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Em defesa da boa administração pública

Não é incomum que o administrador público se depare com situações de enorme incerteza em que, mesmo buscando orientação de consultores e especialistas, tenha que assumir consideráveis riscos para a tomada de decisão.

sexta-feira, 26 de junho de 2020

Atualizado às 08:07

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As normas jurídicas têm como finalidade orientar o comportamento da sociedade em uma dada direção, o que fica ainda mais evidente em se tratando de norma sancionatória típica, aquela que estabelece sanções como consequência da prática de uma infração, seja ela penal, civil ou administrativa.

Ao prever que a prática do ato X implica a aplicação da sanção Y, pretende-se desestimular a prática do ato X, utilizando-se da sanção como medida inibidora daquele comportamento.

A despeito de parecer uma premissa óbvia, são frequentes as análises que deixam de considerá-la, mais preocupadas com a garantia da punição a qualquer custo que com a efetividade da lei na consecução de sua finalidade. São análises que deixam de considerar o comportamento pretendido, ideal, e focam apenas no ilícito e na garantia de punição, como se essa fosse a finalidade principal da norma.

E a diferença de premissa, longe de ser discussão acadêmica inócua, pode gerar graves distorções, como a edição de normas e interpretações que acabam por trazer graves efeitos colaterais, prejudicando até mesmo o desempenho daquelas atividades que se pretende estimular.

A proposta, que nos dias de hoje ainda parece ser ousada, é uma mudança de foco, uma nova abordagem, de estímulo às boas práticas e garantia de segurança jurídica ao administrador público no desempenho de suas funções.

Não se nega a importância das normas sancionadoras e da punição aos ilícitos efetivamente cometidos.

De nada adianta a punição, entretanto, se não formos capazes de entregar um caminho claro, bem delimitado e seguro para que o administrador público desempenhe suas funções. Sem essa clareza e segurança, ficam os administradores, por melhores e mais bem intencionados que sejam sujeitos ao arbítrio de julgamentos judiciais e órgãos de controle e, consequentemente, receosos de tomar as decisões necessárias ao bom desempenho de suas funções.

Nesse ambiente de insegurança e incerteza, bons e maus administradores são muitas vezes colocados em um mesmo balaio, sujeitos a ações de responsabilização com potencial aplicação de gravíssimas sanções.

Sem a necessária garantia de segurança jurídica, não temos sido capazes de diferenciar o bom e o mau administrador, um simples equívoco de um ato de desonestidade.

Enquanto não dermos ao administrador público a necessária segurança para a tomada de decisões, acompanhada das ferramentas e instrumentos jurídicos necessários ao bom desempenho de suas funções, dificilmente avançaremos.

Uma boa iniciativa nesse caminho foi a edição da lei 13.655/18, que incluiu na Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, disposições sobre segurança jurídica e eficiência na criação e na aplicação do direito público.

Trata-se de inegável avanço que vem ganhando força, mas cuja aplicação ainda encontra certa resistência no Poder Judiciário e nos órgãos de controle.

Fato é que, para além de normas deficientes e confusas, ainda sofremos com uma cultura punitivista que não representa a devida e necessária resposta para atos ilícitos e de corrupção e ainda causa insegurança e incertezas, constituindo obstáculo à boa administração.

Não é incomum que o administrador público se depare com situações de enorme incerteza em que, mesmo buscando orientação de consultores e especialistas, tenha que assumir consideráveis riscos para a tomada de decisão.

É certo que atos ilícitos e de corrupção devem ser severamente punidos, mas é necessário diferenciá-los dos atos de boa-fé, daqueles praticados pelos bons administradores, o que se faz com tipos infracionais claros; maior liberdade e respeito à decisão administrativa, com atenção para as circunstâncias em que foi tomada; e preocupação com a tipicidade e a interpretação restritiva (não ampliativa) dos tipos infracionais, além da estrita observância dos direitos e garantias da defesa.

Se queremos uma boa administração pública, devemos dar segurança, condições de atuação e um voto de confiança ao bom administrador.

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t*Francisco Octavio de Almeida Prado Filho é sócio fundador do escritório Almeida Prado Advogados e presidente da Comissão de Estudos sobre Improbidade Administrativa do IASP.

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