutenção do crédito), os respectivos créditos deverão ser estornados.

1.4 Imposto de renda e contribuição social sobre o lucro líquido

As doações e contribuições em regra não apresentam deduções do Imposto de Renda, conforme preceitua o caput do artigo 377 do decreto 9.580/18.

 Entretanto, existem algumas exceções a essa regra, que são aplicadas somente as empresas do regime tributário do Lucro Real.

Explica-se, as empresas do Lucro Real apuram os tributos de IRPJ e CSLL através do lucro líquido apurado na contabilidade, enquanto, a de Lucro Presumido o fazem sobre alíquotas de presunção de Lucro aplicado sobre o faturamento da empresa, o que impede de gerar essas deduções.

Também não se aplica a empresas do Simples Nacional por estas pagarem todos os tributos por meio de alíquota que incide sobre o faturamento, independente de apuração do lucro.

Ultrapassado esse ponto, tem-se que conforme a Legislação de Imposto de Renda, é possível ocorrer deduções quando:

I - as doações sejam efetuadas às instituições de ensino e pesquisa cuja criação tenha sido autorizada por lei federal e que preencham os requisitos a que se referem os incisos I e II do caput do art. 213 da Constituição, até o limite de um e meio por cento do lucro operacional, antes de computada a sua dedução e a de que trata o inciso II;

II - as doações, até o limite de dois por cento do lucro operacional da pessoa jurídica, antes de computada a sua dedução, sejam efetuadas a entidades civis, legalmente constituídas no País, sem fins lucrativos, que prestem serviços gratuitos em benefício de empregados da pessoa jurídica doadora e de seus dependentes, ou em benefício da comunidade onde atuem;

III - As doações sejam efetuadas as Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público - OSCIP, desde que regularmente constituída e com condição de utilidade pública vigente, com limite de 2% do lucro operacional da pessoa jurídica, antes de computada a sua dedução.

1.5 ITCMD

O fato gerador do ITCMD é também a transmissão por doação de quaisquer bens ou direitos, art. 151, I, CRFB, cujo contribuinte é o donatário. Em se tratando de mercadoria, cujas saídas são tributadas pelo ICMS, não haverá incidência do ITCMD, por exclusão, sob pena de dupla incidência sob uma mesma base de cálculo.

2. Da doação em dinheiro

2.1 Imposto de renda e contribuição social sobre o lucro líquido

Aplicam-se as mesmas regras da doação de mercadorias, contudo, para redução da base de cálculo do Imposto de Renda e Contribuição Social Sobre o Lucro Líquido deve ser respeitado o requisito de que as doações sejam realizadas por meio de crédito em conta bancária de titularidade da entidade beneficiária que atendam aos requisitos da lei.

2.2 ITCMD

Conforme demonstrado acima, o fato gerador do ITCMD é também a transmissão por doação de quaisquer bens ou direitos, art. 151, I, CRFB.

Por ser um imposto de competência estadual, assim como o ICMS, cada estado estabelece a alíquota devida para a doação, sendo que alguns utilizam da alíquota fixa e outras a progressiva, tendo como teto determinado pelo Senado Federal a alíquota de 8%, razão pela qual, recomenda-se a observação da legislação estadual pertinente antes da realização ou recebimento da doação.

No Rio de Janeiro, por exemplo, até o fim do ano-calendário de 2020, só haverá incidência de ITCMD, nas doações em dinheiro, de valor que ultrapasse o equivalente a 11.250 UFIRs-RJ x 3,5550 = R$ 39.993,75[4]. Ressalta-se que as alíquotas nesse estado são progressivas, variando a porcentagem de imposto devido a depender do valor a ser doado.

No caso de doação de empresas a entidades sem fins lucrativos, a legislação prevê que caso a entidade seja imune ou isenta deste imposto, é necessário que exista documento que comprove que o valor foi doado, como também, o fundamento legal que determina a isenção ou imunidade. Esse documento deve estar a disposição da entidade sem fins lucrativos, visto que essa é a que tem a obrigação tributária de recolher o tributo, ficando o doador solidariamente responsável a recolher o tributo.

3. Conclusão

Em que pese a solidariedade e o altruísmo serem atitudes louváveis, e por isso devem ser incentivadas pelo poder público, a verdade é que em regra a doação é tributada.

Por tal razão, o planejamento do "o que'' doar é importante, pois ao produzir e doar mercadorias que não estão em seu objeto social, poderá ainda trazer responsabilidade tributária decorrente dessas operações para os administradores das empresas, pois estaria indo de encontro com o contrato ou estatuto social, conforme preceitua o art. 135 do CTN.

Por isso os administradores de empresas devem considerar os valores correspondentes aos tributos além do valor e/ou produto efetivamente doado, e em sendo possível, planejar as doações para aproveitar as isenções legais vigentes, pois assim irá otimizar os valores de sua colaboração social.

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2 Art. 110. A lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar competências tributárias.

3 TARTUCE, Flávio. Manual de direito civil: volume único. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2017.

4 Fundamentação Legal: Lei 7.786/17, de 17.11.17

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t*Eduardo F. de Souza Weyll é sócio advogado do escritório SMGA Advogados, L.L.M (Master of Laws) em Direito Corporativo pelo IBMEC. Pós-graduado em Direito Tributário pela UCAM.





t*Isadora Monteiro Menezes é advogada do escritório SMGA Advogados, pós-graduanda em Direito Tributário pela UCAM, Bacharel em Direito pela UFF, com intercâmbio acadêmico na Universidade de La Coruña, na Espanha.

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