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PL 367/20 e a proposta de alteração das regras de admissibilidade de recursos especiais nas disputas administrativas no Estado de São Paulo

Acreditamos que os mecanismos criados pelo PL 367/20 acabarão por aprimorar o processo administrativo estadual e enriquecer, ainda mais, os debates tributários no âmbito do TIT/SP.

quarta-feira, 24 de junho de 2020

Atualizado às 08:07

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Em 28 de maio de 2020, foi publicado o Projeto de Lei ("PL") 367/20, que tem por objetivo promover alterações nas regras do contencioso administrativo tributário no Estado de São Paulo, previstas na Lei Estadual 13.457/09.

O PL, de autoria do Deputado Estadual Sérgio Victor (NOVO/SP)1, tem por principal objetivo ampliar a segurança jurídica, o contraditório e a ampla defesa em todas as etapas do processo administrativo estadual, adequando a legislação ao Novo Código de Processo Civil de ("CPC") e aprimorando as regras existentes à nova realidade das disputas administrativas, sem prejudicar a celeridade e eficiência do contencioso administrativo estadual promovida, principalmente, pela Lei Estadual 13.457/09.

Nesse aspecto, o PL 367/20 prevê importante modificação do procedimento de análise e julgamento da admissibilidade de recurso especial interposto à Câmara Superior do Tribunal de Impostos e Taxas de São Paulo ("TIT/SP").

Atualmente, as partes no processo administrativo estadual podem interpor recurso especial contra decisão das câmaras julgadoras do TIT/SP no prazo de 30 (trinta) dias. Referido recurso passa pelo exame de admissibilidade realizado pelo presidente do Tribunal, que profere despacho admitindo ou inadmitindo o recurso. Na hipótese de inadmissão, o processo administrativo é encerrado, formando-se a chamada coisa julgada administrativa.

Esse atual regramento de admissão de recursos especiais no âmbito do contencioso administrativo estadual chama atenção especialmente pela falta de (i) detalhamento na fundamentação dessas decisões e (ii) oportunidade recursal a permitir o contraditório e ampla defesa contra decisão que inadmite o recurso especial.

As etapas finais do processo são cruciais no contencioso tributário administrativo e, por esse motivo, merecem atenção especial. Encerrar a discussão administrativa sem oportunizar aos litigantes compreender os motivos e, quando for o caso, discordar da inadmissão do seu recurso - como hoje ocorre nas disputas administrativas no Estado de São Paulo - empobrece os debates e não permite a necessária conformação tanto das partes quanto da própria sociedade, que se vale dessas decisões para nortear seus comportamentos.

Na tarefa, portanto, de assegurar o contraditório e a ampla defesa em todas as etapas da disputa administrativa, foi estudada a legislação do processo administrativo de outros estados, do processo administrativo federal e do CPC, para identificar modelos que poderiam ser implementados ou adaptados à legislação paulista com vistas a aprimorar esse ponto específico no contencioso administrativo estadual paulista.

Desde o início, descartamos a possibilidade de criação de um recurso que fosse direcionado para o colegiado da Câmara Superior. Isso porque a premissa do grupo foi a de assegurar os princípios indicados acima, sem, no entanto, prejudicar atual celeridade do processo administrativo estadual conquistada nos últimos anos a partir da implementação do processo digital e várias outras medidas, bem como promover alterações radicais no rito processual atualmente vigente no TIT/SP.

Também eliminamos a possibilidade de modificação de competência originária de análise da admissibilidade dos recursos para o relator do recurso especial na Câmara Superior do TIT/SP. Muito embora essa alteração pudesse viabilizar a interposição de recurso ao Presidente do Tribunal ou colegiado, pareceu-nos ineficiente determinar que o relator da Câmara Superior tivesse de analisar o histórico e mérito de um processo que talvez sequer cumprisse os respectivos requisitos de admissibilidade para ser julgado.

Do levantamento da legislação de vários estados examinados, a exemplo dos estados do Rio Grande do Sul, Santa Cataria, Paraná, verificamos que alguns deles possibilitam a interposição de embargos de declarações ou pedidos de esclarecimentos em situações específicas, a maioria delas envolvendo decisões colegiadas. Embora também tenham importância no processo administrativo, avaliamos que esse tipo de recurso não seria o bastante para garantir o contraditório e ampla defesa necessária a essa etapa do processo administrativo paulista ora analisada.

Ainda desse levantamento, identificamos que alguns estados, tais como Santa Catarina e Ceará, apesar de não permitirem a interposição de recurso contra decisão que inadmite o recurso especial, exigem que a referida decisão seja fundamentada e contenha os fundamentos que permitam às partes entender sua motivação.

Após muita pesquisa acerca dos possíveis modelos para ampliar o contraditório e a ampla defesa nessa importante etapa do processo administrativo, concluímos que a sistemática de processamento e análise da admissibilidade de recursos especiais no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais ("CARF"), adaptada às características locais do TIT/SP e aliada à ideia de fundamentação das decisões prevista no contencioso administrativo de Santa Catarina e do Ceará, seria a sistemática mais adequada para o contencioso administrativo no Estado de São Paulo.

Essa conclusão, vale registrar, não significa dizer que há hierarquia ou que a legislação federal seria preferível à legislação paulista. Pelo contrário, do estudo da Lei Estadual 13.457/09 pôde-se notar que a legislação paulista é mais contemporânea e, em diversos aspectos, mais avançada em relação à legislação do processo administrativo federal. Não obstante, especificamente em relação à questão da admissibilidade do recurso especial, pareceu-nos que as regras de disputas administrativas no âmbito do Estado de São Paulo poderiam ser aprimoradas a partir da experiência do CARF sobre a matéria.

No CARF, o recurso especial das partes tem sua admissibilidade analisada pelo presidente da câmara à qual esteja vinculada a turma que houver proferido o acórdão recorrido. Interposto esse recurso, compete ao presidente dessa câmara, em despacho fundamentado, emitir ou negar seguimento ao recurso. Da decisão que regar seguimento ao recurso especial, cabe agravo ao Presidente da Câmara Superior de Recursos Fiscais, cuja decisão é definitiva sobre a matéria. 

Assim é que, depois de muita pesquisa e estudo sobre o tema, resolveu-se incluir no PL 367/20 proposta que pretende alterar a Lei Estadual 13.457/09 para:

(i) remanejar a competência para análise da admissibilidade do recurso especial do Presidente do TIT/SP para o presidente da respectiva câmara julgadora do processo;

(ii) criar um novo recurso de agravo contra decisão do presidente da câmara julgadora que negar seguimento ao recurso especial; e

(iii) orientar para que todas as decisões que forem proferidas dentro do procedimento de análise de admissibilidade do recurso especial sejam fundamentadas.

Sabemos dos desafios e críticas que essa proposta enfrentará, dentre as quais podemos destacar: o possível aumento do volume de trabalho dos presidentes das câmaras julgadoras do TIT/SP, a eventual falta de uniformidade das decisões desses presidentes, a possibilidade de acréscimo do número de recursos para o Presidente do TIT/SP e a perda de celeridade do processo administrativo paulista.

O PL 367/20 não pretende se esquivar dessas ou de possíveis outras críticas. Pelo contrário, deseja se beneficiar de contribuições decorrentes de debates públicos construtivos e alcançar seu nobre objetivo de ampliação da segurança jurídica, contraditório e ampla defesa nas disputas administrativas no estado de São Paulo. E, inaugurando esses debates, algumas considerações já podem ser feitas a respeito dos pontos acima.

Primeiramente, destaque-se que, apesar de o PL atribuir a competência originária ao presidente da câmara julgadora para análise da admissibilidade do recurso especial, o presidente do TIT/SP continuará sendo a última autoridade a se manifestar sobre a matéria, na medida em que analisará o recurso de agravo contra decisão de inadmissão do recurso especial.

Com isso, o Presidente do Tribunal mantém-se com a última palavra sobre a admissão do recurso, com a única diferença (a nosso ver, positiva) no sentido de que ele receberá a respectiva controvérsia em estágio mais avançado, após debatido o tema na instância inferior e exercido o direito ao contraditório e ampla defesa pelas partes. Note também que o Presidente terá de se pronunciar apenas uma vez (e não duas) sobre a admissibilidade do recurso especial das partes, como já ocorre atualmente.

O remanejamento da competência para analisar a admissibilidade dos recursos especiais também foi pensado para não atrapalhar a atual celeridade e eficiência do processo administrativo estadual.

A partir da sistemática proposta no PL 367/20, haverá uma diluição na análise da admissibilidade de recursos especiais entre os presidentes das várias câmaras julgadoras do Tribunal, o que, por sua vez, resultará em ganho de agilidade nos processos, tendo em vista que os presidentes das câmaras julgadoras, ao se depararem com o recurso especial das partes, já estarão familiarizados com os fatos envolvidos no processo, a matéria de direito sob disputa e a jurisprudência do TIT/SP a seu respeito.

Observe que os presidentes das câmaras julgadoras terão de seguir critérios objetivos no exame da admissibilidade dos recursos especiais. Caso ainda assim haja qualquer disparidade entre suas decisões, o Presidente do TIT/SP poderá eliminar a respectiva falta de uniformidade ao analisar os agravos em recurso especial das partes. 

A proposta de criação de um recurso de agravo contra decisão que inadmitir o recurso especial das partes teve ainda o objetivo de reduzir a possibilidade de decisões contraditórias ou com orientações distintas para casos semelhantes.

Assim, com o PL, as partes que se encontrarem diante de decisões supostamente conflitantes (que admitem e inadmitem, respectivamente, recursos idênticos) poderão recorrer ao Presidente do TIT/SP, que definirá a controvérsia e, também, unificaria o entendimento das câmaras julgadoras.

Outro ponto importante dessa proposta incluída no PL 367/20 está ligado à conformação das partes quanto ao decidido nos processos administrativos estaduais.

Em uma disputa tributária, o resultado esperado do processo administrativo fiscal é o pagamento ou a extinção da obrigação tributária. A inexistência de conformação com o que restou decidido ou, ainda, a incerteza dos fundamentos utilizados pela decisão que encerra o processo, são fatores que contribuem para prolongamento do conflito entre fisco e contribuinte, especialmente por parte do contribuinte, que pode decidir levar a disputa para o judiciário.

Aliás, a conformação é elemento importante para própria sociedade, que tem o TIT/SP como parâmetro para adoção das suas condutas e que, portanto, pode se beneficiar de uma maior transparência quanto ao fundamento das decisões de admissão de recursos especiais para orientar seus comportamentos da melhor forma.

Dessa forma, a proposta do PL de que as decisões proferidas no contexto de análise de admissibilidade do recurso especial sejam fundamentadas, somada à possibilidade de interposição de recurso, busca garantir conformidade das partes e, de certa forma, maior transparência ao processo administrativo estadual.

Veja, ainda, que a proposta do PL 367/20 caminhou em linha com a possibilidade de manifestação do inconformismo das partes quanto ao resultado dos julgamentos existentes em situações semelhantes no CPC.

Por exemplo, o recurso de apelação cível interposto contra sentença tem seu exame de admissibilidade pelo relator do caso no Tribunal. Caso sua decisão (monocrática) seja no sentido de negar seguimento ao recurso, é cabível a interposição de agravo interno ao colegiado, nos termos do artigo 1.021 do CPC. Também é cabível recursos de agravo contra as decisões dos Presidentes ou Vice-Presidentes dos Tribunais que inadmitem ou negam conhecimento aos recursos especiais e extraordinários das partes.

Percebe-se, portanto, sob qualquer ângulo de análise, que o PL 367/20 busca preservar o atual rito do processo administrativo estadual diante da reconhecida celeridade e eficiência existente no TIT/SP, sem, contudo, ignorar a necessidade de garantir o contraditório e ampla defesa em toda a extensão do processo administrativo, especialmente na etapa final do contencioso no estado, possibilitando a justa manifestação do inconformismo das partes.

Nesse intuito de cumprir essa tarefa, acreditamos que os mecanismos criados pelo PL 367/20 acabarão por aprimorar o processo administrativo estadual e enriquecer, ainda mais, os debates tributários no âmbito do TIT/SP.

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1 O PL 367/20 é fruto dos debates promovidos por um grupo de trabalho formado por membros da sociedade civil (Comissões de Direito Tributário e Contencioso Tributário da OAB/SP e Fecomércio/SP) e da academia (FGV/SP), tendo sido coordenado por Flávio Molinari, assessor parlamentar jurídico.

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*Luiz Roberto Peroba e Bruno Lorette Corrêa participaram do grupo de trabalho do PL 367/20 e são, respectivamente, presidente e secretário-geral da Comissão Especial de Contencioso Tributário da OAB/SP e integrantes da área tributária de Pinheiro Neto Advogados.







*Este artigo foi redigido meramente para fins de informação e debate, não devendo ser considerado uma opinião legal para qualquer operação ou negócio específico.  

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