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Lei 14.016/20: Combate ao desperdício e incentivo a doações de alimentos excedentes

A lei que estimula o escoamento de alimentos excedentes e a diminuição de desperdícios, oferece maior segurança jurídica e prevê a limitação da responsabilização dos estabelecimentos doadores.

sexta-feira, 26 de junho de 2020

Atualizado às 08:07

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Segundo a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) enquanto a fome atinge 14 (quatorze) milhões de brasileiros, no país são desperdiçadas 22 (vinte e duas) bilhões de calorias, quantidade calórica suficiente para satisfazer as necessidades nutricionais de, pelo menos, 11 (onze) milhões de pessoas, e reduzir a fome em níveis inferiores a 5% (cinco por cento). Consoante a FAO, 28% (vinte e oito por cento) do total desperdiçado, ocorrem na produção dos alimentos.

Nesse cenário, foi sancionada a lei 14.016/20 que entrou em vigor na data de 25/6/20. A lei autoriza os estabelecimentos que produzem e fornecem alimentos (incluídos os in natura, produtos industrializados e refeições prontas para o consumo), a doarem gratuitamente os excedentes não comercializados e ainda próprios para o consumo. A autorização engloba hospitais, supermercados, cooperativas, restaurantes, lanchonetes e todas as demais empresas que oferecem alimentos para o consumo de trabalhadores, de empregados, de colaboradores, de parceiros, de pacientes e de clientes em geral.

Como condição para a doação, a lei determina que os alimentos precisam (I) estar dentro da data de validade e conservados nas condições especificadas pelo fabricante; (II) que sua integridade e segurança sanitária não estejam comprometidas, e (III) que estejam mantidas as suas propriedades nutricionais.

As doações podem ser realizadas diretamente, mediante colaboração do Poder Público, ou para os bancos de alimentos de outras entidades beneficentes de assistência social (certificadas na forma da lei) ou de entidades religiosas.

Importante salientar que aludidas doações são isentas do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços - ICMS, conforme previsão do convênio ICMS 136/94.

O texto normativo ainda determina que os beneficiários das doações devem ser pessoas, famílias ou grupos que se encontram em situação de vulnerabilidade ou de risco alimentar ou nutricional.    

A grande relevância da lei é com relação aos doadores e intermediários, pois adverte que, em hipótese alguma, as doações representarão relação de consumo, e prevê que apenas responderão (nas esferas civil, administrativa e penal) por danos causados pelos alimentos doados se agirem com dolo específico de causar danos à saúde de outrem.

Por dolo civil, conforme ensinamentos de Gonçalves (2012), entende-se todo artifício empregado para enganar alguém, e por dolo criminal, quando o agente (no caso, o doador) tem a intenção de prejudicar ou, assume o risco de produzir eventuais danos (artigo 18, do Código Penal).A lei indica que a responsabilidade do doador se encerra na primeira entrega ao intermediário, ou, quando feita diretamente, ao beneficiário final. No mesmo sentido, a responsabilidade do intermediário se finda com a primeira entrega dos alimentos ao donatário. Não obstante a autorização elucidada acima, durante a vigência da emergência de saúde pública de importância internacional causada pela pandemia de covid-19, o Governo Federal deverá dar preferência à aquisição de alimentos comercializados por agricultores familiares e pescadores artesanais, conforme o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA). Contudo, caso estados e municípios estejam adotando medidas similares, referida disposição não se aplica.

A lei é extremamente positiva e é de grande relevância ao combate ao desperdício. Apesar das doações de alimentos excedentes nunca terem sido vedadas, a norma positiva e delimita um ato que deveria ser praticado recorrentemente, e que não o era, pelo receio da possível responsabilização dos doadores por eventuais danos causados pelos alimentos doados.

Nessa esteira, conforme apontado anteriormente, a lei 14.016/20 traz garantias aos doadores e aos intermediários, limitando as possibilidades de responsabilização destes e oferecendo mais segurança jurídica nas doações. Mencionada proteção representa um excelente incentivo aos estabelecimentos a promoverem mais doações, de forma a escoar os alimentos excedentes e a combater a fome que assola milhões de brasileiros.

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BENÍTEZ, Raúl Osvaldo. Perdas e desperdícios de alimentos na América Latina e no Caribe. Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura - FAO. Disponível clicando aqui. Acessado em: 24 de Junho de 2020.

BRASIL, Decreto-Lei Nº 2.848, de 7 de Dezembro de 1940 - Código Penal. Disponível clicando aqui. Acesso em: 24 de Junho de 2020.

BRASIL, Lei nº 14.016, de 23 de Junho de 2020. Disponível clicando aqui. Acessado em: 24 de Junho de 2020.

BRASIL, Ministério da Economia. Convênio ICMS 136/94. Conselho Nacional de Política Fazendária - CONFAZ. Disponível clicando aqui. Acessado em: 24 de Junho de 2020.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro, volume 1: Parte Geral. 10. Ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

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*Carolina Louzada Petrarca é sócia do Petrarca Advogados.

*Nathália Siqueira é administradora de empresas e colaboradora do Petrarca Advogados.

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