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A equiparação salarial sob a ótica da Justiça do Trabalho

A equiparação salarial é uma previsão de isonomia contida na Constituição Federal e na CLT, que dá ao trabalhador o direito de receber o mesmo salário de outro que exerça a mesma atividade.

terça-feira, 23 de junho de 2020

Atualizado às 08:53

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Quando se trata de diferença salarial, existem pontos que inicialmente merecem atenção. Em geral, a Justiça do Trabalho é demandada em três situações recorrentes, que são equiparação salarial, desvio de função e acúmulo de função.

A equiparação salarial é uma previsão de isonomia contida na Constituição Federal (art. 7º, inciso XXX) e na CLT (art. 461), que determina o pagamento da mesma remuneração para empregados que exerçam a mesma atividade e ao mesmo empregador, sem distinção de sexo, etnia, nacionalidade ou idade.

De acordo com o Tribunal Superior do Trabalho (TST), a equiparação salarial inclusive é possível se o empregado e o equiparado, também chamado de paradigma, exercem a mesma função, desempenhando as mesmas tarefas, não importando se os cargos têm, ou não, a mesma denominação (súmula 6, inciso III).

A legislação trabalhista atual ainda prevê que, em se tratando de trabalho de igual valor, deve ser feito com igual produtividade e com a mesma perfeição técnica, entre pessoas cuja diferença de tempo de serviço para o mesmo empregador não seja superior a quatro anos e a diferença de tempo na função não seja superior a dois anos.

Nessa linha, não são raros os casos em que muitos trabalhadores, mesmo com cargos e níveis de escolaridade distintos, postulam equiparação salarial. Para a Justiça do Trabalho, não importa se o reclamante e o paradigma possuam a mesma habilitação profissional ou o mesmo diploma de curso técnico ou de curso superior, desde que, na realidade fática, exerçam as mesmas atividades.

Para elucidar melhor, se um empregado é contratado como digitador para trabalhar numa instituição bancária e, na prática, exerce atividades típicas de bancário, como operações de caixa, autenticação de boletos bancários, retirada, contagem e validação de módulo depositário e ATM (envelopes depositados nos caixas eletrônicos), conferência de numerários (dinheiro), contagem de malotes empresarias e gerenciais, tratamento de malotes jurídicos (inclusive lotéricos), fechamento de malotes de compensação de cheques, compensação de documentos e apoio às demais atividades da agência e setores do banco, nos exatos termos do item 4132-10 da Classificação Brasileira de Ocupações - CBO, terá direito não somente às diferenças salariais, como também aos demais benefícios concedidos à categoria profissional dos bancários.

Outras situações podem ocorrer, por exemplo, na área da saúde, onde auxiliares e técnicos de enfermagem postulam equiparação salarial com enfermeiros ou, por trabalharem expostos à radiação ionizante, acionam a Justiça do Trabalho, com o intuito de ter a jornada de trabalho reduzida e outros direitos equiparados aos dos técnicos em radiologia.

É importante reforçar que a jurisprudência trabalhista é pacífica no sentido de que a falta de qualificação profissional exigida em lei impede o enquadramento e a anotação na CTPS, mas não obsta o pagamento dos direitos trabalhistas inerentes ao cargo efetivamente exercido, pois não pode haver o trabalho sem a remuneração correspondente às atividades desempenhadas. Portanto, para a Justiça do Trabalho, um diploma de nível técnico ou de nível superior é irrelevante quando os envolvidos exercem as mesmas atividades.

Abaixo, algumas jurisprudências sobre o tema:

IDENTIDADE DE FUNÇÕES. DIFERENÇAS DE NOMENCLATURAS DOS CARGOS EXERCIDOS. EQUIPARAÇÃO SALARIAL DEVIDA. Quanto à alegada impossibilidade de equiparação por exercício de cargos diversos (reclamante era "analista de operações e serviços I", enquanto que paradigma era "analista de operações e serviços III"), a diferença da nomenclatura dos cargos não impossibilita a equiparação postulada, bastando que as funções exercidas pelas empregadas sejam as mesmas, conforme dispõe o inciso III da súmula 6 do C.TST, o que restou comprovado pela prova testemunhal, motivo pelo qual não há qualquer impossibilidade ao reconhecimento da equiparação pretendida. Ainda, quanto à diferença de qualificação técnica alegada pela ré, trata-se de ônus da reclamada a comprovação dos fatos, nos termos do inciso VIII da súmula 6 do C.TST, sendo que de tal ônus não se desincumbiu a contento, notadamente quando as notas de avaliação não demonstram diferença de qualidade técnica que suscite a diferença salarial postulada, vez que a prova testemunhal comprovou que autor e paradigma realizavam as mesmas tarefas. Apelo da ré a que se nega provimento. (TRT/SP, 6ª turma, RO 1000063-39.2015.5.02.0054, magistrado relator VALDIR FLORINDO, data de publicação 5/6/2018)

EQUIPARAÇÃO SALARIAL. Hipótese em que restou demonstrado pelo trabalhador o exercício de atividades idênticas àquelas exercidas pelos paradigmas. Sendo idêntica a função, a todo trabalho de igual valor, prestado ao mesmo empregador, na mesma localidade, corresponderá igual salário, sem distinção de sexo, nacionalidade ou idade (artigo 461 da CLT). Recurso do reclamado não provido. (TRT/RS, 11ª turma, RO 0020948-19.2016.5.04.0372, relator ROBERTO ANTONIO CARVALHO ZONTA, publicado em 26/7/2018)

DIFERENÇAS DE PISO SALARIAL. AUXILIAR DE ENFERMAGEM. COMPROVAÇÃO DA REALIZAÇÃO DAS TAREFAS ATRIBUÍDAS AO CARGO DE TÉCNICO DE ENFERMAGEM. AUSÊNCIA DE PROVA DE QUALIFICAÇÃO COMO TÉCNICA DE ENFERMAGEM. DEVIDAS. Embora a reclamante, ocupante do cargo de auxiliar de enfermagem, não tenha comprovado sua habilitação como técnica de enfermagem, tal fato não impede o deferimento das diferenças salariais em razão do piso salarial atribuído aos técnicos. A lei 7498/86 estabelece que as funções de auxiliar e de técnico de enfermagem são exercidas em nível médio, conforme arts. 12 e 13, o que implica reconhecer que a distinção das funções reside nas efetivas tarefas realizadas. Na hipótese, a autora comprovou que realizava as atividades atribuídas aos técnicos de enfermagem, sendo devidas as diferenças salariais pretendidas. (TRT/SP, 11ª turma, RO 1000722-72.2018.5.02.0303, magistrado relator WILMA GOMES DA SILVA HERNANDES, data de publicação 3/9/2019)

O desvio de função, por sua vez, caracteriza-se quando o empregado, embora contratado para executar determinada função ou atividade, executa outra, totalmente incompatível com as atribuições atinentes ao cargo originário.

Já no acúmulo de função, o empregado cumula funções características do seu cargo e ainda tarefas que não estão elencadas na sua função.

Muito embora o desvio e o acúmulo de funções não sejam vistos com bons olhos, é certo que não há previsão legal para a percepção de salário superior ou acréscimo salarial pela ocorrência dessas situações, salvo se o desvio ou acúmulo incorrer em equiparação salarial, mas, nesse caso, ao ingressar com ação trabalhista, o reclamante deve indicar um paradigma.

Sob a ótica da Justiça do Trabalho, a situação do acúmulo ou desvio de função faz parte do poder diretivo do empregador, que pode determinar o modo como a atividade do empregado, em decorrência do contrato de trabalho, deve ser exercida, podendo alterá-la, reduzi-la ou ampliá-la.

Nesse sentido, os seguintes julgados:

DESVIO DE FUNÇÃO. AMPARO LEGAL. Não há previsão legal para a percepção de salário superior pela existência de desvio/acúmulo de funções. O art. 460 da CLT não prevê o pagamento de salários decorrentes do desvio de função nem há norma convencional fixando salário normativo. Decorrentes da função para a qual foi contratado, nada impede o exercício de várias atividades, que se inserem dentre as quais obrigou-se o empregado a desenvolver. Recurso ordinário ao qual se nega provimento. (TRT/SP, 3ª turma, RO 1001255-83.2016.5.02.0373, magistrada relatora MERCIA TOMAZINHO, data de publicação 24/7/2018)

DESVIO DE FUNÇÃO. Não há fundamento legal para o pedido da reclamante. A legislação trabalhista não disciplina a pretensão de reajuste salarial em virtude de acúmulo ou desvio de função. Algumas normas coletivas disciplinam a matéria, mas a teor da pretensão da recorrente não é este o enfoque dado. No presente caso, não sobrevieram aos autos estas normas, razão pela qual deve prevalecer o disposto no artigo 456, parágrafo único da CLT, o qual dispõe que à falta de prova, ou inexistindo cláusula expressa, entender-se-á que o empregado se obrigou a todo e qualquer serviço compatível com a sua condição pessoal. Apelo não provido. (TRT/SP, 3ª turma, RO 1001555-42.2017.5.02.0492, magistrada relatora LIANE MARTINS CASARIN, data de publicação 7/8/2019)

Desvio de função. Diferenças salariais. Poder diretivo e jus variandi. Inexistência de disposição legal ou normativa que garanta aumento de salário por desvio de função. A organização e a estrutura administrativa da empresa são assuntos que dizem respeito apenas ao empregador, em decorrência de seu poder diretivo. Se é questão que não envolve quadro organizado de carreira, só ao empregador cabe dizer as atribuições inerentes a cada função. Pode ampliá-las ou reduzi-las. CLT, 456, par. único. Recurso ordinário do autor a que se nega provimento. (TRT/SP, 11ª turma, RO 1002369-62.2016.5.02.0242, magistrado relator EDUARDO DE AZEVEDO SILVA, data de publicação 15/5/2019)

Não é demais lembrar que, qualquer alteração no contrato de trabalho do empregado não deve alterar de forma significante o pacto laboral, nem importar em prejuízo ao empregado, sob pena de ser considerada nula, conforme preceitua o artigo 468 da CLT.

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*Ezequiel do Carmo Munhoz é advogado em São Paulo; Especialista em Direito e Processo do Trabalho (MACKENZIE); Especialista em Relações Sindicais e Trabalhistas (WCCA); Especialista em Advocacia Empresarial (PUC MINAS); Especializando em Compliance Digital (MACKENZIE).

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