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Imputação de maus antecedentes após a caducidade da reincidência

O entendimento jurisprudencial no que tange a imputação de maus antecedentes

terça-feira, 7 de julho de 2020

Atualizado às 13:53

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A reincidência no Direito Penal brasileiro ocorre quando um agente que já foi condenado por crime anterior com sentença transitada em julgado, comete um novo crime. Em primeiro plano, faz-se necessário trazer à baila, além do significado objetivo da reincidência, o que o Código Penal disserta sobre o tema.

Um dos seus efeitos de mais importância, e que será abertamente abordado neste artigo, é o prazo da reincidência. Não prevalecerá condenação anterior se o período entre a extinção da pena e do novo crime tiver decorrido cinco anos. Dessa forma, o Código Penal brasileiro adota o sistema da temporariedade, posto que os efeitos danosos da reincidência duram apenas por um certo período.

Sob este prisma, cabe ressaltar que a reincidência é uma agravante da pena, ou seja, aplicada na segunda fase da dosimetria da pena e serve para o recrudescimento da pena em razão do agente continuar a delinquir. Importante ressaltar a afirmação da constitucionalidade da reincidência trazida no informativo 700 do STF:

Todavia, o efeito da reincidência não será eterno. O Código Penal adotou a teoria da temporariedade. Com isso, a validade da reincidência será de 5 (cinco) anos a contar da extinção da pena resultante do crime anterior e a prática do novo crime, não importando a data que foi sentenciado. Esse período é conhecido como depurador ou caducidade da condenação anterior para fins de reincidência.

O ponto nodal é, se inobstante transcorrido esse prazo, a condenação anterior subsistirá como mau antecedente, influindo na dosimetria da pena-base

Recentemente foi julgado pela Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal o habeas corpus 181.781 de São Paulo, tendo por relator o ministro Ricardo Lewandowski, onde o paciente pleiteava o afastamento da utilização de condenação anterior já transitada em julgado e já ultrapassado o prazo depurador necessário como caracterização de maus antecedentes, uma vez que quando ultrapassado esse tempo o paciente já não pode ser caracterizado como reincidente e nem com maus antecedentes.

A decisão do relator foi favorável, uma vez que entendeu ser o caso de concessão da ordem, visto que não se pode perpetuar uma condenação que não tem mais condão de caracterizar a reincidência, muito menos, maus antecedentes. Todavia, fora ressaltado pelo min Edson Fachin o tão polêmico RE 593.818/SC, que ainda se encontra pendente de julgamento, podendo este ser o julgado que firmará o entendimento do Supremo sobre tal temática, uma vez em que já reconhecida a repercussão geral da matéria, ou seja, a questão se mostra revestida de relevância econômica, política, social ou jurídica, e ainda mais, transcende o interesse subjetivo das partes em um caso concreto, entretanto o mérito ainda não foi apreciado.

Diante disso, a questão que vem sendo levantada é a imputação de maus antecedentes das condenações que já transcorreram o período depurador, isto porque no ponto da discussão, a reincidência em si, não poderia mais ser observada, pelo fato de já ter decorrido o período de cinco anos, não sendo mais considerado o réu reincidente.

A maior problemática trazida por essa situação ocorre devido a divergência doutrinária existente, sendo a principal delas a que trata do entendimento adotado pelo Superior Tribunal de Justiça e pelo Supremo Tribunal Federal, até mesmo entre as próprias turmas do Supremo, no que tange às condenações transitadas em julgado há mais de cinco anos como maus antecedentes a serem valoradas na fixação da pena-base.

Com esta noção, em diversos julgados o STF trouxe o entendimento de que se as condenações pretéritas não servem mais para o efeito da reincidência, com muito maior razão não devem sopesar para fins de antecedentes criminais, e com isso há a impossibilidade de alargar o entendimento de reincidência para maus antecedentes.

Além disso, por base na Constituição Federal, é dever a individualização da pena, e ainda mais, esta não pode de maneira alguma possuir caráter perpétuo, não encontrando assim respaldo algum para utilização de um estado temporário, ou até mesmo erro já cometido por um indivíduo para eternizar uma condenação já cumprida e extinta.

Assim, quando se analisa a possibilidade de se utilizar condenação anterior como meio de valorar como maus antecedentes, não estaríamos condenando o réu ao cumprimento de uma pena perpétua?

Ao contrário do que é defendido pela maioria dos ministros do STF, temos o entendimento do STJ tanto na Quinta quanto na Sexta Turma, que as condenações atingidas pelo período previsto no art. 64, I do CP, não caracterizam mais reincidência, assumindo que pode ser aplicada a título de maus antecedentes nas circunstâncias judiciais. Não há como reconhecer nem como admitir que continuem a subsistir, residualmente, contra o réu os efeitos negativos resultantes de condenações anteriores, decorrido o prazo de 5 (cinco) anos.

O professor Paulo Queiroz afirma que a utilização de condenações após o período depurador como maus antecedentes fere o princípio da legalidade. Diz que "se, com o decurso do prazo, cessa a reincidência, principal forma de maus antecedentes, ela não pode ser aproveitada para outros fins, frustrando a finalidade da lei, até porque o acessório (maus antecedentes) deve seguir a sorte do principal (a reincidência). Mais: os maus antecedentes acabariam assumindo caráter perpétuo".

É direito básico do réu haver um limite temporal, podendo se utilizar da analogia feita junto ao instituto de direito ao esquecimento previsto no direito civil, no qual se possibilita ao indivíduo o direito de permitir que determinado fato não seja exposto, tendo a pessoa o direito a uma vida privada, vide art. 5º, X, CF/88. Deve também ser respeitada a extinção de punibilidade, que leva a desaparecer a possibilidade jurídica de imposição da pena, não impondo mais ao investigado, ao réu ou ao condenado uma sanção cominada ou aplicada, como firmado no art. 107, CP e seus efeitos, salvo, como já dito anteriormente e demonstrado a constitucionalidade, a reincidência.

Desse modo e com vistas à Constituição de 1988 e seus princípios, acerca do tema tratado no presente, não se pode mitigar o princípio da legalidade, pois este é corolário da própria noção de Estado Democrático de Direito, sendo assim um pilar erguido desde a elaboração da Carta Magna, cabendo ressaltar ainda o princípio do devido processo legal, englobando especialmente suas vertentes e resultados no processo penal, pois, através deste, em seu sistema acusatório tem o condão de definir o decorrer de uma vida.

Por fim, esperamos que em breve se tenha um entendimento pacificado pela Suprema Corte, de modo a facilitar a atividade jurisdicional e garantia da segurança jurídica.

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t*David Metzker é sócio do escritório Metzker Advocacia, advogado criminalista, professor e palestrante, pós graduado em Direito Penal e Criminologia pela PUC/RS e MBA em Gestão, Empreendedorismo e Marketing pela mesma instituição, diretor Cultural e Acadêmico da ABRACRIM-ES.


t*Brenda Guerra é colaboradora no escritório Metzker Advocacia.






t*Amanda Araújo é colaboradora no escritório Metzker Advocacia.

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