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Redução das mensalidades nas instituições de ensino

É notório o fato de que as instituições de ensino tiveram suas despesas reduzidas com itens como a manutenção do espaço, água, energia, além da alimentação de seus funcionários e alunos (que estudavam em período integral) por estarem suspensas as atividades presenciais.

quarta-feira, 1 de julho de 2020

Atualizado às 13:18

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A lei 8.864/20, que dispõe sobre a redução proporcional das mensalidades escolares em estabelecimento de ensino particular durante o estado de calamidade pública instituído pela lei 8.794, de 17 de abril de 2020, ou por outro ato que vier a prorrogá-lo ou convalidá-lo, foi sancionada recentemente pelo Governador do Estado do Rio de Janeiro e entrou em vigor no dia 04 de junho de 2020, na mesma data de sua publicação.

Embora ainda em plena disputa de liminares, para o autor da proposta legislativa, é notório o fato de que as instituições de ensino tiveram suas despesas reduzidas com itens como a manutenção do espaço, água, energia, além da alimentação de seus funcionários e alunos (que estudavam em período integral) por estarem suspensas as atividades presenciais, sendo razoável, portanto, que os estudantes e/ou seus responsáveis financeiros, que também tiveram seus rendimentos afetados, tenham a sua mensalidade reduzida.

A lei aprovada possui elevada abrangência, na medida em que atinge todos os estabelecimentos de educação infantil, de ensino fundamental, de ensino médio (técnico ou profissionalizante), ou de educação superior da rede particular, em atividade no Estado do Rio de Janeiro, e, indistintamente, todos os cursos presenciais ministrados, com exceção daqueles cujos valores da mensalidade sejam inferiores ou iguais a R$ 350,00 (trezentos e cinquenta reais).

Ainda que seja uma premissa totalmente válida (redução dos custos das instituições de ensino), é certo que a referida normatização estabeleceu um indevido e injusto nivelamento entre os cursos ministrados pelas instituições de ensino, levando-se em consideração tão somente o valor da mensalidade praticada. Na mesma linha seguiram as ações civis públicas propostas pela Defensoria Geral do Estado do Rio de Janeiro e o PROCON-RJ, conforme se observa nas ações 0095651-56.2020.8.19.0001 e 0094469-35.2020.0002.

Pretende-se esclarecer a argumentação envolvida na disputa existente entre alunos e instituições de ensino diante da pandemia do coronavírus (covid-19), ou melhor, os impactos da lei estadual 8.864/20 nos cursos de medicina e outros singularizados pela grande quantidade de aulas práticas em suas grades curriculares.

Cabe observar, inicialmente, que a crise humanitária e de contágio decorrente da pandemia da covid-19 trouxe várias recomendações e restrições em diversas atividades empresariais e sociais, sobretudo aquelas que envolvem a aglomeração de pessoas.

Por meio do decreto legislativo 6 de 2020, foi reconhecida a ocorrência de estado de calamidade pública, com efeitos até 31 de dezembro de 2020, nos termos da solicitação do presidente da República (mensagem 93/20). E no âmbito federal, a lei 13.979/20 estabeleceu-se medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional, incluindo o isolamento às pessoas doentes e contaminadas e a quarentena às pessoas com suspeita de contaminação.

No Estado do Rio de Janeiro, releva mencionar o decreto do Poder Executivo 46.973/20, de 18.03.20 e suas sucessivas prorrogações, também com o objetivo de resguardar o interesse da coletividade na prevenção do contágio e no combate da propagação do coronavírus.

Todo esse cenário aponta para um grande impacto financeiro na vida de milhares de famílias. As restrições na circulação de pessoas, dado o isolamento e a quarentena, prejudica o fluxo de renda usual, obrigando a interrupção de diversos setores das atividades comerciais, o que provoca significativos impactos na saúde financeira das pessoas, autônomos, profissionais liberais, comércio, indústria, etc.

Não obstante o fechamento dos seus espaços físicos e a suspensão das aulas presenciais, as Instituições de Ensino mantiveram, durante a pandemia, a cobrança integral da mensalidade. Justificam essa integralidade em função da substituição das aulas presenciais por aulas em meio digitais, segundo dispõe a portaria 343/20 do Ministério da Educação, pelos investimentos feitos em ferramentas digitais e na manutenção do corpo docente, corpo técnico e administrativo.

Porém, trata-se de uma fundamentação frágil e insuficiente. Além da questão jurídica que será discutida a seguir, merece atenção a redução dos custos operacionais das instituições. O contrato de prestação de serviços educacionais tem como características, a bilateralidade, a onerosidade, a comutatividade e a longa duração, cabendo ao aluno pagar os valores contratados, e à prestadora do serviço, por meio de seus professores, ministrar conhecimentos, informações ou esclarecimentos indispensáveis à formação do discente ou a um fim determinado específico do curso.

Soma-se a isso o fato de que suas cláusulas são definidas unilateralmente pela entidade de ensino (contrato de adesão), ainda que respeitadas, quanto ao conteúdo, às disposições impostas pelas diretrizes curriculares nacionais regulamentadas pelo Ministério da Educação.

Assim, permite-se a intervenção do Poder Judiciário na relação privada diante do manifesto desequilíbrio trazido à relação jurídica, ainda que ausentes disposições contratuais abusivas.

Pela teoria da imprevisão ou da onerosidade excessiva (arts. 478 a 480 de nosso Código Civil), decorrendo o desequilíbrio do momento excepcional vivido, devem os pactos serem reequilibrados. Já o art. 6º, V do CDC prevê como direito básico do consumidor a revisão contratual quando ocorrerem "fatos supervenientes" que tornem as prestações "excessivamente onerosas", aplicável à espécie por força dos artigos 2º e 3º da lei 8.078/90.

Assim, exigir do consumidor o pagamento integral por serviços educacionais que não estão sendo prestados, tal como contratados, significa que o risco da atividade será suportado exclusivamente por ele, que também foi atingido pelas consequências econômicas da pandemia.

A despeito dos aspectos jurídicos, que militam indubitavelmente em favor dos alunos, passa-se a análise da redução dos custos financeiros das Instituições de Ensino.

Com as unidades fechadas em função das medidas de contenção da pandemia, houve claramente significativa redução nas suas despesas operacionais, como a) o consumo de energia elétrica (ex.: ar condicionados, geradores e aparelhos de alto consumo), gás, água, telefone e internet; b) a conservação e manutenção do espaço físico, veículos e equipamentos; c) as despesas com transporte e alimentação dos funcionários; d) as despesas com serviços terceirizados (segurança, limpeza, informática, jardinagem, reprografia, etc.), entre outros.

Além disso, essas entidades foram beneficiadas, de uma maneira geral, com as medidas econômicas implementadas pelo Governo Federal em favor das empresas, consistentes no adiamento do pagamento da contribuição patronal ao INSS, Cofins, PIS e Pasep, com respectivos adiamentos no pagamento (portaria 139/20 do Ministério da Economia e IN 1.932/20 - SRFB).

Os impactos dessas medidas foram significativos, uma vez que representa 20% sobre o total das remunerações pagas aos seus empregados (artigo 22, I, da lei 8.212/90 - Contribuição Previdenciária Patronal), além dos percentuais destinados ao PIS (LC 7/70) e à Cofins (LC 70/91) e do diferimento do recolhimento do FGTS (MP 927/20).

Na esfera trabalhista, ressalte-se a suspensão temporária dos contratos de trabalho e a redução proporcional de jornada e salários, notadamente em função da conversão das aulas presenciais em ensino à distância, cujo número de professores é muito inferior e o alcance muito maior (MP 936/20).

Nos contratos de locação em vigor, em função do não uso pleno dos bens contratados, é possível a renegociação do valor dos aluguéis, entre 30% e 70%, já havendo inúmeras decisões judiciais nesse sentido.

Diante do exposto, não se tem dúvidas em afirmar que estamos diante de uma grave situação e que inexoravelmente deverá ser resolvida pelo Poder Judiciário, a quem compete julgar no caso concreto os conflitos decorrentes das relações em sociedade.

Em que pese às louváveis iniciativas do Poder Legislativo, da Defensoria Pública e do Procon, entende-se, com o devido consentimento, que o enfrentamento linear e generalista da presente situação, notadamente em relação aos cursos com predominância das aulas práticas, poderá prejudicar sobremaneira esses alunos.

Nestes casos, o Poder Judiciário continuará sendo instado a se pronunciar, considerando as diversas peculiaridades relativas a cada curso ministrado em universidades de todo o Brasil.

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t*Leonardo Amarante é sócio advogado do escritório Leonardo Amarante Advogados Associados. Atua na área de Responsabilidade Civil e Defesa do Consumidor.

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