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Receita Federal volta a analisar VT e VR na solução de consulta 58/2020

É imprescindível que o entendimento da Receita Federal seja interpretado e aplicado pelas Autoridades Fiscais com o devido cuidado.

quinta-feira, 2 de julho de 2020

Atualizado em 3 de julho de 2020 09:16

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Em 30 de junho de 2020, a Receita Federal publicou a solução de consulta Cosit 58/2020, tratando, ainda que de forma oblíqua, sobre a tributação dos benefícios indiretos de vale-transporte e auxílio-alimentação.

Primeiramente, é importante notar que a solução de consulta Cosit 58/2020 foi formulada por uma autarquia federal que, na condição de órgão da Administração Pública, tem a obrigação de reter 11% do valor bruto da nota fiscal, fatura ou recibo de prestação de serviços quando da contratação de serviços prestados mediante cessão de mão-de-obra, nos termos do artigo 31 da lei 8.212/1991.

A nosso ver, o teor da solução de consulta, portanto, vincula apenas os contribuintes que se enquadrem na hipótese por ela abrangida, nos exatos termos do artigo 9º da instrução normativa 1.396/2013. Logo, entendemos que somente os órgãos da Administração Pública contratantes de serviços envolvendo cessão de mão-de-obra estão abarcados pelo entendimento da Receita Federal.

A despeito disso, vale examinar o teor da referida solução. A autarquia questionou, de forma específica, o disposto no artigo 124 da instrução normativa 971/2009, que autoriza, nesse caso particular da retenção, a dedução das parcelas correspondentes ao custo da alimentação fornecida pela empresa contratada e o fornecimento de vale-transporte. Note-se que referido artigo 124 não especifica se o custo abarca a parcela paga pela contratada e também a parcela descontada dos salários dos empregados da contratada.

Para responder ao questionamento feito pela autarquia, a Receita Federal se debruçou sobre a legislação previdenciária. Quanto ao vale-transporte, entendeu que, caso a empresa contratada pela autarquia deixe de descontar o percentual de 6% (previsto na lei 7.418/1985), ou recolha a menor, a diferença será considerada salário e deverá incidir contribuições previdenciárias.

Quanto ao vale-alimentação, porém, a Receita Federal vai além, embora de forma pontual e sem grandes fundamentações, ao afirmar que "eventual parcela desse auxílio for descontada da remuneração do empregado, esses valores comporão o salário de contribuição, e, portanto, não serão dedutíveis da base de cálculo".

No caso do auxílio-alimentação, assim como ocorre com o vale-transporte, é importante pontuar que, em nenhum momento, a lei 8.212/1991, em seu artigo 28, § 9º, delimita a isenção sobre a parcela "paga pela empresa", como pretende fazer crer a Receita Federal. A simples leitura dos dispositivos evidencia isso. O referido artigo 28, § 9º expressamente retira da base de cálculo da contribuição previdenciária - denominada salário-de-contribuição -  diversas verbas.

Tecnicamente, a nosso ver, não se trata de uma isenção propriamente dita. É mais do que isso: ao delimitar o campo de incidência, o legislador propositalmente deixou de contemplar as verbas que estão listadas no artigo 28, § 9º da lei 8.212/1991.

O racional que embasa a não incidência decorre da própria Constituição Federal: a empresa, ao prover tal benefício previdenciário aos seus empregados, assume o papel que deveria estar sendo protagonizado pelo Estado, enquanto agente responsável pela manutenção do Sistema de Seguridade Social1.

Assim sendo, seria completamente irrazoável e contraditório exigir que as empresas incluíssem tal benefício na base de cálculo da contribuição previdenciária, tributo constitucionalmente direcionado para financiamento da Previdência Social (Regime Geral da Previdência Social - RGPS).

No caso do vale-transporte e do auxílio-alimentação, os benefícios indiretos estão em geral decompostos em duas parcelas: aquela custeada pela empresa (cota patronal) e aquela custeada diretamente pelo empregado, com seus recursos próprios. Tais parcelas têm, indiscutivelmente, a natureza jurídica não salarial, conforme disposto no artigo 457 da CLT23 e entendimento pacífico do STF4, para vale-transporte e decisões do STJ5, para o auxílio-alimentação.

Ainda que a Receita Federal não tenha discorrido de forma clara e completa sobre o seu entendimento, nos parece que a natureza jurídica destes benefícios é a mesma, pouco importando se o custo está sendo incorrido pelas empresas ou diretamente pelos seus empregados. Em resumo: o benefício, como um todo, deveria estar fora do campo de incidência das contribuições previdenciárias.

Logo, para ambos os benefícios, o valor descontado dos empregados não tem natureza remuneratória e, ademais, está abarcado pela regra isentiva.

Se aplicada de forma indistinta, a solução de consulta pode levar à conclusão de que as empresas em geral não poderiam excluir da sua base de cálculos a parcela dos benefícios isentos descontados dos empregados, o que, como visto, é plenamente passível de exclusão. Inclusive, há uma série decisões judiciais nesse sentido. Portanto, é imprescindível que o entendimento da Receita Federal seja interpretado e aplicado pelas Autoridades Fiscais com o devido cuidado.

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1 "Constituição Federal. Art. 194. A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social.

Parágrafo único. Compete ao Poder Público, nos termos da lei, organizar a seguridade social, com base nos seguintes objetivos:

I - universalidade da cobertura e do atendimento;

II - uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais;

III - seletividade e distributividade na prestação dos benefícios e serviços;

IV - irredutibilidade do valor dos benefícios;

V - eqüidade na forma de participação no custeio;

VI - diversidade da base de financiamento;

VII - caráter democrático e descentralizado da administração, mediante gestão quadripartite, com participação dos trabalhadores, dos empregadores, dos aposentados e do Governo nos órgãos colegiados."

2 Art. 457 - Compreendem-se na remuneração do empregado, para todos os efeitos legais, além do salário devido e pago diretamente pelo empregador, como contraprestação do serviço, as gorjetas que receber. (...)

§ 2º As importâncias, ainda que habituais, pagas a título de ajuda de custo, auxílio-alimentação, vedado seu pagamento em dinheiro, diárias para viagem, prêmios e abonos não integram a remuneração do empregado, não se incorporam ao contrato de trabalho e não constituem base de incidência de qualquer encargo trabalhista e previdenciário.

3  Art. 458 - Além do pagamento em dinheiro, compreende-se no salário, para todos os efeitos legais, a alimentação, habitação, vestuário ou outras prestações "in natura" que a empresa, por força do contrato ou do costume, fornecer habitualmente ao empregado. Em caso algum será permitido o pagamento com bebidas alcoólicas ou drogas nocivas. (...)

§ 2º Para os efeitos previstos neste artigo, não serão consideradas como salário as seguintes utilidades concedidas pelo empregador: (...)

III - transporte destinado ao deslocamento para o trabalho e retorno, em percurso servido ou não por transporte público;     

4 STF, Tribunal Pleno, RE 478410, relator ministro Eros Grau, julgamento de 10/3/2010

5 REsp 1.185.685, 1ª turma do STJ, ministro Luiz Fuz, DJE 10/5/2011

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*Cristiane I. Matsumoto é sócia da área previdenciária do Pinheiro Neto Advogados.

*Mariana Monte Alegre de Paiva é associada da área previdenciária do Pinheiro Neto Advogados.

*Lucas Barbosa Oliveira é associado da área previdenciária do Pinheiro Neto Advogados.







*Este artigo foi redigido meramente para fins de informação e debate, não devendo ser considerado uma opinião legal para qualquer operação ou negócio específico. 

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