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A espada e a caneta

As citações metafóricas sobre a espada e a caneta são também bastante frequentes. Com menções já na antiguidade, onde se tinha, com Eurípedes, que a língua seria mais poderosa que a espada, chegando à conhecida colocação de Edward Bullwer-Lytton, em 1839, ao mencionar ser, sim, a caneta mais poderosa que a espada.

terça-feira, 16 de junho de 2020

Atualizado às 14:15

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Democracia e autoritarismo são temas recorrentes. Na verdade, força e legalidade têm um histórico que se pode dizer, no mínimo, tumultuado. Existem clássicas citações, da Grécia antiga à modernidade, que exaltam um conflito velho como o homem. A razão e serenidade em tal discurso, no entanto, parecem ser meta difícil de ser alcançada.

Paralelamente, as citações metafóricas sobre a espada e a caneta são também bastante frequentes. Com menções já na antiguidade, onde se tinha, com Eurípedes, que a língua seria mais poderosa que a espada, chegando à conhecida colocação de Edward Bullwer-Lytton, em 1839, ao mencionar ser, sim, a caneta mais poderosa que a espada. Mas não só. De outro lado, também existem tantas e tantas colocações sobre a força bruta imperando sobre a escrita.

Nesse contexto, o caminho de Napoleão, por exemplo, dando a prevalência à palavra, quando alegadamente apontava que tinha mais medo de três jornais do que cem baionetas. Por outro lado, Dom Pedro I, em 12 de novembro de 1823, ao dissolver os trabalhos da conhecida Constituição da Mandioca, na chamada noite da agonia, teria feito valer a voz dos canhões, então, saudados como real Imperador. Já Lassale, ainda nos meados daqueles novecentos, chegou a mencionar que se o legislador, em uma monarquia absoluta, poderia escutar do monarca que as armas lhe obedecem, e, assim, é ele quem se vê em posição de ditar sua vontade.

Fato é que no atribulado desenrolar do século XX, a situação só se viu agravar. Particularmente o Brasil conheceu inúmeros momentos em que caneta e espada foram antepostas. Não raro, a força imperou. Uma inescapável verdade, no entanto, foi colocada em Salamanca dos anos 1930. De se rememorar, pois a colocação de Unamuno, sobre a possibilidade de um lado vencer, mas não de convencer. E isso, dito por alguém que, a princípio, se mostrava partidário do lado que exercera a força, e não a racionalidade, apesar de isso ter se mostrado contra ele próprio.

De todo modo, os dias que correm, em momento em que o Judiciário como um todo, e o Supremo Tribunal Federal (STF), em particular, são postos em xeque, voltam ao debate tantas questões dessa ordem. O ativismo judicial, sem dúvida, incomoda a muitos. E, não raro, com razão. Diversas gerações de juristas foram formatadas em ambiente muito mais positivista do que hoje se vê presente. Assusta, de um lado, a veemente discussão, nem sempre tão serena de alguns ministros ou juízes. Isso nem sempre constrói, senão prejudica a imagem institucional. Preocupa, de outro, que venham magistrados a invadir espaços que poderiam se imaginar atinentes a outros poderes. Inquieta, enfim, que sejam cada vez mais contestadas as decisões judiciais, e que, por isso, brade-se, a exclusivo, pelo fechamento de cortes de justiça.

Ainda assim, esse clima de terror ao Judiciário é crescente. Já se disse que um cabo e um soldado bastariam para seu fechar. Talvez fosse um arroubo de dias outros. Mas isso não se fez arrefecer, senão incrementar com os passar dos últimos meses. Recentemente, importante político e presidente de partido nacional, chegou a dizer que o presidente da República precisaria, "para atender o povo e tomar as rédeas do governo", ter duas ações: "demitir e substituir" os 11 ministros do STF. Novamente, se pretende que a espada supere a caneta.

Novamente, é de se dizer que o Estado Democrático de Direito finca lança em um tripé essencial, que é compartilhado pelo Executivo, Legislativo e Judiciário. E a espada, nesse sentido, não se usa para sobrepujar a caneta, mas para garantir o exercício e funcionamento de seu exercício. Podem se fazer presentes excessos de lado a lado, mas o que se pede é a busca do bem comum. O senhor presidente da República deve fazê-lo, como também o devem fazer os senhores governadores. Ataques, neste momento em que se contabilizam milhares de mortes devem ser evitados e forças devem ser dirigidas contra o bem comum.

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*Renato de Mello Jorge Silveira é advogado do escritório Silveira E Salles Gomes Advogados. Professor titular da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Presidente do IASP - Instituto dos Advogados de São Paulo.

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